"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/01/2020

Jurisprudência 2019 (147)


Audiência prévia; dispensa; 
conhecimento do mérito no despacho saneador;
nulidade da sentença 


 
1. O sumário de RL 11/7/2019 (5774/17.7T8FNC-A.L1-6) é o seguinte:

I) O artigo 593.º, n.º 1, do CPC, prevê a dispensa de audiência prévia em casos que indica por remissão para o artigo 591.º do mesmo Código, omitindo dessa remissão a situação em que o juiz tenciona conhecer imediatamente de todo ou parte do mérito da causa.

II) Da conjugação dos artigos 591.º, n.º 1, alínea b), e 593.º, n.º 1, do CPC, este
a contrario, resulta que a obrigatoriedade legal da audiência prévia quando o juiz se proponha conhecer do mérito na fase do saneador, exceptuada adequação formal ou o prévio acordo das partes, de tal notificadas.

III) O princípio do contraditório independe de o juiz considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre que se não pronunciaram, v.g., a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova.

IV) A omissão de audiência prévia quando a mesma não podia ser dispensada determina a nulidade da decisão.

V) Esta nulidade deve ser invocada em sede de recurso da decisão de mérito, pois é o conteúdo desta que impõe a realização da audiência prévia e revela a omissão de acto prescrito pela lei; a reação adequada é a do recurso da sentença.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1. O processo é de oposição a execução para pagamento de quantia certa e a questão colocada é a da nulidade do saneador sentença proferido com dispensa de audiência prévia.

Ou seja, a questão colocada é a da interpretação do disposto no artigo 593.º, n.º 1, do CPC, na parte em que possibilita que o juiz dispense a realização de audiência prévia quando a mesma se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.

Sendo um desses fins – o da alínea d) , proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595º, norma que na sua alínea b) prevê a prolação de decisão de mérito, poderá considerar-se que esta última hipótese se enquadra na possibilidade de dispensa?

Ou, pelo contrário, está excluída a possibilidade de dispensa por a alínea b) do artigo 591.º, nº 1 - que prevê a audiência para facultar às partes a discussão de facto e de direito nos casos em que o juiz (…) tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa -, se não integrar na previsão do artigo 593.º, n.º 1, do CPC?

2. Adiantamos sufragar esta última posição.

Por uma primeira liminar razão, que é a omissão de referência à alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no n.º 1 do artigo 593.º quando prevê a possibilidade de dispensa de audiência prévia.

Ou seja, o artigo (593.º) que prevê a dispensa de audiência prévia, prevê-a em determinados casos que indica por remissão para o artigo (591.º) que enuncia os diversos atos/conteúdos da audiência prévia, omitindo dessa remissão justamente o caso em que o juiz tenciona conhecer imediatamente de todo ou parte do mérito da causa.

Em conclusão, da conjugação dos artigos 591.º, n.º 1, alínea b), e 593.º, n.º 1, do CPC, este a contrario, resulta que a dispensa de audiência prévia não pode ocorrer quando o juiz se proponha conhecer do mérito na fase do saneador. [...]

5. Referimo-nos até agora à dispensa de audiência prévia prevista no artigo 593.º, n.º 1, que é a hipótese dos autos, dispensa que cabe apenas ao juiz sem que esteja adstrito a ouvir as partes (nos casos a que se aplica, que este o não é).

As razões de economia processual aventadas nos autos, de exaustão de razões, de pronúncia integral sobre todas as matérias, podem conduzir à não realização da audiência prévia. Mas não nestes termos, antes nos que a adequação formal permite – artigo 547.º do CPC - ou, meramente, mediante acordo das partes, para tal consultadas previamente, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

6. Cremos ser esta a jurisprudência unânime deste Tribunal de Relação de que são exemplos os acórdãos de 8 de Fevereiro de 2018, processo 3054-17.7T8LSB-A.L1-6 (CRISTINA NEVES, que integra este Coletivo), de 22 de Março de 2018, no processo 1920/14.0YYLSB-A.L1-6 (TERESA SOARES), de 20 de Dezembro de 2018, processo 11749/17.9T8LSB.L1-7 (LUÍS ESPÍRITO SANTO), de 9 e 30 de Maio de 2019, nos processos 8764/16.3T8LSB.L1-8 E 4952/17.3T8LSB.L1-8 (ISOLETA COSTA), 6 de Junho de 2019, no processo 21172/16.7T8LSB.L1-2 (LAURINDA GEMAS).

No mesmo sentido se pronuncia o Professor Miguel Teixeira de Sousa (em https://blogippc.blogspot.com/2015/12/jurisprudencia-250.html) consultado em 2 de Julho de 2019)."

[MTS]