"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/03/2014

Aplicação no tempo do nCPC: títulos executivos forever? (3)


A nota do Prof. Lebre de Freitas ao acórdão da RE de 27/2/2014 chama a atenção para um ponto que, no contexto da discussão sobre a constitucionalidade da aplicação do novo elenco dos títulos executivos aos documentos constituídos antes de 1/9/2013, é muito relevante. Refere o Prof. Lebre de Freitas que nunca se levantou nenhum problema de constitucionalidade quando à aplicação imediata dos sucessivos regimes processuais que foram alargando o elenco dos títulos executivos, isto é, que atribuíram a qualidade de título executivo a documentos que, no momento da sua formação, não tinham essa qualidade.
A chamada de atenção é muito oportuna, dado que as duas situações -- a aplicação imediata a documentos já constituídos de uma lei nova que restringe os títulos executivos e a aplicação imediata a documentos já formados de uma lei nova que aumenta o elenco dos títulos executivos -- têm de ter a mesma solução.
A justificação é fácil: se a lei que restringe os documentos com força executiva afecta o credor e potencial exequente, uma lei que aumenta os documentos a que atribui essa mesma força afecta o devedor e possível executado. É claro que estes interessados não podem ser tratados de forma distinta (o favor creditoris só opera após a instauração da execução, não quanto à admissibilidade da execução): não pode afirmar-se que, com uma lei nova restritiva do elenco dos títulos executivo, o credor perde a expectativa de instaurar uma execução sem ter de reconhecer que, através de uma lei nova que aumenta esse elenco, o devedor perde a expectativa contrária, isto é, a expectativa de não ser executado com base num documento que, no momento da sua formação, não era título executivo. Se é difícil aceitar uma expectativa a não ser executado, tem necessariamente de ser difícil admitir uma expectativa a executar com base num documento a que uma lei nova retirou força executiva.
Esta observação reforça uma das críticas que se pode dirigir ao acórdão da RE. Constitui uma visão unilateral analisar o problema da constitucionalidade da aplicação imediata de uma lei nova sobre títulos executivos a documentos anteriores considerando apenas o que o credor perde quando essa lei restringe os títulos executivos e não ponderando o que acontece ao devedor quando aquela lei aumenta os títulos executivos. Em termos de constitucionalidade da aplicação da lei nova a documentos anteriores, as duas situações têm de ter a mesma solução: ou são ambas constitucionais ou são ambas inconstitucionais.
 
MTS