PER;
competência material
1. O sumário de RL 4/7/2019 (291/18.0T8AGH.L1.S2) é o seguinte:
I. Não existindo Juízo de Comércio na comarca dos Açores, a competência para conhecer de um Processo Especial de Revitalização [que, nos termos do art.128º, n.1, al.a) da LOSJ, cabe aos Juízos de Comércio] pertence às instâncias locais, ex vi dos artigos 117º, n.1 e n.2 e art.130º da LOSJ, dado tratar-se de um processo de natureza especial.
II. Se, em termos gerais, a competência do Juízo Central é delimitada tendo por base a natureza da ação e o seu valor, como estabelece o art.117º, n.1 da LOSJ, não existe nenhuma razão para se concluir que quando tal norma é expressamente aplicada, por remissão do n.2 do art.117º, às ações que caberiam no âmbito do art.128º tais critérios cumulativos deixem de ter aplicação.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"4. O direito aplicável:
4.1. A ação proposta pela autora/recorrente é um Processo Especial de Revitalização (PER), matéria disciplinada pelos artigos 17º-A a 17º-J do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa (CIRE), cuja apreciação cabe na competência especializada dos juízos de comércio, como estabelece o art. 128º, n.1, alínea a) da Lei n.62/2013 (LOSJ) [...].
Todavia, a comarca dos Açores não dispõe de juízo de competência especializada em Comércio, como se constata pelo disposto no art.66º do Decreto-Lei n.49/2014 (alterado, mais recentemente, pelo Decreto-Lei n.38/2019), e pelo Anexo a tal diploma.
Coloca-se, assim, a questão de saber se a competência para conhecer do pedido da autora cabe ao juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo (que se considerou incompetente) ou a outro juízo (local cível ou de competência genérica).
A decisão recorrida, confirmando o decidido pela primeira instância, entendeu: «serem os juízos centrais cíveis incompetentes para o presente processo especial de revitalização, como bem decidiu o tribunal recorrido, sendo correta a forma como o tribunal apreciou tal questão, improcedendo, assim, a apelação»
4.2. Estabelece o art.117º da LOSJ – Lei n.62/2013 (no que à decisão da presente causa interessa):
1 - Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei.
"4. O direito aplicável:
4.1. A ação proposta pela autora/recorrente é um Processo Especial de Revitalização (PER), matéria disciplinada pelos artigos 17º-A a 17º-J do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa (CIRE), cuja apreciação cabe na competência especializada dos juízos de comércio, como estabelece o art. 128º, n.1, alínea a) da Lei n.62/2013 (LOSJ) [...].
Todavia, a comarca dos Açores não dispõe de juízo de competência especializada em Comércio, como se constata pelo disposto no art.66º do Decreto-Lei n.49/2014 (alterado, mais recentemente, pelo Decreto-Lei n.38/2019), e pelo Anexo a tal diploma.
Coloca-se, assim, a questão de saber se a competência para conhecer do pedido da autora cabe ao juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo (que se considerou incompetente) ou a outro juízo (local cível ou de competência genérica).
A decisão recorrida, confirmando o decidido pela primeira instância, entendeu: «serem os juízos centrais cíveis incompetentes para o presente processo especial de revitalização, como bem decidiu o tribunal recorrido, sendo correta a forma como o tribunal apreciou tal questão, improcedendo, assim, a apelação»
4.2. Estabelece o art.117º da LOSJ – Lei n.62/2013 (no que à decisão da presente causa interessa):
1 - Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei.
2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos.
O alcance do disposto no n.2 do art.117º, quando está em causa a competência para conhecer de ações de insolvência ou de procedimentos especiais de revitalização, tem sido alvo de jurisprudência e doutrina de sentidos divergentes.
4.3. A Relação de Lisboa, à qual cabe a competência para conhecer dos recursos respeitantes à comarca dos Açores, tem sustentado entendimentos em três sentidos diversos.
Encontra-se jurisprudência desta Relação que sustenta um critério que poderemos designar como “dualista” no que respeita à competência para conhecer dos processos de insolvência e procedimentos especiais de revitalização, na medida em que, dependendo do respetivo valor (mais ou menos de 50.000,00€), estes processos serão repartidos entre os juízos centrais e os juízos locais.
