1. A acção de apreciação tem uma definição legal: de acordo com o disposto no art. 10.º, n.º 3, al. a), nCPC, a acção de apreciação é aquela que tem por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto: no primeiro caso, a acção é de apreciação positiva, no segundo, de apreciação negativa. O Code de procédure civile de 1806 consagrava um processo destinado à "Vérification des Écritures" (documentos particulares), mas foi a Zivilprozessordnung de 1877 que veio consagrar, num plano mais geral, uma acção destinada à declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Na sistemática do art. 10.º, n.º 1 e 3, nCPC, as acções de apreciação incluem-se nas acções declarativas, a par das acções condenatórias e das acções constitutivas.
Dois recentes acórdãos do STJ parece afastarem-se da referida definição legal de acção de apreciação negativa:
-- STJ 14/11/2013, onde se entendeu que a acção inibitória do uso ou recomendação de uma cláusula contratual geral "assume a feição de declaração negativa" (nomeadamente, para efeitos de distribuição do ónus da prova e de aplicação do disposto no art. 343.º, n.º 1, CC);
-- STJ 25/2/2014, no qual se qualifica uma acção de impugnação da resolução de um contrato-promessa em benefício da massa falida como uma acção de apreciação negativa.
Salvo melhor opinião, nem a acção inibitória do uso ou recomendação de uma cláusula contratual geral, nem a acção de impugnação da resolução de um negócio jurídico podem ser qualificadas como acções de simples apreciação negativa.
2. A tutela inibitória e as correspondentes Unterlassungsklagen e azioni inibitorie são estudadas, há muito, pela doutrina (e continua a ser muito discutida a natureza -- processual ou substantiva -- das acções inibitórias que não têm como causa de pedir um direito contratual à omissão). De acordo com uma autora italiana que se ocupou com bastante profundidade da matéria, "a tutela inibitória permite obter uma decisão do juiz que impõe a cessação de uma conduta ilícita. A decisão judicial poderá conter a imposição de uma obrigação de fazer ou de não fazer, dependendo de que a conduta ilícita seja, por sua vez, de carácter omissivo ou comissivo" (Rapisarda Sassoon, Dig. Disc. Privat./Sez. civ. 9 (1993), 475). Sobre a natureza da tutela inibitória, conclui a mesma autora -- no âmbito de um entendimento perfeitamente pacífico -- que "a inibitória encontra a sua colocação natural entre as acções de conhecimento como condenação preventiva" (Rapisarda Sassoon, Dig. Disc. Privat./Sez. civ. 9 (1993), 486).
Sendo assim, não parece que uma acção inibitória -- seja ela respeitante à tutela de direitos da personalidade, de direitos reais ou de interesses difusos -- possa merecer outra qualificação que não a de acção condenatória. Fora de causa parece estar, portanto, a aplicação numa acção inibitória do regime específico (qualquer que ele seja) da distribuição do ónus da prova nas acções de apreciação negativa (cf. art. 343.º, n.º 1, CC), não podendo incumbir ao demandado naquela acção provar mais do que é exigível numa qualquer acção condenatória (e, correspondentemente, não podendo caber ao demandante provar menos do que em qualquer outra acção condenatória). Aliás, a qualificação também não é nada irrelevante sob um outro ponto de vista: só qualificando a acção inibitória como uma acção condenatória é possível que dela resulte um título executivo destinado a permitir a execução da obrigação de fazer ou de não fazer imposta ao demandado condenado.
3. A tutela impugnatória (se se pretender manter o paralelismo linguístico com a tutela inibitória) tem uma expressão relevante na ordem jurídica. Basta pensar na acção de impugnação da paternidade ou maternidade, na acção de impugnação da perfilhação, na acção de impugnação de um despedimento, na acção de impugnação de uma deliberação social ou, pelo menos em parte, na acção de impugnação pauliana.
A tutela impugnatória é realizada através de uma acção constitutiva, ou seja, através de uma acção que tem por finalidade introduzir uma mudança na ordem jurídica existente (cf. art. 10.º, n.º 3, al. c), nCPC) e na qual o demandante exerce um poder (normalmente, um direito potestativo). Há, aliás, entre os direitos potestativos e as acções constitutivas uma relação dogmática interessante: primeiro, Sekel descobriu (em 1911) os direitos potestativos (Gestaltungsrechte); só depois se descobriu que a esses direitos não correspondiam as vulgares acções condenatórias, mas antes uma diferente espécie de acções de que até então só havia um conhecimento algo difuso: as acções (agora baptizadas como) constitutivas (Gestaltungsklagen).
