"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/12/2023

Jurisprudência 2023 (76)


Providência cautelar; finalidade;
indeferimento liminar*


1. O sumário de RP 13/3/2023 (2521/22.5T8AVR.P1) é o seguinte:

I – Não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais;

II – As providências cautelares têm por finalidade acautelar o efeito útil da acção (art. 2º, nº2, CPC), isto é, assegurar a utilidade da tutela que venha a ser obtida numa acção; não a de obstar à utilidade de uma tutela já concedida;

III – Se o fim visado com o procedimento cautelar for reagir contra uma decisão judicial, para impedir a sua execução ou para obstar a que aquela produza os seus efeitos normais, deve o mesmo ser indeferido liminarmente.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como resulta alegado no requerimento inicial da providência (artigos 7º a 11º) e desde logo se circunscreve no primeiro parágrafo da fundamentação da decisão recorrida, a entrega de imóvel sobre que os Requerentes pretendem reagir com a presente providência teve lugar na sequência de decisão judicial naquele sentido proferida no âmbito da acção executiva que corre termos no Juízo de Execução de Águeda sob o nº 1336/20.0T8AGD (pensamos que será este o número correcto, face aos documentos direccionados a tal processo e a um seu apenso constantes de fls. 36-verso e fls. 56, e não o nº13320/20.0T8AGD, referido na sentença recorrida por ter sido assim referido no requerimento inicial, com certeza por lapso de escrita), que retirou tal imóvel aos Requerentes e determinou a sua entrega aos Requeridos.

Tendo aquela entrega sido ali judicialmente ordenada – e ainda que os Requerentes entendam que ocorre, nos termos que defendem, violação do contrato-promessa celebrado entre si e os Requeridos e da posse do imóvel que por via de tal contrato lhes foi conferida –, a reacção contra a mesma deveria ter tido lugar naqueles mesmos autos.
  
Efectivamente, conjecturando, se se admitisse que a presente providência pudesse ser proposta e decidida noutro tribunal que não aquele onde corre aquele processo e por apenso a ele, estava-se a frustrar a decisão judicial de entrega do imóvel aos Requeridos ali proferida, o que traduziria a violação de uma decisão judicial por um tribunal da mesma hierarquia.

Além disso, e agora considerando também a pretensão defendida pelo Recorrentes no sentido de os presentes autos serem remetidos para aquele processo de execução, servindo como apenso de tal acção em curso [conclusões F) e NN)], há que referir que, quer autonomamente quer por apenso a outro processo, “não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais” [Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/10/2016, proferido no processo nº 921/08.2TBMTR-C.E1, relator Canelas Brás, disponível em www.dgsi.pt.].

Efectivamente, parafraseando o Prof. Miguel Teixeira de Sousa em comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 23/2/2016, onde se trata de questão idêntica (proc. nº 1106/13.1TBMTR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt) [---], publicado na internet no Blog do IPPC em 10/5/2016 (sob a etiqueta Jurisprudência (344), “As providências cautelares têm por finalidade acautelar o efeito útil da acção (cf. art. 2º, nº 2, CPC), isto é, assegurar a utilidade da tutela que venha a ser obtida numa acção”. Os requerentes da providência pretendiam “que essa providência cumprisse uma finalidade exactamente oposta: a de obstar à utilidade de uma tutela já concedida”.

Assim, e como se sintetiza no Acórdão também da Relação de Évora, agora de 25/5/2017 [Proferido no proc. nº 406/17.6T8FAR.E1, relator Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt, e onde também se cita aquele comentário do Prof. Miguel Teixeira de Sousa.], “Os procedimentos cautelares não são o meio idóneo e processualmente adequado para reagir contra uma decisão judicial, para impedir a sua execução, ou para obstar a que aquela produza os seus efeitos normais. Se o fim visado com o procedimento for um daqueles, deve o mesmo ser indeferido liminarmente”.

Pelo que se vem de expor, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida."

*3. [Comentário] Naturalmente, seria desnecessária tanta citação (própria...), tão evidente é a inadmissibilidade dos procedimentos cautelares para obstar à produção de efeitos por sentenças.

Não deixa, em todo o caso, de se ficar um pouco perplexo com a multiplicação das tentativas de utilização de procedimentos cautelares com aquela finalidade.

MTS