Prevê o n.º 1 que, se alguém for autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, os meios de a prestar são: depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, penhor, hipoteca ou fiança bancária. Mas também podem revestir forma de caução o contrato de seguro (art.396.º, n.º 2 CSC) e a consignação de rendimentos (art. 907.º, n.º 3, CSC), admitindo-se também o seguro de caução e a garantia autónoma (art. 650.º, n.º 3 CPC).
Na falta de acordo entre os interessados, compete ao tribunal apreciar a idoneidade da caução (n.º 3). Em tal análise tem-se em conta a depreciação dos bens e as despesas que pode acarretar (arts. 912.º, n.º 2, 913.º, n.º 3, e 915.º CPC).
No requerimento inicial de prestação de caução, a executada pediu o seguinte:
QUE SEJA ADMITIDO O PRESENTE INCIDENTE DE PRESTAÇÃO ESPONTÂNEA DE CAUÇÃO, POR MEIO DE DEPÓSITO DEVENDO CANCELAR-SE TODAS AS RESTANTES PENHORAS.
A decisão recorrida decidiu considerar idónea a caução indicada, a prestar por meio de depósito, em dez dias.
No recurso apresentado pela requerente/executada, refere-se esta a circunstâncias (cumprimento integral do decido na providência, conclusão 9, e, contraditoriamente, incumprimento definitivo, conclusão 12, e caducidade da sps, conclusão 13) que não cabem dilucidar no âmbito deste incidente, o qual se destina apenas à prestação da caução.
E diz mais: considerando que, entretanto, encontra-se já penhorada a quantia de € 212.782, 77, a que acresce o depósito de que efetuou de € 12.929,88 €, deve ser admitida a depositar apenas a diferença entre o valor da spc e o já penhorado e depositado.
A requerida não se opõe a que a caução seja efetuada por meio de depósito.
Sendo, assim, o modo de prestação de caução é o de depósito. Mais adiante veremos que tipo de depósito pode este ser.
Quanto ao valor a depositar, a sentença fixou-o em € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500 desde a data da entrada da execução em juízo até à data da realização do depósito.
A este valor opõe a exequente que a caução a fixar deve corresponder ao valor que for devido de spc na data em que for efetuado o depósito, acrescido de mais € 45.000, 00, mensais, por tanto ser o vencimento mensal da sps fixada, mais 10% sobre o valor em dívida, correspondente aos custos prováveis com a execução, com obrigação de a executada efetuar reforço de caução, de mês a mês, em € 45.000,00.
Recorde-se que a execução não visa apenas a cobrança de quantia certa. Tem em vista a entrega de coisa certa, afirmando-se no requerimento executivo não ter a executada entregue até agora toda a documentação e informação informática em causa, pelo que se admite não estar já em questão toda a condenação de prestar contida na providência cautelar, como, aliás, repete a demandante na pi da ação principal já instaurada. Esta circunstância não poderá deixar de ser valorada.
Depois, na pi da ação principal, a demandante, aqui requerida, não pretende obter qualquer indemnização pelo incumprimento da aí Ré, mantendo, de novo, o pedido de spc, além do pedido de entrega dos elementos relativos ao software.
Atribuiu à ação o valor de € 50.001,00.
Daqui deflui que o valor do interesse real da requerida – obter o acesso total a um software que diz ser já seu – corresponderá ao valor por si atribuído à ação, tendo em conta o disposto no art. 296.º CPC.
A spc, como se disse, não tem em vista indemnizar o requerente, mas tão-só compelir o requerido a cumprir a prestação devida e a respeitar a decisão do tribunal, prestação devida essa a que a exequente atribuiu o valor de € 50.001,00.
Ademais, quanto à spc fixada na providência cautelar, apenas metade é devida ao credor (art. 829.-A, n.º 3 CC), cabendo o resto ao Estado.
Assim, dos € 45.000,00, mensais, devidos a título spc, apenas € 22.500,00, cabem à exequente.
