Processo penal; arresto preventivo de bens;
competência material
1. O sumário de RG 10/7/2019 (296/13.8TAVVD-O.G1) é o seguinte:
I- A competência traduz-se na medida de jurisdição atribuída a cada tribunal, assentando a competência material apenas na natureza do litígio.
II- A forma base da Organização Judicial interna do Tribunal da Relação relativamente à competência material são as Secções, que detêm competência própria com formações de julgamento segundo a composição determinada nas leis de processo.
III- Sendo a questão colocada nos autos – embora inserida num instituto de natureza processual civil -, de natureza exclusivamente penal, convocando para a sua apreciação e decisão princípios e normas de natureza penal, ela deve ser apreciada e decidida pela secção Penal desta Relação (e não pelas seções cíveis).
I- A competência traduz-se na medida de jurisdição atribuída a cada tribunal, assentando a competência material apenas na natureza do litígio.
II- A forma base da Organização Judicial interna do Tribunal da Relação relativamente à competência material são as Secções, que detêm competência própria com formações de julgamento segundo a composição determinada nas leis de processo.
III- Sendo a questão colocada nos autos – embora inserida num instituto de natureza processual civil -, de natureza exclusivamente penal, convocando para a sua apreciação e decisão princípios e normas de natureza penal, ela deve ser apreciada e decidida pela secção Penal desta Relação (e não pelas seções cíveis).
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Tendo em consideração a decisão proferida, a questão que se nos impõe desde logo apreciar e decidir é a de saber se esta secção cível é competente para conhecer do objecto do recurso interposto pela embargante, por ele versar, em nosso entender, contrariamente ao decidido pela Exma Relatora da secção penal, sobre matéria de natureza exclusivamente penal.
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Está efectivamente em causa apreciar e decidir no presente recurso se a providência decretada no âmbito de um processo penal, instaurando contra o arguido J. N. – de Arresto Preventivo de bens dos quais o arguido era beneficiário, e contra o qual a embargante reagiu mediante embargos de terceiro -, reveste natureza cível ou criminal.
Isto porque, não obstante o expediente processual usado pela embargante – Oposição mediante Embargos de Terceiro – estar inserido no Código de Processo Civil (artºs 342º e ss. daquele diploma legal), haverá que apreciar, à luz do que vem previsto desde logo no artº 342º, se a penhora ou o ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofende a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular quem não é parte na causa, o que nos levará a apreciar quais os direitos do terceiro que são ofendidos pela providência decretada, convocando necessariamente para o efeito as disposições legais do Código Penal, nomeadamente os seus artºs 110º e 111º, intitulados, respectivamente, “Perda de produtos e vantagens” e “Instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro”.
Estamos em crer por isso que os pressupostos da validade e procedência da oposição deduzida pela embargante são de natureza eminentemente penal e não civil, sendo à luz das normas e dos princípios vigentes no direito penal que a questão deverá ser apreciada.
Ou seja, do que se trata nos presentes autos é de uma questão de natureza exclusivamente penal, pelo que deveria ser uma secção penal desta Relação a apreciar e decidir tal questão (e não uma seção cível).
Isto porque, não obstante o expediente processual usado pela embargante – Oposição mediante Embargos de Terceiro – estar inserido no Código de Processo Civil (artºs 342º e ss. daquele diploma legal), haverá que apreciar, à luz do que vem previsto desde logo no artº 342º, se a penhora ou o ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofende a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular quem não é parte na causa, o que nos levará a apreciar quais os direitos do terceiro que são ofendidos pela providência decretada, convocando necessariamente para o efeito as disposições legais do Código Penal, nomeadamente os seus artºs 110º e 111º, intitulados, respectivamente, “Perda de produtos e vantagens” e “Instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro”.
Estamos em crer por isso que os pressupostos da validade e procedência da oposição deduzida pela embargante são de natureza eminentemente penal e não civil, sendo à luz das normas e dos princípios vigentes no direito penal que a questão deverá ser apreciada.
Ou seja, do que se trata nos presentes autos é de uma questão de natureza exclusivamente penal, pelo que deveria ser uma secção penal desta Relação a apreciar e decidir tal questão (e não uma seção cível).
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Fazendo uma abordagem prévia da questão, diremos que a Organização Jurisdicional interna dos tribunais se distribui, no que respeita à sua competência, em razão da matéria, da hierarquia e do território.
Segundo Manuel de Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, 94 a 98), a competência em razão da matéria é a competência das diversas ordens de tribunais, dispostas horizontalmente, e prende-se com a atribuição das competências em razão da matéria da causa, isto é, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação jurídica substancial em litígio.