Neste sentido aponta-se, a título exemplificativo, o acórdão do TRL, de 30.06.2015 (relator Orlando Nascimento) [...]: «(…) o desiderato prosseguido pelo legislador com o n. 2, do art.117.º, da lei n. 62/2013, não foi dizer o mesmo que já diria sem ele, mas dizer algo diferente, devendo o mesmo ser interpretado no sentido de que a secção cível da instância central, na ausência de criação da secção de comércio, tem competência para todas as ações do art.128º, sejam ações comuns ou processos especiais, quando o seu valor seja superior a € 50.000,00.»
Sustentando que a competência para conhecer de todos os processos que caberiam ao juízo de comércio (se existisse) cabe ao juízo central, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do TRL, de 26.03.2015 (relatora Catarina Arêlo Manso) [...] assim sumariado: «Nos termos da al. d) do n. 1 do art. 117º da LOSJ e do n.2, desse mesmo normativo, nas comarcas onde não existam secções especializadas, pertence às secções cíveis da instância central a competência para as ações nas quais seriam competentes as secções de comércio.»
Defendendo que os processos de natureza especial (como os de insolvência e revitalização) não cabem no âmbito de competência dos juízos centrais, mas sim na competência da instância local, pode ver-se, por exemplo, o acórdão do TRL, de 22.06.2017 (relatora Ondina Carmo Alves): «No âmbito da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n. 62/2013, de 26/08 (LOSJ), regulamentada pelo Decreto-Lei n.49/2014, de 27/03 (RLOSL) nas comarcas onde não foram criadas Secções de Comércio, como é o caso da Comarca dos Açores, é da competência da Instância Local, e não da Instância Central, a tramitação dos processos de insolvência, independentemente do valor da causa, por força do disposto no artigo 117º, n.s 1 e 2 da LOSJ e atenta a competência residual da Instância Local [...]»
4.4. As divergências que se identificam na jurisprudência são também sustentadas, a nível teórico, em diversas publicações.
No sentido de que cabem na competência dos juízos centrais as ações de valor superior a 50.000,00€, independentemente de terem natureza comum ou especial, veja-se Bruno Bom Ferreira, “Insolvências: Central ou local – Eis a questão …”[Revista Julgar on line (outubro de 2015): http://julgar.pt/insolvencias-central-ou-local-eis-a-questao/].
Defendendo a competência dos juízos centrais para o conhecimento de todas as ações que caberiam no âmbito do art.128º, veja-se Salazar Casanova, “Notas breve sobre a Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de agosto)”, onde afirma: “(…) se não for criado no tribunal de instância central uma secção de comércio, a lei prescreve (art.117º, n.2) que para as causas que deviam correr nas secções de comércio, se existisse, é extensivo o disposto no art.117º, n.1 que visa a competência da instância cível central. A secção cível estende a sua competência em razão da matéria para todas as causas que se deviam tramitar na secção de comércio se esta existisse” [Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73, nº 2/3 (2013), pág. 468.].
- No sentido de que os processos de natureza especial (como os de insolvência e equiparados) não cabem no âmbito de competência dos juízos centrais, veja-se, Miguel Teixeira de Sousa, que afirma: “A Instância Central será a competente para as acções indicadas nas alíneas b) a i) e n.s 2 e 3 do art. 128.º [da LOSJ], desde que se trate de ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000.
Não oferece dúvidas, face ao estabelecido nos arts. 546º, 548º e 549º, n. 1, do CPC e no CIRE, que o processo de insolvência é um processo especial.
Consequentemente, sendo um processo especial, a competência para a sua tramitação e conhecimento, nas comarcas em que não haja secção de comércio, não cabe à Instância Central, seja qual for o valor da causa, mas à Instância Local, por força da competência residual atribuída no art. 130º, n.º 1, al. a) [da LOSJ] (“compete às secções de competência genérica preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada”) [In Blog do IPPC [Jurisprudência 79]: https://blogippc.blogspot.com/2015/02/jurisprudencia-79.html].
Também neste sentido se pronunciam Salvador da Costa/Luís Lameiras: Lei da Organização do Sistema Judiciário Anotada e Comentada (2017) “(…) como o processo de insolvência é de natureza especial, a competência para dele conhecer, na falta de juízo central de comércio, não se inscreve nos juízos centrais cíveis” [(3ª ed.), 2017, Almedina, pág.188.].
