"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/03/2014

Responsabilidade civil do mandatário judicial e perda de chance


O sumário do acórdão da RG de 9/1/2014 é o seguinte:

"I - O advogado que interpõe fora de prazo o recurso da sentença final tem uma atitude equiparara ao abandono de patrocínio, com o consequente incumprimento de um dever contratual resultante do mandato forense.
II. - O tribunal não pode sindicar a decisão não recorrida, aliás já transitada em julgado, em termos de aquilatar da eventual possibilidade de êxito do recurso e não pode garantir-se a procedência de um recurso, nem tal afirmação pode sequer ser feita em termos de mera probabilidade.
III - Não podendo embora afirmar-se o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do interveniente e os danos sobrevindos para os autores, tal não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato.
IV. - A representação ideal do que teria sucedido no processo, a que faz apelo a doutrina do «trial within the trial», caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, não pode traduzir-se numa sindicância à decisão penal condenatória dos réus, havendo apenas a considerar a perda de oportunidade dos autores verem aquela sentença revogada, acrescida do facto do próprio advogado ter concordado com os autores na interposição do recurso.
V - Neste caso, porque se justifica prescindir do nexo de causalidade, é de admitir que a chance de vencimento (procedência do recurso) é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade.
VI - O dano da perda de chance indemnizável não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior ou igual à quantia que seria atribuída aos autores, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.
VII - Para tanto, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, procedendo-se em primeiro lugar à avaliação do dano final, para, em seguida, se fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual e, uma vez obtidos esses valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação o valor da indemnização a atribuir pela perda de chance."
 
2. Sobre o problema da aplicação da doutrina da perda de chance à responsabilidade civil do mandatário judicial, cf. também:
-- Contra essa aplicação: STJ 29/4/2010; STJ 26/10/2010; STJ 29/5/2012; STJ 30/5/2013;
 
3. Sobre a problemática geral da perda de chance, cf. N. Santos Rocha, A «perda de chance» como uma nova espécie de dano (Diss. Mestrado, Porto 2011).
 
4. Sobre a indemnização da perda de chance no âmbito dos concursos de provimento em cargos públicos, cf. TCAN 11/10/2013.

MTS