1. Uma
Colega do IPPC colocou-me uma questão sobre a interpretação do disposto no art.
329.º CPC, assim redigido: “Se o assistido for revel, o assistente é
considerado como seu substituto processual, mas sem lhe ser permitida a
realização de atos que aquele tenha perdido o direito de praticar”. A questão colocada
foi a seguinte: dado que a revelia do assistido só se verifica quando tenha
decorrido todo o prazo de contestação e dado que é apenas nesse momento que o
assistente adquire a qualidade de substituto processual daquele assistido, ainda
assim é permitido a esse assistente, actuando como substituto processual
daquela parte, apresentar uma contestação?
Um
argumento para uma resposta negativa a esta questão poder-se-ia extrair do
próprio art. 329.º CPC, dado que neste preceito se estabelece expressamente que
ao assistente não é permitida a realização de actos processuais que o assistido
tenha perdido o direito de praticar. Nesta interpretação, o momento da verificação
da revelia do assistido coincide com aquele em que esta parte perde o direito
de contestar e em que, portanto, o assistente deixa de se poder substituir ao
assistido revel na apresentação de qualquer contestação. Quer dizer: no exacto
momento em que se verifica a revelia, o assistente torna-se substituto
processual do réu revel e, simultaneamente, fica impossibilitado de se
substituir a este réu na apresentação da contestação.
2. Antes
de avançar na tentativa de interpretação do estabelecido no art. 329.º CPC,
convém recordar a história do preceito. O art. 342.º, § único, CPC/1939
estabelecia o seguinte: “Se o assistido for revel, o assistente será
considerado como seu gestor de negócios”. No CPC/1961, o preceito passou a ser
o art. 338.º, mas manteve quase integralmente a redacção (em vez de “será
considerado” passou a estar “é considerado”). O art. 1.º DL 329-A/95, de 12/12,
forneceu ao então art. 338.º a sua actual redacção, devendo salientar-se o novo
enquadramento da posição do assistente de uma parte revel: antes era
considerado um gestor de negócios, agora é qualificado como um substituto
processual da parte assistida.
Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado I, 3.ª ed.
(1948), 474) retirava da qualidade de gestor de negócios do réu revel não
apenas a qualificação do assistente como parte principal, mas também a
faculdade de esta parte “recorrer de todas as decisões desfavoráveis ao
assistido”. A conclusão era evidentemente correcta, mas nada acrescentava à atribuição
de legitimidade para recorrer à parte acessória que constava do art. 680.º 2.ª
parte CPC/1939.
3. Para a
interpretação do disposto no art. 329.º CPC importa considerar dois aspectos
preliminares.
O primeiro
é o seguinte: a revelia do assistido não o impede de praticar nenhum acto em
juízo (com excepção, como é evidente, da contestação), pelo que não se
justifica nenhuma substituição desse assistido com o argumento de que ela é
necessária para possibilitar a prática de certos actos em processo. Por
exemplo: o assistido, apesar de ser revel, pode impugnar qualquer decisão que
lhe seja desfavorável, nos termos gerais do art. 631.º, n.º 1, CPC. Isto
significa que a transformação do assistente em parte principal não é necessária
para suprir nenhuma falta de poderes do assistido revel.
O segundo
aspecto é relativo às consequências da transformação, na sequência da revelia
do assistido, do assistente em parte principal e em substituto processual
daquele assistido. Tendo presente que, numa situação de substituição processual,
o normal é que o substituto processual esteja sozinho em juízo (ou seja, não
esteja acompanhado da parte substituída), aquela transformação só pode
encontrar justificação nas hipóteses em que o assistido se mantém afastado do processo
ou neste não pratica actos que tem a faculdade de realizar. O sentido daquela
transformação não pode ser o de, após a revelia do assistido, duplicar quer as
partes principais demandadas (constituindo uma situação de litisconsórcio
passivo?), quer as possibilidades do uso das faculdades processuais, mas antes
(e apenas) o de permitir que o assistente (agora parte principal e substituto
processual) possa substituir-se ao assistido nos actos que este não venha a
realizar.
Procurando
esclarecer de outro modo: a transformação do assistente em substituto
processual do assistido revel atribui a este assistente todos os poderes de uma
parte principal, mas não pode ser considerada nem global, nem excludente. Não é
global, porque o assistente não se torna substituto processual para todo o
processo e para todos os respectivos actos, mas apenas para os actos que o
assistido não venha a praticar. Também não é excludente, porque a qualidade de
substituto processual do assistente não impede que o assistido continue a
praticar em juízo todos os actos que lhe são permitidos.
4. Adquirido
que o assistente pode praticar, enquanto substituto processual, todos os actos
que cabem ao assistido e, ao mesmo tempo, que este não perde a possibilidade de
praticar esses mesmos actos, o problema que a seguir se coloca é o de saber em
que momento é que o assistente pode praticar os seus actos. A solução seria
fácil se a lei dispusesse que o assistente poderia praticar os actos depois de
o assistido ter perdido a possibilidade de os realizar: a contagem sucessiva de
prazos para o assistido e para o substituto processual evitaria qualquer
eventual duplicação da realização do mesmo acto por duas partes distintas.