No mesmo sentido, veja-se ainda António Vieira Cura, Organização Judiciária Portuguesa (2018), onde afirma “(…) aos juízos centrais cíveis caberá a preparação e julgamento das ações declarativas de processo comum previstas no n.1 do art.128º (…) mas não as de processo especial – como os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização (…)” [Editora Gestlegal, 2018, pág.301.].
4.5. Consideradas todas as soluções doutrinalmente e jurisprudencialmente já defendidas, há que tomar partido por aquela que, com fidelidade ao pensamento legislativo (art.9º do CC), permita, numa interpretação sistemática e teleológica, acolher as particularidades próprias do procedimento especial de revitalização.
A primeira das teses expostas, que defende a divisão da competência para conhecer dos processos de insolvência e equiparados em função do valor, não se afigura ser a mais adequada a cumprir aquele desiderato. Vejamos:
Nos processos de insolvência o critério de determinação do valor da ação é o que se estabelece no art.15º do CIRE: “Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.”
Este critério especial permite uma potencial mutabilidade do valor da ação em termos mais frequentes do que aqueles que decorrerão da aplicação de critérios comuns. Em termos práticos, tal significa que as ações disciplinadas pelo CIRE apresentam uma significativa probabilidade de terem de passar de um juízo local cível ou instância de competência genérica para o Juízo Central, com as inerentes delongas, que não serão desejáveis em processos que têm natureza urgente (como estabelece o art.9º do CIRE) [Como afirma Miguel Teixeira de Sousa, op. cit.: «(…) a tese da competência da instância central ou local consoante o valor poderia conduzir ao absurdo da eventual alteração da competência poder ocorrer em qualquer fase do processo, já que, nos termos do art. 15.º do CIRE o valor da causa é determinado pelo activo do devedor indicado na petição, mas a ser corrigido logo que se verifique ser diferente do valor real.»].
Embora se compreenda que, teoricamente, esta tese pode ter como desiderato uma repartição mais equilibrada do volume de serviço entre juízos locais e juízos centrais, na realidade tal equilíbrio dificilmente se verificaria, dado que a grande maioria das ações de insolvência bem como os PER têm valor superior a 50.000,00€ (dado o critério do cálculo do valor estabelecido no art.15º do CIRE).
Na prática, a adoção deste “critério dualista” conduziria a uma solução muito próxima daquela que se alcança caso se defenda a tese segundo a qual a competência para conhecer de tal tipo de ações pertence sempre ao juízo central.
Quanto à segunda tese, que defende a competência do juízo central para conhecer de todos os processos de insolvência e equiparados, também não se afigura ser a mais defensável face ao elemento literal do art.117º [...].
Assim, ao remeter para a esfera de competência dos juízos centrais ações que caberiam no âmbito do art.128º da LOSJ, o art.117º, n.2 não remete “em bloco” todas as ações que potencialmente caberiam no âmbito de competência de um tribunal de comércio. Tal remissão é condicionada pelos critérios aplicativos previstos no n.1 do art.117º.
Se, em termos gerais, a competência do juízo central é delimitada tendo por base a natureza da ação e o seu valor (art.117º, n.1 da LOSJ), não existe nenhuma razão para se concluir que quando a norma é expressamente aplicada, por remissão do n.2 do art.117º, às ações previstas no art.128º tais critérios cumulativos deixem de ter aplicação.
Deste modo, dado que aos juízos centrais não cabem ações especiais, e nem todas as ações de natureza comum, mas apenas as de valor superior a 50.000,00€, também não cabem na competência desses tribunais as ações previstas no art.128º que tenham natureza especial (como os processos de insolvência e de revitalização), nem ações comerciais de natureza comum de valor inferior àquele referido limite.
4.6. Pelos argumentos acabados de expor, concluímos que a competência para conhecer do presente processo especial de revitalização não cabe ao juízo central, mas sim ao juízo de competência local, dada a natureza especial desta ação e atento o critério de competência residual consagrado no art.130 da LOSJ [...]."
[MTS]
4.3. A Relação de Lisboa, à qual cabe a competência para conhecer dos recursos respeitantes à comarca dos Açores, tem sustentado entendimentos em três sentidos diversos.
