"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



01/03/2014

Questões sobre matéria de prova no nCPC


1. O art. 3.º, n.º 4, nCPC dispõe que às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não se realizando esta, no início da audiência final. Este preceito regula a forma de a parte (normalmente o autor) exercer o seu direito ao contraditório quanto às excepções alegadas (normalmente pelo réu) e de aquela parte cumprir o ónus de impugnação dessas excepções. Acrescente-se que o facto de o legislador do nCPC -- ou melhor, o legislador da AR que aprovou o nCPC -- ter suprimido a réplica como articulado de resposta do autor às excepções alegadas pelo réu não significa a supressão do ónus do réu de impugnar aquelas excepções. Mudou -- para pior, talvez se possa dizer -- a forma como a resposta da contraparte à alegação da excepção pode ser realizada, mas permaneceu intacto o ónus de contestação da excepção por essa contraparte.

À impugnação das excepções no início da audiência prévia ou final há que aplicar, por interpretação extensiva, o disposto no art. 572.º, al. d), nCPC: a parte tem o ónus de, nessa mesma audiência, apresentar o rol de testemunhas e de requerer outros meios de prova para demonstração dos factos que fundamentam a impugnação das excepções.

2. a) O art. 502.º, n.º 1, nCPc estabelece o seguinte:

"As testemunhas residentes fora da comarca [...] são apresentadas pelas partes, nos termos do n.º 2 do artigo 507.º, quando estas assim o tenham declarado aquando do seu oferecimento, ou são ouvidas por teleconferência na própria audiência e a partir do tribunal da comarca da área da sua residência".

Por sua vez, o art. 507.º, n.º 2, nCPC dispõe o seguinte:

"As testemunhas são apresentadas pelas partes, salvo se a parte que as indicou requerer, com a apresentação do rol, a sua notificação para comparência ou inquirição por teleconferência".

Estes preceitos suscitam, antes do mais, alguma dificuldade quanto à compreensão da sua teleologia, dado que parece que ambos contêm uma alternativa algo espúria: ou apresentação da testemunha pela parte no tribunal da causa ou notificação da testemunha para depor através de teleconferência. A razão pela qual a testemunha não tem de ser notificada se houver de ser ouvida no tribunal da causa e tem de ser notificada se depuser por teleconferência noutro tribunal não é evidente. Importante é que a testemunha venha a depor no processo; a circunstância de o fazer no lugar x ou y não deveria contender com a forma como ela é chamada a juízo.

A outra dificuldade suscitada por estes preceitos é a sua conjugação. O sentido literal dos preceitos aponta para que um deles parece conter uma regra geral e de que do outro parece extrair-se uma regra especial. Em concreto, o art. 507.º, n.º 2, nCPC, ao referir-se a qualquer testemunha, parece conter a regra geral; em contrapartida, o art. 502.º, n.º 1, nCPC, ao aludir apenas às testemunhas residentes fora da comarca, parece conter uma regra especial.

Se assim é, o regime é, pois, o seguinte:

-- Testemunhas residentes fora da comarca (art. 502.º, n.º 1, nCPC): necessidade de declaração da parte de que quer apresentar a testemunha no tribunal da causa; portanto, "por defeito", notificação da testemunha que é chamada a depor no tribunal da causa;

-- Testemunhas em geral (art. 507.º, n.º 2, nCPC), mas que, em função da regra especial constante do art. 502.º, n.º 1, nCPC, só podem ser testemunhas residentes na comarca: desnecessidade da declaração da parte de que pretende apresentar a testemunha no tribunal da causa; portanto, "por defeito", apresentação pela parte da testemunha que vai depor no tribunal da causa.

Se esta interpretação está correcta, o que está a mais é a remissão que consta do art. 502.º, n.º 1, nCPC para o art. 507.º, n.º 2, nCPC, pois que essa remissão torna os regimes contraditórios e incompatíveis: a apresentação de uma testemunha residente fora da comarca mediante declaração da parte é realizada nos termos da apresentação de uma testemunha sem necessidade de declaração da parte.

b) Se bem se percebe, a solução acima sugerida não se afasta daquela que é proposta por P. Ramos de Faria/A. L. Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil I (2013), 391 s. Também estes Colegas entendem que, segundo o disposto no art. 502.º, n.º 1, nCPC, a testemunha residente fora da comarca depõe no tribunal do lugar da sua residência ou, se (mas apenas se) a parte tiver declarado apresentá-la, no tribunal da causa.

O que não parece merecer acolhimento é a opinião dos mesmos Colegas de que o art. 502.º, n.º 1, nCPC se refere ao lugar onde a testemunha residente fora da comarca deve depor e de que o art. 507.º, n.º 2, nCPC regula a convocação de qualquer testemunha. Se os preceitos respeitam a diferentes matérias e, por isso, têm campos de aplicação que não se excluem, então os mesmos são cumulativamente aplicáveis a uma testemunha residente fora da comarca, o que implica o seguinte resultado: segundo o disposto no art. 507.º, n.º 2, nCPC, a testemunha residente fora da comarca, na ausência de qualquer declaração da parte, é apresentada por esta parte no tribunal da causa, mas, segundo o estabelecido no art. 502.º, n.º 1, nCPC, essa mesma testemunha necessita da declaração da apresentação pela parte para poder depor nesse mesmo tribunal. É por isto que parece constituir uma melhor solução entender que os preceitos referidos regulam a mesma matéria, pois que, nesta hipótese, é possível excluir a aplicação de um em função da aplicação do outro (como sucede na relação regra geral/regra especial). Nesta leitura, numa situação concreta só um dos preceitos pode ser aplicável e não há nenhuma incompatibilidade entre eles (desde que se exclua, como acima se referiu, a remissão do art. 502.º, n.º 1, nCPC para o art. 507.º, n.º 2, nCPC).

3. Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova seleccionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. Por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, o requerimento pode ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final. 

4. Por fim, uma observação de âmbito doutrinário. Alguns Colegas têm criticado o uso no art. 410.º nCPC da expressão "temas da prova" para designar o objecto da prova, utilizando como argumento que o objecto da prova é constituído por factos. A verdade é que, num sentido preciso, o objecto da prova não são factos, mas, como bem se sabe, afirmações de facto. Portanto, os temas da prova -- que não são mais do que descrições de factos controvertidos -- constituem realmente o objecto da instrução e da prova.

Aliás, não há nisto nenhuma novidade. O processualista sueco P. O. Ekelöf identifica o objecto da prova com o Beweisthema (Ekelöf, FS Fritz Baur (1981), 344).


MTS