A lei
dispõe, contudo, em sentido diametralmente oposto a este: o assistente, ainda
que substituto processual, não pode praticar actos que o assistido tenha
perdido a oportunidade de praticar (art. 328.º, n.º 2, CPC). Sendo assim, só é
possível uma solução: o assistente (e substituto processual) pode praticar o
acto no mesmo prazo que é concedido ao assistido. Depois da prática do acto
pelo assistente, acontece uma das seguintes situações: se o assistido também praticar
o acto, este acto prevalece sobre o do assistente (art. 328.º, n.º 2 in fine, CPC); se o assistido não
praticar o acto, mantém-se o acto praticado pelo assistente (que, neste caso,
actua como verdadeiro substituto processual do assistido).
Em termos
dogmáticos, há que entender que o acto praticado pelo assistente é sempre
subsidiário ou eventual: só produz efeitos no caso de o assistido não praticar
o mesmo acto (ou, pelo menos, na parte que não for contrariada pelo acto do
assistido).
5. Um dos problemas
suscitados pelo disposto no art. 329.º CPC é o de saber se a qualidade de substituto
processual – que só é adquirida pelo assistente após a revelia do assistido –
vale apenas para os actos posteriores a essa revelia. Uma resposta positiva a
esta questão implica que o assistente tem de aceitar os efeitos da revelia do
assistido e só pode praticar os actos que integrem a tramitação posterior a
essa revelia. Voltando a utilizar a terminologia antiga, esta orientação
implica transformar o assistente em “gestor de negócios” da revelia do
assistido.
A
conclusão a que acima se chegou – a de que o assistido e o assistente podem “concorrer”
na prática do mesmo acto no mesmo prazo – permite a construção de uma outra
orientação. Aquela conclusão torna muito discutível que o art. 329.º CPC deva
ser interpretado como implicando que ao assistente só seja concedida a hipótese
de se conformar com a revelia do assistido e de “gerir” esta revelia na
tramitação subsequente do processo. Afinal, não há nenhuma justificação para se
entender que o que preceito permite para qualquer acto subsequente à revelia do
assistido não deva valer também para a apresentação da contestação. Assim, há
que entender que o assistente pode contestar e que, se o assistido vier a permanecer
revel, vale a contestação que o assistente tenha apresentado (então na
qualidade de substituto processual daquele assistido).
Esta mesma
conclusão foi recentemente reafirmada na doutrina portuguesa (embora apenas
para o caso de revelia absoluta do assistido): “como substituto processual,
pode […] o novo réu contestar, em vez do réu primitivo” (Lebre de Freitas/I. Alexandre, Código de Processo Civil Anotado I,
3.ª ed. (2014), 643). Apenas importa esclarecer que a contestação do assistente
é necessariamente subsidiária (ou eventual): só vale para a hipótese de o
assistido não apresentar nenhuma contestação e de, portanto, se verificar a
revelia daquela parte.
O argumento
para só admitir a contestação do assistente na hipótese de revelia absoluta é o
de que, no caso de revelia relativa, o assistido mostrou, através da junção de
procuração a mandatário judicial, a sua vontade de não contestar (Lebre de Freitas/I. Alexandre, Código de
Processo Civil Anotado I, 3.ª ed., 643). Não se nega que este comportamento do
assistido mostra, de forma tácita, a vontade de não contestar, mas é discutível
que isso possa ter alguma importância para a solução da situação em análise.
Para além
do que se pudesse afirmar quanto à relevância (ou, talvez melhor, irrelevância)
da vontade das partes na prática ou na omissão de actos processuais, há um
argumento que torna duvidosa aquela orientação. O argumento é o seguinte: se se
entende que o assistente não pode apresentar uma contestação numa hipótese de
revelia relativa do assistido, então também haveria que concluir que,
exactamente com a mesma justificação (junção pelo assistido de procuração a
mandatário), o assistente deveria ficar impedido de praticar qualquer outro
acto em substituição do assistido revel. No fundo, também quanto a todo e
qualquer outro acto, aquela junção, conjugada com a omissão do acto, revela a
vontade do assistido de não praticar o acto.
6. Convém
sublinhar que a apresentação da contestação nos ternos acima referidos constitui
para o assistente uma faculdade, nunca um ónus. Isto é importante, porque a
não apresentação da contestação pelo assistente numa situação de revelia do réu
assistido não pode ser utilizada como argumento para retirar ao assistente a
possibilidade de, para afastar a vinculação ao caso julgado da decisão
proferida na sequência da revelia do assistido, alegar e provar que a atitude
de (não contestação) deste assistido o impediu de fazer uso de alegações ou de meios
de prova (cf. art. 332.º, al. a), CPC).
MTS