Encontra-se jurisprudência desta Relação que sustenta um critério que poderemos designar como “dualista” no que respeita à competência para conhecer dos processos de insolvência e procedimentos especiais de revitalização, na medida em que, dependendo do respetivo valor (mais ou menos de 50.000,00€), estes processos serão repartidos entre os juízos centrais e os juízos locais.
Neste sentido aponta-se, a título exemplificativo, o acórdão do TRL, de 30.06.2015 (relator Orlando Nascimento) [...]: «(…) o desiderato prosseguido pelo legislador com o n. 2, do art.117.º, da lei n. 62/2013, não foi dizer o mesmo que já diria sem ele, mas dizer algo diferente, devendo o mesmo ser interpretado no sentido de que a secção cível da instância central, na ausência de criação da secção de comércio, tem competência para todas as ações do art.128º, sejam ações comuns ou processos especiais, quando o seu valor seja superior a € 50.000,00.»
Sustentando que a competência para conhecer de todos os processos que caberiam ao juízo de comércio (se existisse) cabe ao juízo central, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do TRL, de 26.03.2015 (relatora Catarina Arêlo Manso) [...] assim sumariado: «Nos termos da al. d) do n. 1 do art. 117º da LOSJ e do n.2, desse mesmo normativo, nas comarcas onde não existam secções especializadas, pertence às secções cíveis da instância central a competência para as ações nas quais seriam competentes as secções de comércio.»
Defendendo que os processos de natureza especial (como os de insolvência e revitalização) não cabem no âmbito de competência dos juízos centrais, mas sim na competência da instância local, pode ver-se, por exemplo, o acórdão do TRL, de 22.06.2017 (relatora Ondina Carmo Alves): «No âmbito da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n. 62/2013, de 26/08 (LOSJ), regulamentada pelo Decreto-Lei n.49/2014, de 27/03 (RLOSL) nas comarcas onde não foram criadas Secções de Comércio, como é o caso da Comarca dos Açores, é da competência da Instância Local, e não da Instância Central, a tramitação dos processos de insolvência, independentemente do valor da causa, por força do disposto no artigo 117º, n.s 1 e 2 da LOSJ e atenta a competência residual da Instância Local [...]»
4.4. As divergências que se identificam na jurisprudência são também sustentadas, a nível teórico, em diversas publicações.
No sentido de que cabem na competência dos juízos centrais as ações de valor superior a 50.000,00€, independentemente de terem natureza comum ou especial, veja-se Bruno Bom Ferreira, “Insolvências: Central ou local – Eis a questão …”[Revista Julgar on line (outubro de 2015): http://julgar.pt/insolvencias-central-ou-local-eis-a-questao/].
Defendendo a competência dos juízos centrais para o conhecimento de todas as ações que caberiam no âmbito do art.128º, veja-se Salazar Casanova, “Notas breve sobre a Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de agosto)”, onde afirma: “(…) se não for criado no tribunal de instância central uma secção de comércio, a lei prescreve (art.117º, n.2) que para as causas que deviam correr nas secções de comércio, se existisse, é extensivo o disposto no art.117º, n.1 que visa a competência da instância cível central. A secção cível estende a sua competência em razão da matéria para todas as causas que se deviam tramitar na secção de comércio se esta existisse” [Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73, nº 2/3 (2013), pág. 468.].
- No sentido de que os processos de natureza especial (como os de insolvência e equiparados) não cabem no âmbito de competência dos juízos centrais, veja-se, Miguel Teixeira de Sousa, que afirma: “A Instância Central será a competente para as acções indicadas nas alíneas b) a i) e n.s 2 e 3 do art. 128.º [da LOSJ], desde que se trate de ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000.
Não oferece dúvidas, face ao estabelecido nos arts. 546º, 548º e 549º, n. 1, do CPC e no CIRE, que o processo de insolvência é um processo especial.
Consequentemente, sendo um processo especial, a competência para a sua tramitação e conhecimento, nas comarcas em que não haja secção de comércio, não cabe à Instância Central, seja qual for o valor da causa, mas à Instância Local, por força da competência residual atribuída no art. 130º, n.º 1, al. a) [da LOSJ] (“compete às secções de competência genérica preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada”) [In Blog do IPPC [Jurisprudência 79]: https://blogippc.blogspot.com/2015/02/jurisprudencia-79.html].