Afigura-se-nos que, no tocante ao Estado, é suficiente a caução pelo valor atribuído à ação pela demandante para sustar uma execução que tem como escopo principal a entrega de coisa, prestação a que a credora atribui o valor de € 50.001,00, acrescido dos 10% previstos no art. 735.º, n.º 1 CPC, ou seja, € 55.001,10.
A decisão que fixou a spc transitou em julgado há oito meses, o que, considerando os € 22.500,00, mensais que seriam destinados à exequente, contabilizaria nesta altura o valor de € 180.000,00, a que acresce o valor da prestação de dare, a que a embargada atribui o valor de € 50.001,00, ou seja, € 185.001,00.
Todavia, a 9.2.2022, foi proferido despacho nos embargos de executado ordenando a realização de perícia que verifique se a prestação de dare foi cumprida (ou em que termos o foi) ou se é impossível, pelo que, se nos afigura desproporcional e desadequado continuar a onerar a executada com a contabilização da spc enquanto dura essa perícia, descontando-se àqueles € 181.001,00, 25 dias (até hoje), à razão diária de € 750,00,00, num total de € € 18.780 que, descontados àqueles € 181.001,00, contabilizariam € 162.221, mais os 10% mencionados, num total de € 178.443,10.
A caução seria, assim, neste momento de € 233.444,20 (€ 55.001,10 + € 178.443,10), não considerando os valores de spc que se vão vencendo desde este dia até à data da realização integral da perícia.
Note-se que não é a spc que se suspende, mas apenas a sua contagem para efeitos de prestação de uma caução justa e equitativa.
Todavia, mesmo aquele valor afigura-se-nos absolutamente exagerado e violador do princípio da justa medida se atendermos a que, parte da prestação de dare (em extensão que ignoramos) já foi cumprida; o valor atribuído pela credora à prestação devida pela executada é de € 50.001,00; a spc, apesar de transitada em julgado e, por isso, exequível, versou sobre uma prestação de dare e não sobre uma prestação de facto infungível.
Deste modo, consideramos adequada a caução de € 180.000,00 (incluindo-se aqui as três vertentes: Estado, credora de spc – tendo em conta as vicissitudes que ficaram expostas - e valor da ação principal), a que acrescem os 10% já mencionados, num total de € 198.000,00.
Aqui chegados, importa ponderar o que está depositado, que não só pode depósito direto da requerente da caução, mas também o depósito de valores seus à ordem da execução.
Antes mesmo de notificada a executada para entregar os documentos ou opor-se à execução, estava já penhorada a quantia de € 135.128,27, e, atualmente, a quantia total de € 248.061,61.
Acresce o depósito direto de € 12.929,88 €, sendo o valor total já apreendido à requerente de € 260.993,49.
Como se refere no ac. RC, de 5.11.2029 [sic], Proc. 3141/T8PBL-B.C1: (…) havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor (do bem dado em garantia) e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo (cfr. entre outros, J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 327 e J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 224 e seguintes, especialmente a nota (76)).
Assim, existindo garantia real anterior, nem sempre será necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo, porquanto não se justificará tal duplicação e sobrecarga para o executado (a garantia será idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão). A nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo. (cfr. os citados acórdãos da Relação do Porto de 31.10.2013, proc.º n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1, relatado por Pinto de Almeida, da Relação de Coimbra de 05.5.2015, proc.º n.º 505/13.3TBMMV-B.C1, relatado por Manuel Capelo, da mesma Relação, de 17.01.2017, proc.º n.º 5211/15.1T8PBL-B.C1, relatado por Fonte Ramos e da Rel. de Évora de 6/11/ 2014 – proc.º n.º 53/14.4TBFAL-B.E1, relatado por Mata Ribeiro.
A particular função da caução prevista na al. a) do n.º 1 do artº 733º do CPC é de garantir o cumprimento da obrigação exequenda acautelando ou prevenindo os riscos que possam resultar da suspensão do processo executivo apresentando-se como requisitos essenciais, a sua prestação por meio adequado e que seja suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos (v. Ac. do STJ de 04/03/2004 no processo 04B211 disponível in www.dgsi.pt).
