"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/12/2023

Jurisprudência 2023 (70)


Confissão;
força probatória; requisitos


1. O sumário de RC 28/3/2023 (12499/21.7YIPRT.C1) é o seguinte:

I – A Relação pode/deve alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa - art.º 662º, nº 1 do Código do Processo Civil. O Tribunal goza assim de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais;

II – Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto - não formando o julgador convicção suficientemente segura/consistente da verificação de um facto, não pode o mesmo ser considerado provado, antes tendo de ser levado ao elenco dos factos não provados. Será com base na convicção desse modo formada pelo tribunal de recurso que se concluirá pelo acerto ou erro do segmento decisório impugnado;

III – A confissão obtida através de depoimento de parte terá de ser reduzida a escrito no momento em que é prestado e na presença do depoente e dos mandatários presentes, elaborando-se a assentada. Sendo o depoimento prestado em audiência de julgamento, caso a parte representada no acto por mandatário entenda que ocorre alguma irregularidade na prestação do depoimento ou na sua redução a escrito (ou falta dela) deve arguir tal irregularidade no ato, invocando a sua influência no exame ou decisão da causa –artºs. 195º, nº. 1, 197º, nº. 1, e 199º, todos do C.P.C..

IV – Não o tendo feito, fica precludida a possibilidade de se arguir tal falta de redução a escrito em sede de recurso da sentença, e consequente não há confissão escrita. Por isso, ainda que o depoente tenha admitido/confessado facto desfavorável, não pode nos autos adquirir força probatória plena – sem assentada a confissão não beneficia da força probatória plena consignada no artigo 358.º, n.º 1, do Código Civil.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Começa por alegar o Apelante:

«13-Assim, é o próprio sócio gerente da ré que admite e confessa que o autor a pedido da ré prestou serviços à referida ré para angariação da obra de demolição da empresa B... em ..., tendo confirmado também que o valor dos serviços eram 5000 euros, acrescidos do IVA. Confirma o mesmo que deu conhecimento ao irmão e que só avançou para a obra com o conhecimento e consentimento do irmão. Sabe que a firma que representa tem esta divida perante o autor e já pediu muitas vezes ao irmão para a pagar. Também refere que foi o senhor AA que angariou a obra de demolição, onde a ré faturou 70 mil euros, que já recebeu, mas que ainda não pagou ao autor.

Só com estas declarações de parte a ação devia ser sido dada como provada porque há confissão integral e sem reservas que o serviço (angariação da obra) foi prestado pelo autor à ré e não foi pago. Com estas declarações de parte, dado que as mesmas foram prestadas de forma precisa e credível quase que não era necessário o depoimento das testemunhas porque é o próprio que faz uma confissão integral em nome da sua “ representada”, confirmando os termos do negócio, que o serviço foi realizado e não pago.»

Ora, a confissão obtida através de depoimento de parte terá de ser reduzida a escrito no momento em que é prestado e na presença do depoente e dos mandatários presentes, elaborando-se a assentada. Sendo o depoimento prestado em audiência de julgamento, caso a parte representada no acto por mandatário entenda que ocorre alguma irregularidade na prestação do depoimento ou na sua redução a escrito (ou falta dela) deve arguir tal irregularidade no ato, invocando a sua influência no exame ou decisão da causa –artºs. 195º, nº. 1, 197º, nº. 1, e 199º, todos do C.P.C..

Não o tendo feito, fica precludida a possibilidade de se arguir tal falta de redução a escrito em sede de recurso da sentença, e consequente não há confissão escrita. Por isso, ainda que o depoente tenha admitido/confessado facto desfavorável, não pode nos autos adquirir força probatória plena – sem assentada a confissão não beneficia da força probatória plena consignada no artigo 358º, n.º 1. do Código Civil.

É verdade, no entanto, que Tribunal pode e deve valorar livremente o depoimento de parte assim produzido, a par das declarações de parte - entendemos que o tribunal se poderá fundamentar nas declarações de parte para dar como provados determinados factos, analisadas e ponderadas com a necessária cautela, por se tratar de depoimento interessado, cautelas que o tribunal também não deixa de ter quando o depoimento é prestado por testemunha com interesse no desfecho dos autos, desde que, e como também se verifica na prova testemunhal, elas alcancem o “standard” de prova exigível, para que um facto possa ser considerado provado pelo tribunal."

[MTS]