"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/01/2020

Jurisprudência 2019 (146)


Processo executivo;
juros vincendos
 

1. O sumário de RL 11/7/2019 (13644/12.9.YYLSB-C.L1-2) é o seguinte:

I. Admite-se justificar-se que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, a atuação do agente de execução seja alvo de um único nível de controlo jurisdicional, no pressuposto de que ao juiz de execução ficou reservado o julgamento “das questões em que exista um litígio de pretensões”.

II. Em princípio, o ato de liquidação da responsabilidade do executado, efetuado pelo agente de execução na pendência da execução e tendo em vista a sua extinção pelo pagamento voluntário, nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC, não envolve o dirimir de um conflito, mas uma mera operação aritmética de cálculo do que é devido, incluindo as custas.

III. Quando a execução inclua juros que continuem a vencer-se, o agente de execução procederá ao respetivo cálculo em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (n.º 3 do art.º 703.º do CPC), não se exigindo, para essa tarefa, mais do que a mera leitura e interpretação do título executivo e do requerimento executivo, à luz das regras legais aplicáveis.

IV. Porém, se entre as partes surgiu controvérsia acerca da inclusão, ou não, no âmbito da obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos após a instauração da execução - alcançando uma verba que ultrapassa os € 700 000,00 -, a questão excede a mera dúvida sobre a correção de um cálculo aritmético, revestindo, antes, a natureza de um verdadeiro litígio, de um conflito acerca do alcance económico do poder de agressão do património da executada que cabe à exequente neste procedimento executivo. E essa qualificação não é arredada pela eventual simplicidade da respetiva apreciação.

V. Nesse caso, deve admitir-se o recurso do despacho judicial proferido sobre reclamação apresentada pela executada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução, assim se interpretando restritivamente a alínea c) do n.º 1 do art.º 723.º do CPC, na medida em que uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º n.ºs 1 e 4, da CRP).

VI. Se a exequente, no requerimento executivo, procedeu ao cálculo dos juros vencidos até à data da instauração da execução e peticionou o seu pagamento, sem formular o pedido de pagamento dos juros de mora vincendos, abstendo-se, assim, de integrar, por meio de pedido ilíquido, na execução esse crédito vincendo, é ilegal, por violar o princípio do dispositivo, a inclusão, na nota de liquidação final da obrigação exequenda, de juros de mora vencidos após a instauração da execução.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No caso dos autos, dúvidas não há de que, tendo a credora (a ora exequente) interpelado a devedora (a ora executada) para cumprir a obrigação pecuniária de garantia a que esta estava sujeita, e abstendo-se a devedora de satisfazer a dita obrigação, entrou em mora (art.º 805.º n.º 1 do Código Civil), constituindo-se na obrigação do pagamento dos correspondentes juros, à taxa dos juros comerciais (artigos 806.º do Código Civil e 102.º do Código Comercial).

Assim, a exequente estava legitimada para reclamar, como reclamou, no requerimento executivo, o pagamento, no âmbito da execução, de juros de mora sobre o capital devido. Nesses termos, a exequente procedeu ao cálculo dos juros vencidos até à data da instauração da execução, e peticionou o seu pagamento. Porém, como se vê da transcrição do requerimento executivo, constante no n.º 1 da matéria de facto supra, a exequente não formulou pedido de pagamento dos juros de mora vincendos, abstendo-se, pois, de integrar, por meio de pedido ilíquido, na execução esse crédito vincendo que, como se sabe, é autónomo do respetivo capital (art.º 561.º do Código Civil) e está, até, sujeito a um prazo prescricional próprio (art.º 310.º, al. d), do Código Civil).

Sendo certo que não se vislumbra que exista ou existisse qualquer impedimento à inclusão desse pedido no formulário eletrónico de requerimento executivo.

No art.º 716.º n.º 2 do CPC atribui-se ao agente de execução o encargo de liquidação “quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se”. Ora, precisamente por falta da formulação do correspondente pedido, a presente execução não compreende juros posteriores aos liquidados no requerimento executivo.

É certo que, “à cautela”, em resposta à reclamação da executada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução a exequente ampliou o pedido executório, reclamando o pagamento dos juros vencidos na pendência da execução (cfr. n.º 5 do Relatório supra).

Porém, tal ampliação não existia à data da liquidação, pelo que o Sr. agente de execução não a podia levar em consideração.

Caberá ao Sr. juiz da primeira instância apreciar tal requerimento, que está fora do âmbito deste recurso."

[MTS]