Assim, não podemos deixar de advogar no sentido de estar com aqueles que não vêem objeção legal a que uma hipoteca já prestada a favor do exequente como garantia da obrigação exequenda possa ser oferecida e considerada idónea em ordem a servir como caução tendo em vista a suspensão da execução. (…)
Também Lebre de Freitas parece perfilhar de tal posição quando afirma (in A Ação Executiva, 6ª edição, 2014, 225) que “havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo”
O mesmo entendimento parece defender Rui Pinto quando refere “havendo penhora ou garantia real, a caução cobrirá apenas o eventual diferencial estimado entre o valor garantido pela penhora e o estimado, após a mora processual, se necessário reforçando ou substituindo a penhora nos termos do artº 818º n.º 2 in fine, não se duplicando as garantias na parte já coberta. Mas também por isso mesmo se não houver diferencial, pode ser dispensada a prestação de caução por já haver penhora ou garantia real suficientes mesmo para a mora processual” (in Manual da Execução e Despejo, 2013, 434-435).
Por sua vez Lopes do Rego também parece dispensar a constituição de uma nova garantia aceitando como caução a pré existente ao afirmar que “é evidente que, se, se tratar de execução de débito provido de garantia real que assegure integralmente aquele interesse do credor, não haverá (demonstrada tal circunstância no procedimento de prestação de caução) lugar à constituição de nova garantia, julgando-se, …“prestada” a caução através da mera subsistência da garantia real pré-existente (cfr. Comentário ao CPC, 1999, 543).
Na mesma linha de entendimento Remédio Marques salienta que só se impõe a prestação de caução se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efetuada a penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo (cfr. Curso de Processo Executivo Comum, 2000, 163-164).
Da mesma opinião parece comungar F. Amâncio Ferreira quando refere “sendo função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda, e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no prosseguimento da ação executiva, não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real (v.g., hipoteca) constituída anteriormente à ação executiva, ou se ulteriormente se efetuar penhora, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo”(cfr. Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., 196).”
No mesmo sentido, ac. RC, de 6.6.2015, Proc. 505/13.3 T8TBMMV-B.C1, em cujo sumário se lê: A existência de garantia real não impõe automaticamente a suspensão da execução mas também não é irrelevante para determinar se deve ou não ser prestada caução. Pelo que, existindo garantia real, uma nova caução para suspender a execução só será necessária em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia e se este nada cobre para além do crédito exequendo.
No caso dos autos, foram já efetuadas diversas penhoras sobre o património da executada (art. 601.º CPC).
A penhora é o ato executivo pelo qual se apreendem judicialmente os bens a ela sujeitos, privando-se o executado do pleno exercício dos poderes sobre esses bens.
Nos termos do art. 735.º, n.º1, CPC, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
Apela a lei a um princípio geral de proporcionalidade e adequação a que também faz referência a doutrina. Brandão Proença (Lições de Cumprimento e não Cumprimento da Obrigação, 2017, p. 504 e ss.) alude aqui a um princípio “atinente à adequação ou proporcionalidade entre o montante do crédito reclamado e a medida da garantia, da penhora ou do meio conservatório”.
Idêntico raciocínio vale para a prestação de caução que tem em vista sustar a execução no âmbito da qual apenas se levam a efeito medidas adequadas e proporcionais.
No caso dos autos, avultam as penhoras sobre direitos: depósitos bancários (art. 780.º CPC) e créditos da executada sobre terceiros (as penhoras de créditos – art. 773.º CPC). Resulta das informações da AE prestadas na execução (a 4.1.2023), estar depositada à ordem dos autos a quantia de € 148.063,51; mais € 83.356,61, conforme informação de 28.1.2023; estando, ainda penhorado crédito de € 16.643, 49, conforme informação de 20.2.2023. Acresce o depósito efetuado pela requerente, de € 12.929,88 €.
Sendo assim, é de admitir a prestação de caução pela embargante, com vista à suspensão da execução em curso, nos termos referidos, em valor que se fixa em € 198.000,00, já depositado nos autos, quer por via de depósito autónomo da executada, quer por via de depósito resultante das penhoras efetuadas."
[MTS]