"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



04/06/2024

Jurisprudência 2023 (184)


Acção de divórcio;
pedido reconvencional*


1. O sumário de RG 19/10/2023 (100/22.6T8MDR-B.G1) é o seguinte:

I - Numa ação de em processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, instaurada com fundamento no artigo 1781.º, als. a) e d), do CC, não pode a ré/reconvinte formular em reconvenção pedido de indemnização baseado em alegados danos não patrimoniais derivados da dissolução do casamento, por não serem tais danos compensáveis, contrariamente ao que prevê o artigo 1792.º, n.º 2 do CC para o pedido indemnizatório dependente da procedência de um pedido de divórcio fundado no artigo 1781.º, al. b) do CC (alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum);

II - Manifestando igualmente a ré a vontade em obter o divórcio, seja qual for o motivo, está a assentir que o casamento deve ser dissolvido, sendo que tal pedido já se mostra formulado na petição inicial; em tais circunstâncias, deve entender-se que o pedido reconvencional de divórcio não tem, em regra, cabimento em ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, o que se configura como uma consequência da exclusão da culpa enquanto facto constitutivo do direito ao divórcio, no atual quadro legal.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] manifestando igualmente a ré a vontade em obter o divórcio, está a assentir que o casamento deve ser dissolvido, sendo que tal pedido já se mostra formulado na petição inicial. Em tais circunstâncias, deve entender-se que o pedido reconvencional de divórcio não tem cabimento em ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, o que se configura como uma consequência da exclusão da culpa enquanto facto constitutivo do direito ao divórcio, no atual quadro legal [---]

Por outro lado, mesmo nos casos em que o réu tenha interesse na fixação da data da separação de facto para efeitos patrimoniais, e esse pedido não tenha sido formulado pelo autor, o exercício da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 1789.º do CC [---] não tem de produzir-se por via de ação ou de reconvenção [---], nem constar dos articulados, podendo ocorrer por mera apresentação do respetivo requerimento, pressupondo apenas a alegação dessa factualidade por um dos cônjuges, e a respetiva prova, no âmbito do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, qualquer que seja a causa invocada para fundar, nos termos do artigo 1781.º do CC, o pedido de divórcio [A este propósito, cf., Rute Teixeira Pedro Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017], p. 693.]

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, sempre seria de não admitir o pedido reconvencional formulado, pelo que não se mostram violadas as disposições legais mencionadas pela recorrente nas respetivas alegações de recurso."

*[Comentário] O pedido reconvencional de divórcio só se poderia fundamentar no disposto no art. 266.º, n.º 2, al. d), CPC. Ora, se a ré não contesta o pedido de divórcio formulado pelo autor, é claro que não pode formular o pedido reconvencional de divórcio. Outro exemplo: se o possuidor demandado na acção de reivindicação não contesta o pedido formulado pelo autor reivindicante, é claro que não pode formular, em reconvenção, o pedido de declaração de que é proprietário.

MTS