A competência traduz-se assim na medida de jurisdição atribuída a cada tribunal, assentando a competência material apenas na natureza do litígio.
Como tem sido sublinhado pela doutrina e pela jurisprudência, a distribuição da competência pelos vários tribunais especializados assenta no pressuposto, racional e lógico, da maior idoneidade desse tribunal para a apreciação das matérias que lhe são atribuídas, de forma a que as causas sejam julgadas por magistrados com a preparação específica adequada (cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Processo Civil, Coimbra Editora, vol. I, pg. 107).
Trata-se pois da habilitação funcional do tribunal relativamente a certa matéria (Ac STJ, de 19.3.2004 disponível em www.dgsi.pt).
No que respeita aos tribunais da Relação, aquele pressuposto racional e lógico da distribuição dos processos deve manter-se: as causas devem ser apreciadas e julgadas por Desembargadores com a preparação específica adequada à matéria que lhe é distribuída.
De facto, nos termos da Lei 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ), a forma base da Organização Judicial interna do Tribunal da Relação relativamente à competência material (em razão da matéria) são as Secções, que detêm competência própria, com formações de julgamento segundo a composição determinada nas leis de processo. Segundo o art. 73º alínea a) da citada Lei, compete às secções da Relação, segundo a sua especialização, julgar os recursos.
Ou seja, a dimensão organizativa das secções do Tribunal da Relação parte de um modelo de competência em razão da matéria, existindo secções cíveis, secções criminais e secção social, decidindo cada uma delas as matérias relacionadas com a sua especialidade. Assim, as secções criminais julgam as causas de natureza penal; as secções sociais julgam as causas de natureza cível da competência material dos tribunais de trabalho; e as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções (artigo 54º e 74º da LOSJ; Ac RP de 08 de Fevereiro de 2017; e Ac. do STJ de 14.07.2010 - a propósito da composição do STJ -, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
O critério adoptado na lei no que respeita à competência em razão da matéria das seções no Tribunal da Relação, consubstanciou-se assim em identificar as causas que compete julgar às secções criminais e sociais, sendo o julgamento das restantes da competência residual das secções cíveis.
Dito de outro modo, a organização segundo um modelo de competência material (em razão da matéria) distribui as competências por especialidade, com enunciação da competência das secções por tipos e espécies de matérias, estando bem definido na lei de Organização Judiciária que as secções criminais julgam as causas de natureza penal, matéria também reforçada no artº 12º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal, no qual se prevê que às secções criminais das Relações compete julgar recursos “em matéria penal”.
Segundo Manuel de Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, 94 a 98), a competência em razão da matéria é a competência das diversas ordens de tribunais, dispostas horizontalmente, e prende-se com a atribuição das competências em razão da matéria da causa, isto é, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação jurídica substancial em litígio.
A competência traduz-se assim na medida de jurisdição atribuída a cada tribunal, assentando a competência material apenas na natureza do litígio.
Como tem sido sublinhado pela doutrina e pela jurisprudência, a distribuição da competência pelos vários tribunais especializados assenta no pressuposto, racional e lógico, da maior idoneidade desse tribunal para a apreciação das matérias que lhe são atribuídas, de forma a que as causas sejam julgadas por magistrados com a preparação específica adequada (cfr. José Alberto dos Reis, Comentário ao Processo Civil, Coimbra Editora, vol. I, pg. 107).
Trata-se pois da habilitação funcional do tribunal relativamente a certa matéria (Ac STJ, de 19.3.2004 disponível em www.dgsi.pt).
No que respeita aos tribunais da Relação, aquele pressuposto racional e lógico da distribuição dos processos deve manter-se: as causas devem ser apreciadas e julgadas por Desembargadores com a preparação específica adequada à matéria que lhe é distribuída.
De facto, nos termos da Lei 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ), a forma base da Organização Judicial interna do Tribunal da Relação relativamente à competência material (em razão da matéria) são as Secções, que detêm competência própria, com formações de julgamento segundo a composição determinada nas leis de processo. Segundo o art. 73º alínea a) da citada Lei, compete às secções da Relação, segundo a sua especialização, julgar os recursos.