Neste enquadramento, parece difícil deixar de qualificar a acção destinada a impugnar a resolução de um contrato-promessa em benefício da massa falida como uma acção constitutiva, ou seja, como uma acção que modifica um "estado de coisas". Antes da impugnação da resolução, o contrato-promessa não tem de ser cumprido, pois que se encontra resolvido em benefício da massa insolvente; depois dessa impugnação, o contrato-promessa passa a ter de ser cumprido como se nunca tivesse sido resolvido. Aliás, não há naquela conclusão nada de novo. Já Chiovenda incluía nas azioni d'impugnativa as acções de rescisão ou de resolução, concluindo que estas "conduzem certamente a sentenças constitutivas" (Principii di diritto processuale civile (1928), 193). Permanecendo nas fontes doutrinárias, pode referir-se que também Rosenberg inclui as acções de impugnação (Anfechtungsklagen) entre as acções constitutivas (Lehrbuch des Deutschen Zivilprozessrechts (1927), 235).
Pode efectivamente dizer-se que a acção de impugnação da resolução visa pôr termo a uma incerteza objectiva, mas não parece que este critério possa ser utilizado para qualificar essa acção como uma acção de apreciação negativa, dado que o mesmo justificaria a atribuição desta qualificação a qualquer outra acção. Acresce que a referida acção de impugnação só dissipa a aludida incerteza como consequência da resolução do acto, ou seja, através do efeito constitutivo que se produz através da decisão proferida na acção. É também por isso que se pode concluir que a referida acção de impugnação é uma acção constitutiva.
MTS
Sendo assim, não parece que uma acção inibitória -- seja ela respeitante à tutela de direitos da personalidade, de direitos reais ou de interesses difusos -- possa merecer outra qualificação que não a de acção condenatória. Fora de causa parece estar, portanto, a aplicação numa acção inibitória do regime específico (qualquer que ele seja) da distribuição do ónus da prova nas acções de apreciação negativa (cf. art. 343.º, n.º 1, CC), não podendo incumbir ao demandado naquela acção provar mais do que é exigível numa qualquer acção condenatória (e, correspondentemente, não podendo caber ao demandante provar menos do que em qualquer outra acção condenatória). Aliás, a qualificação também não é nada irrelevante sob um outro ponto de vista: só qualificando a acção inibitória como uma acção condenatória é possível que dela resulte um título executivo destinado a permitir a execução da obrigação de fazer ou de não fazer imposta ao demandado condenado.
3. A tutela impugnatória (se se pretender manter o paralelismo linguístico com a tutela inibitória) tem uma expressão relevante na ordem jurídica. Basta pensar na acção de impugnação da paternidade ou maternidade, na acção de impugnação da perfilhação, na acção de impugnação de um despedimento, na acção de impugnação de uma deliberação social ou, pelo menos em parte, na acção de impugnação pauliana.
A tutela impugnatória é realizada através de uma acção constitutiva, ou seja, através de uma acção que tem por finalidade introduzir uma mudança na ordem jurídica existente (cf. art. 10.º, n.º 3, al. c), nCPC) e na qual o demandante exerce um poder (normalmente, um direito potestativo). Há, aliás, entre os direitos potestativos e as acções constitutivas uma relação dogmática interessante: primeiro, Sekel descobriu (em 1911) os direitos potestativos (Gestaltungsrechte); só depois se descobriu que a esses direitos não correspondiam as vulgares acções condenatórias, mas antes uma diferente espécie de acções de que até então só havia um conhecimento algo difuso: as acções (agora baptizadas como) constitutivas (Gestaltungsklagen).
Neste enquadramento, parece difícil deixar de qualificar a acção destinada a impugnar a resolução de um contrato-promessa em benefício da massa falida como uma acção constitutiva, ou seja, como uma acção que modifica um "estado de coisas". Antes da impugnação da resolução, o contrato-promessa não tem de ser cumprido, pois que se encontra resolvido em benefício da massa insolvente; depois dessa impugnação, o contrato-promessa passa a ter de ser cumprido como se nunca tivesse sido resolvido. Aliás, não há naquela conclusão nada de novo. Já Chiovenda incluía nas azioni d'impugnativa as acções de rescisão ou de resolução, concluindo que estas "conduzem certamente a sentenças constitutivas" (Principii di diritto processuale civile (1928), 193). Permanecendo nas fontes doutrinárias, pode referir-se que também Rosenberg inclui as acções de impugnação (Anfechtungsklagen) entre as acções constitutivas (Lehrbuch des Deutschen Zivilprozessrechts (1927), 235).
Pode efectivamente dizer-se que a acção de impugnação da resolução visa pôr termo a uma incerteza objectiva, mas não parece que este critério possa ser utilizado para qualificar essa acção como uma acção de apreciação negativa, dado que o mesmo justificaria a atribuição desta qualificação a qualquer outra acção. Acresce que a referida acção de impugnação só dissipa a aludida incerteza como consequência da resolução do acto, ou seja, através do efeito constitutivo que se produz através da decisão proferida na acção. É também por isso que se pode concluir que a referida acção de impugnação é uma acção constitutiva.
MTS