"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/06/2024

Jurisprudência 2023 (191)


Juros compulsórios;
adjudicação


1. O sumário de RE 7/11/2023 (2172/17.6T8LLE-D.E1) é o seguinte:

À exequente que adjudicou o bem penhorado por quantia inferior à exequenda não é exigível o adiantamento da parte que cabe ao Estado nos juros previstos no nº 4 do artigo 829º-A do Cód. Civ. para que lhe seja passado o título de transmissão do bem.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A única questão a decidir é a de saber se à exequente que adjudicou o bem penhorado por quantia inferior à exequenda é exigível o adiantamento da parte que cabe ao Estado nos juros previstos no nº 4 do artigo 829º-A do Cód. Civ. para que lhe seja passado o título de transmissão do bem.

“A sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de constrangimento (…), destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial.” - Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Separata do volume XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1987:393. Tais finalidades justificam que o montante da sanção se destine, em partes iguais, ao credor e ao Estado (nº 3 do artigo 829º-A do Cód. Civ.).

“(…) a sanção pecuniária compulsória analisa-se numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de a condenação principal não ser obedecida e cumprida.” – Calvão da Silva, obra citada: 394. Por isso, a sanção deve ser mensalmente liquidada pelo agente de execução e notificada ao executado/devedor (artigo 716º nº 3 do Cód. Proc. Civ.), para que o mesmo “fique ciente de quanto a mais deve ao exequente e ao Estado em função do arrastar do seu inadimplemento” (Ac. RP de 11.1.21, in http://www.dgsi.pt, Proc. nº 6040/06.9TBVNG-D.P1)

Os juros devidos por força do disposto no nº 4 do artigo 829º-A do Cód. Civ. – que, por comodidade, doravante designaremos por juros compulsórios – não têm natureza indemnizatória e são independentes, quer de eventuais juros de mora, quer de eventual indemnização (Calvão da Silva, obra citada: 454).

O exequente que adquira bens pela execução é dispensado de depositar a parte do preço que não seja necessária para pagar a credores graduados antes dele e não exceda a importância que tem a receber – artigo 815º do Cód. Proc. Civ.. No caso em apreço, o crédito da exequente está graduado em 1º lugar, sendo certo que a quantia a depositar (500.000,00€) é inferior à quantia exequenda (960.000,00, acrescida de juros). Pelo que, por via do referido preceito, a exequente nada teria que depositar.

Sucede que as custas da execução, apensos e respectiva acção declarativa e, ainda, os honorários e despesas devidos ao agente de execução saem precípuas do produto dos bens penhorados (artigo 541º do Cód. Proc. Civ.), sendo que as custas integram a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 3º nº 1, 6º nº 1, 16º nº 1 e 25º nº 2 do Reg. Custas Proc.). Não se integrando em qualquer uma destas categorias, os juros compulsórios não gozam da precipuidade a que alude o artigo 541º do Cód. Proc. Civ. Assim sendo e considerando a nota discriminativa elaborada pelo agente da execução, à exequente cabe depositar 13.985,36€, correspondente aos honorários e despesas do agente de execução ainda por liquidar.

Aliás, não está prevista a liquidação dos juros compulsórios aquando da adjudicação à exequente do bem penhorado quando o produto da venda não é suficiente para conduzir ao pagamento integral da quantia exequenda (artigo 716º nº 3 do Cód. Proc. Civ.).

Acresce que, sendo a executada Aymana a única devedora dos juros compulsórios (só ela foi condenada no seu pagamento, detendo a sociedade Urbaniagara a qualidade de executada na medida em que adquiriu o imóvel que veio a ser penhorado e, por isso, foi condenada a reconhecer o direito de retenção da exequente) e desses juros sendo credores, em partes iguais, a exequente e o Estado, não descortinamos norma que imponha à exequente o adiantamento (posto que ela nada recebeu a tal título) ao Estado da parte dos juros compulsórios que a este cabe receber (em sentido idêntico, vd. Ac. RG de 11.5.17, in http://www.dgsi.pt, proc. nº 90/14.9TBVFL-E.G1)."

[MTS]