1. O STJ
20/3/2014, na sequência de outros arestos do STJ, qualifica uma acção de
impugnação da resolução de um contrato-promessa em benefício da massa realizada
pelo administrador de insolvência como uma acção de apreciação negativa. Desta
qualificação retira o acórdão, segundo uma interpretação do disposto no art.
343.º, n.º 1, CC, uma inversão do ónus da prova naquela acção, que se traduz em
dispensar o autor de fazer prova de qualquer facto constitutivo da impugnação da
resolução e em impor ao réu a prova dos factos que justificam a resolução do contrato-promessa.
Consequentemente, como também já foi decidido noutros arestos do STJ, o acórdão
acaba por concluir que o demandado na acção de impugnação da resolução não pode
deduzir nenhum pedido reconvencional com a seguinte justificação:
“Se, na reconvenção, a ré pretende ver declarada
a eficácia da resolução extrajudicial por si efectivada, através da carta
enviada ao promitente-comprador, tal pedido mostra-se sem qualquer
justificação, pois a improcedência da acção de impugnação tem essa necessária
consequência, em termos jurídicos, tornando-se desnecessária qualquer outra
providência por banda da ré, designadamente a instauração de uma acção de
apreciação positiva”.
Já houve a
oportunidade de criticar esta orientação (aqui).
Continuando a reflectir sobre o problema, há que acrescentar uma outra
observação.
2. Como me
foi referido por um Colega do IPPC, a atribuição ao réu de uma acção de
apreciação negativa do ónus de provar o facto constitutivo é incompatível com o
regime da revelia. Admita-se que o réu de uma acção de apreciação negativa não
contesta numa hipótese em que a revelia é operante; a consequência é a confissão
dos factos alegados pelo autor (art. 567.º, n.º 1, nCPC); perante isto, há que
afirmar o seguinte:
– Se o
autor de uma acção de apreciação negativa nada tem de provar e se a impugnação
dos factos eventualmente alegados por esse demandante não aproveita ao réu,
pode concluir-se, com alguma segurança, que não é necessária a invocação de uma
causa de pedir, isto é, a alegação de factos que fundamentem a inexistência do
direito (do demandado); se assim se entender, cabe perguntar o que sucede se o
réu entrar em revelia, dado que, não tendo sido invocada nenhuma causa de
pedir, não podem ficar confessados nenhuns factos; nesta hipótese, o tribunal
não dispõe de nenhuns factos para proferir a sua decisão;
– Se, pelo
contrário, se admitir que o autor de uma acção de apreciação negativa, apesar
de nada ter de provar, ainda assim tem de alegar uma causa petendi, não parece coerente que esse autor obtenha a
confissão dos factos alegados se o réu não contestar, mas esta parte
não possa limitar-se a impugnar esses mesmos factos, tornando-os controvertidos
e impondo ao autor, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1, CC, a sua prova; é
estranho que o autor possa beneficiar de uma ficta confessio desses factos em caso de revelia do demandado e que
esses mesmos factos não possam ser utilizados por este réu para, através da sua
impugnação, procurar obter a improcedência da causa; talvez esteja mesmo em
questão a igualdade das partes, dado que os factos invocados pelo autor relevam
em benefício desta parte se o réu não contestar, sem que o réu possa retirar
qualquer vantagem da sua impugnação; no fundo, constrói-se um sistema em que há
uma categoria de factos que só servem para obter a procedência da causa, sem
que possam ser utilizados pelo réu para procurar conseguir a improcedência da
acção.
MTS