"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/01/2020

Jurisprudência 2019 (150)


Embargos de executado;
impugnação do exequente


1. O sumário de RP 10/7/2019 (7686/18.8T8VNG.P1) é o seguinte:

I - Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia.

II - Na falta de impugnação pelo exequente, não se consideram confessados os factos que estejam em oposição com o expressamente alegado no requerimento executivo, obstando-se, por esta via, à produção de um efeito cominatório que se supõe desproporcionado, nos casos em que o exequente, não tendo embora contestado as razões apresentadas pelo embargante, já houvesse, no requerimento executivo, tomado clara e expressa posição sobre a questão controvertida.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Os embargos de executado constituem um modo de oposição à execução.

Através deles o executado vai procurar demonstrar que a obrigação documentada no título trazido à execução é insubsistente.

A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva - cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, pág. 141.

Na sua estrutura processual os embargos constituem uma acção declarativa que, simultaneamente, são um meio de defesa posta em benefício do executado.

Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia - cfr. José Lebre de Freitas; obra citada; págs. 156/157.

Por isso, é o embargante quem tem o ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que, através dos embargos, adianta contra o exequente e que este dirige contra o executado e pretende fazer valer através do título que traz à execução - o ónus da prova impende sempre sobre o autor (embargante - executado) - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.02.1996; C.J./STJ; 1996; 1.º; pág. 102.

Dispõe o n.º 3, do artigo 732.º do Código de Processo Civil que “à falta de contestação dos embargos é aplicável o disposto no n.º 1 do art.º 567.º e no art.º 568.º, não se considerando, porém, confessados os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo.”.

Através deste normativo legal, a reforma processual operada pelo Decreto Lei n.º 329 -A/95, de 12/12, procedeu à revisão global do regime de efeitos cominatórios decorrentes da falta ou insuficiência da contestação dos embargos, remetendo pura e simplesmente para as excepções ao efeito cominatório da revelia previstas para o processo declaratório; mas esclarecendo que, na falta de impugnação pelo exequente, se não consideram confessados os factos que estejam em oposição com o expressamente alegado no requerimento executivo - obstando-se, por esta via, à produção de um efeito cominatório que se supõe desproporcionado, nos casos em que o exequente, não tendo embora contestado as razões apresentadas pelo embargante, já houvesse, no requerimento executivo, tomado clara e expressa posição sobre a questão controvertida, deste modo consentindo a desnecessidade de o embargado/exequente deduzir contestação aos embargos deduzidos pelo embargante/executado no caso de se poder considerar que os factos articulados nos embargos estão em contradição com aqueles que foram alegados no requerimento executivo.

Esta especificidade de regime aplicável aos embargos de executado faz com que o Julgador, para ajuizar se devem ou não ser considerados confessados os factos articulados pelo embargante nos termos das disposições combinadas dos artigos 567.º, n.º 2 e 348.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil, tenha de valorar se os factos adiantados pelo exequente, deduzidos na sua petição executiva, contrariam já a alegação do executado manifestada no articulado de embargos; e só se este circunstancialismo jurídico-processual se não confirmar é que se poderá lançar mão da disciplina ínsita naqueles preceitos legais e julgar confessados os factos assim expostos.

No seu articulado primeiro onde descreve a sua pretensão a exequente/recorrida alegou que: “Conforme resulta da sentença proferida na acção sumária que correu termos no 1.º Juízo de Competência Cível do Tribunal da Maia com o n.º 1365/09.4TBMAI, título executivo em causa, a executada foi condenada a pagar à exequente o valor das rendas vencidas respeitantes aos meses de dezembro de 2007 a fevereiro de 2010, inclusive, no valor de € 500,00 cada uma delas; o que perfaz um total de 27 rendas e a quantia de € 13.500,00; mais foi condenada no pagamento dos respectivos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4% e contados desde a data de vencimento de cada uma das rendas em dívida até integral e efectivo pagamento; a executada ainda não pagou as referidas rendas nem os respectivos juros, pelo que continuam em dívida, acrescidos dos juros legais vincendos até total e efectivo pagamento.”.

Ora, este circunstancialismo fáctico, contrapondo-se às razões aduzidas em sua defesa pela recorrente.

Com efeito, a dívida exequenda respeita ao “montante de 27 rendas devidas pela executada, acrescido do valor dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de 4% e contados desde a data de vencimento de cada uma das rendas em dívida até integral e efectivo pagamento”.

Rendas e juros que, conforme alegado pela exequente/embargada/recorrida, ab initio e a contrario do que vem de ser alegado pela recorrente, “continuam em dívida”.

Pelo que a falta de contestação dos embargos não pode determinar a confissão daquele facto deduzido em sua defesa pela embargante.

Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação."

[MTS]