Ou seja, a dimensão organizativa das secções do Tribunal da Relação parte de um modelo de competência em razão da matéria, existindo secções cíveis, secções criminais e secção social, decidindo cada uma delas as matérias relacionadas com a sua especialidade. Assim, as secções criminais julgam as causas de natureza penal; as secções sociais julgam as causas de natureza cível da competência material dos tribunais de trabalho; e as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções (artigo 54º e 74º da LOSJ; Ac RP de 08 de Fevereiro de 2017; e Ac. do STJ de 14.07.2010 - a propósito da composição do STJ -, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
O critério adoptado na lei no que respeita à competência em razão da matéria das seções no Tribunal da Relação, consubstanciou-se assim em identificar as causas que compete julgar às secções criminais e sociais, sendo o julgamento das restantes da competência residual das secções cíveis.
Dito de outro modo, a organização segundo um modelo de competência material (em razão da matéria) distribui as competências por especialidade, com enunciação da competência das secções por tipos e espécies de matérias, estando bem definido na lei de Organização Judiciária que as secções criminais julgam as causas de natureza penal, matéria também reforçada no artº 12º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal, no qual se prevê que às secções criminais das Relações compete julgar recursos “em matéria penal”.
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Definidas as regras legais enunciadas - também elas subjacentes, cremos, à decisão proferida pela Exma Relatora da secção penal a quem foi distribuído o processo ora em análise –, resta-nos aferir se a matéria do recurso que temos em mãos é ou não de natureza penal.
Estamos convencidos que sim.
Efetivamente, analisada a questão colocada nos autos, cremos que a causa a apreciar e julgar é de natureza exclusivamente penal, a ser apreciada e decidida pela secção Penal desta Relação (e não pelas seções cíveis), cientes que estamos ser aqui irrelevante a circunstância de a decisão recorrida ter sido proferida num processo apenso a um processo criminal, pois como acima afirmamos, o critério definidor da competência é apenas o da natureza da causa (Cf. neste sentido os Acs. do STJ de 14.07.2010 e de 26/04/2012 e o Ac. do TRC de 03.02.2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se refere no citado Ac do STJ de 14.07.2010 – a cuja tese aderimos -, o que releva para aferir da competência material do tribunal (e das secções dos tribunais superiores, sejam da Relação, sejam do Supremo), é a matéria que está em causa no objecto do recurso, vista no sentido de questão, determinação, controvérsia, objecto e matéria -, e não no sentido adjectivo e formal de tipo ou espécie de processo.
Ou seja, estamos cientes que não é a circunstância de a decisão recorrida ter sido proferida num processo penal que determina nem a natureza da «causa» nem a matéria sobre que versa. A espécie de processo em que foi proferida a decisão recorrida não é, para este efeito, relevante; a competência, sendo material, sobrepõe-se ao processo.
Olhamos portanto tão somente para a decisão recorrida, nomeadamente para os institutos jurídicos ali apreciados e respectivos preceitos legais; para as alegações de recurso da apelante; e para a resposta do MºPº às alegações de recurso. E delas concluímos com segurança que a relação jurídica subjacente ao presente recurso, ou seja, a matéria a ser nele apreciada e dirimida, é de natureza exclusivamente penal."
Estamos convencidos que sim.
Efetivamente, analisada a questão colocada nos autos, cremos que a causa a apreciar e julgar é de natureza exclusivamente penal, a ser apreciada e decidida pela secção Penal desta Relação (e não pelas seções cíveis), cientes que estamos ser aqui irrelevante a circunstância de a decisão recorrida ter sido proferida num processo apenso a um processo criminal, pois como acima afirmamos, o critério definidor da competência é apenas o da natureza da causa (Cf. neste sentido os Acs. do STJ de 14.07.2010 e de 26/04/2012 e o Ac. do TRC de 03.02.2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como se refere no citado Ac do STJ de 14.07.2010 – a cuja tese aderimos -, o que releva para aferir da competência material do tribunal (e das secções dos tribunais superiores, sejam da Relação, sejam do Supremo), é a matéria que está em causa no objecto do recurso, vista no sentido de questão, determinação, controvérsia, objecto e matéria -, e não no sentido adjectivo e formal de tipo ou espécie de processo.
Ou seja, estamos cientes que não é a circunstância de a decisão recorrida ter sido proferida num processo penal que determina nem a natureza da «causa» nem a matéria sobre que versa. A espécie de processo em que foi proferida a decisão recorrida não é, para este efeito, relevante; a competência, sendo material, sobrepõe-se ao processo.
Olhamos portanto tão somente para a decisão recorrida, nomeadamente para os institutos jurídicos ali apreciados e respectivos preceitos legais; para as alegações de recurso da apelante; e para a resposta do MºPº às alegações de recurso. E delas concluímos com segurança que a relação jurídica subjacente ao presente recurso, ou seja, a matéria a ser nele apreciada e dirimida, é de natureza exclusivamente penal."
[MTS]