Também neste sentido se pronunciam Salvador da Costa/Luís Lameiras: Lei da Organização do Sistema Judiciário Anotada e Comentada (2017) “(…) como o processo de insolvência é de natureza especial, a competência para dele conhecer, na falta de juízo central de comércio, não se inscreve nos juízos centrais cíveis” [(3ª ed.), 2017, Almedina, pág.188.].
No mesmo sentido, veja-se ainda António Vieira Cura, Organização Judiciária Portuguesa (2018), onde afirma “(…) aos juízos centrais cíveis caberá a preparação e julgamento das ações declarativas de processo comum previstas no n.1 do art.128º (…) mas não as de processo especial – como os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização (…)” [Editora Gestlegal, 2018, pág.301.].
4.5. Consideradas todas as soluções doutrinalmente e jurisprudencialmente já defendidas, há que tomar partido por aquela que, com fidelidade ao pensamento legislativo (art.9º do CC), permita, numa interpretação sistemática e teleológica, acolher as particularidades próprias do procedimento especial de revitalização.
A primeira das teses expostas, que defende a divisão da competência para conhecer dos processos de insolvência e equiparados em função do valor, não se afigura ser a mais adequada a cumprir aquele desiderato. Vejamos:
Nos processos de insolvência o critério de determinação do valor da ação é o que se estabelece no art.15º do CIRE: “Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.”
Este critério especial permite uma potencial mutabilidade do valor da ação em termos mais frequentes do que aqueles que decorrerão da aplicação de critérios comuns. Em termos práticos, tal significa que as ações disciplinadas pelo CIRE apresentam uma significativa probabilidade de terem de passar de um juízo local cível ou instância de competência genérica para o Juízo Central, com as inerentes delongas, que não serão desejáveis em processos que têm natureza urgente (como estabelece o art.9º do CIRE) [Como afirma Miguel Teixeira de Sousa, op. cit.: «(…) a tese da competência da instância central ou local consoante o valor poderia conduzir ao absurdo da eventual alteração da competência poder ocorrer em qualquer fase do processo, já que, nos termos do art. 15.º do CIRE o valor da causa é determinado pelo activo do devedor indicado na petição, mas a ser corrigido logo que se verifique ser diferente do valor real.»].
Embora se compreenda que, teoricamente, esta tese pode ter como desiderato uma repartição mais equilibrada do volume de serviço entre juízos locais e juízos centrais, na realidade tal equilíbrio dificilmente se verificaria, dado que a grande maioria das ações de insolvência bem como os PER têm valor superior a 50.000,00€ (dado o critério do cálculo do valor estabelecido no art.15º do CIRE).
Na prática, a adoção deste “critério dualista” conduziria a uma solução muito próxima daquela que se alcança caso se defenda a tese segundo a qual a competência para conhecer de tal tipo de ações pertence sempre ao juízo central.
Quanto à segunda tese, que defende a competência do juízo central para conhecer de todos os processos de insolvência e equiparados, também não se afigura ser a mais defensável face ao elemento literal do art.117º [...].
Assim, ao remeter para a esfera de competência dos juízos centrais ações que caberiam no âmbito do art.128º da LOSJ, o art.117º, n.2 não remete “em bloco” todas as ações que potencialmente caberiam no âmbito de competência de um tribunal de comércio. Tal remissão é condicionada pelos critérios aplicativos previstos no n.1 do art.117º.
Se, em termos gerais, a competência do juízo central é delimitada tendo por base a natureza da ação e o seu valor (art.117º, n.1 da LOSJ), não existe nenhuma razão para se concluir que quando a norma é expressamente aplicada, por remissão do n.2 do art.117º, às ações previstas no art.128º tais critérios cumulativos deixem de ter aplicação.
Deste modo, dado que aos juízos centrais não cabem ações especiais, e nem todas as ações de natureza comum, mas apenas as de valor superior a 50.000,00€, também não cabem na competência desses tribunais as ações previstas no art.128º que tenham natureza especial (como os processos de insolvência e de revitalização), nem ações comerciais de natureza comum de valor inferior àquele referido limite.
4.6. Pelos argumentos acabados de expor, concluímos que a competência para conhecer do presente processo especial de revitalização não cabe ao juízo central, mas sim ao juízo de competência local, dada a natureza especial desta ação e atento o critério de competência residual consagrado no art.130 da LOSJ [...]."
[MTS]