"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/12/2023

Jurisprudência 2023 (68)


Intermediário financeiro; responsabilidade;
nexo de causalidade; ónus da prova


1. O sumário de STJ 30/3/2023 (9755/17.2T8PRT.P1.S1.S1) é o seguinte: 

I – O Supremo Tribunal de Justiça não detém poderes para alterar a factualidade dada como provada (e não provada) que foi sujeita à livre apreciação do julgador de 2a instância, o qual emite um juízo de facto autónomo e definitivo que se torna insindicável, tal como resulta do disposto nos artigos 674º, no 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil.

II – No caso concreto, não há, contrariamente ao pretendido pela arguente, fundamento para o invocado controlo de presunções utilizadas, atendendo a que a factualidade dada como provada e não provada resultou também da análise da prova testemunhal produzida, conforme expressamente consta da fundamentação da convicção da decisão de facto.

III – Embora não tenha existido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em causa qualquer referência ao reenvio prejudicial e ao invocado conflito de interesses, com a indicação de legislação da União Europeia, tal circunstância explica-se na medida em que tal expediente processual (reenvio prejudicial), bem como as restantes matérias invocadas por referência a legislação da União Europeia, poderiam/deveriam ter sido oficiosamente abordadas no âmbito do processo no 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A., pelo Pleno das Secções Cíveis deste Tribunal de Justiça aquando da prolação do acórdão uniformizador nº 8/2022, no processo no 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Iª Série, de 3 de Novembro de 2022, rectificado conforme Declaração de Rectificação nº 31/2022, publicada no Diário da República, 1ª Série, de 21 de Novembro de 2022, se fossem consideradas, então e nessa sede, necessários ou pertinentes.

IV - Ou seja, era esse o momento processual para a observância desses procedimentos se fossem relevantes e susceptíveis de alterar o sentido da uniformização; não o tendo sido – como efectivamente não foram -, e seguindo o acórdão de 31 de Janeiro de 2023 desde Supremo Tribunal de Justiça escrupulosamente a doutrina do dito acórdão uniformizador, à espera do qual esteve largos meses por via da suspensão da instância decretada, não faria o menor sentido considerar agora a necessidade de reenvio prejudicial e a abordagem de outras temáticas, sendo certo que a questão jurídica discutida nos autos é precisamente similar às diversas que foram discutidas no âmbito geral dessa mesma uniformização.

V – O que significa que o presente processo deveria ter o desfecho compatível com o acórdão uniformizador aprovado sobre a mesma discussão jurídica essencial, sem a tomada em consideração de outro argumentário que o Pleno, podendo ter acolhido, desconsiderou (e em matéria de interpretação e aplicação do direito aos factos o tribunal era completamente livre de o fazer, nos termos gerais do artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil).

VI – Estando em causa a responsabilidade da intermediária financeiro pelo incumprimento do seu dever de informação, nos termos devidos e exigíveis, a ausência do nexo de causalidade entre tal incumprimento e o dano provocado ao investidor – em estreita consonância com a doutrina do acórdão uniformizador citado - deita imediata e irremediavelmente por terra a pretensão da A.

VII – Improcedem assim as arguições de nulidade, por omissão de pronúncia, que foram suscitadas nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Consta da fundamentação jurídica perfilhada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2023, ora impugnado pelo reclamante: [...]

2 - Responsabilidade do intermediário financeiro. Ausência de prova do nexo de causalidade entre o facto praticado pelo Réu e o dano que os AA. acusam. Aplicação do acórdão uniformizador no 8/2022, proferido no processo no 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Ia Série, de 3 de Novembro de 2022.

Cumpre, em primeiro lugar, salientar que, sobre a temática em apreço (responsabilidade do intermediário financeiro na promoção e venda de obrigações do BPN/SLN aos seus clientes) foi proferido o acórdão uniformizador no 8/2022, no processo no 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, Ia Série, de 3 de Novembro de 2022, rectificado conforme Declaração de Rectificação no 31/2022, publicada no Diário da República, 1a Série, de 21 de Novembro de 2022, no sentido seguinte:

«1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.o 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.o, n.o 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em ‘produtos de risco’ — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o ‘reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco’), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»

Ora, entende-se dever seguir e perfilhar a doutrina firmada neste acórdão, aceitando e aplicando a jurisprudência assim uniformizada à situação sub judice, com todas as inerentes consequências no plano jurídico.

Discute-se nos autos a responsabilidade de um determinado intermediário financeiro – O BNP, actual BIC – relativamente à forma concreta como propagandeou, promoveu, prestou informação, esclareceu (ou não), e colocou junto dos seus clientes, ora A., determinado produto financeiro – «SLN Rendimento Mais 2004» -, levando-a à sua subscrição no pressuposto essencial e decisivo de que existiria garantia de reembolso do capital.

O regime que regula a actividade do intermediário financeiro consta do Código de Valores Mobiliários, sendo aplicável in casu a versão anterior à do Decreto-lei no 357-A/2007, de 31 de Outubro, atendendo a que os produtos financeiros foram subscritos em 4 e 10 de Abril de 2006.

Nos termos do artigo 289º do Código de Valores Mobiliários, na versão aplicável:

“1 – São actividades de intermediação financeira:

a. Os serviços de investimento em valores mobiliários;

b. Os serviços auxiliares dos serviços de investimento;

c. A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições.

2 – Só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira”.

A responsabilidade do intermediário financeiro assenta fundamentalmente, portanto, em termos gerais, no preceituado no artigo 304º-A, do Código de Valores Mobiliários, vigente à data da subscrição do produto financeiro – em 2006 – (e correspondente ao artigo 314º, na versão original do Código), revestindo natureza contratual.

Previa-se nesse preceito:

«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.».

Por sua vez, o artigo 321º do Código de Valores Mobiliários (CVM), destinado aos denominados investidores não qualificados, estipula relativamente ao regime a que se encontram submetidos os contratos de intermediação financeira:

“1 - Nos contratos sujeitos a forma escrita que sejam celebrados com investidores não qualificados, só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma.

2 - Para o efeito de aplicação do regime sobre cláusulas contratuais gerais, os investidores não qualificados são equiparados a consumidores.

3 - Nos contratos de intermediação celebrados com investidores não qualificados residentes em Portugal, para a execução de operações em Portugal, a aplicação do direito competente não pode ter como consequência privar o investidor da protecção assegurada pelas disposições do presente capítulo e da secção III do capítulo I sobre informação, conflito de interesses e segregação patrimonial”.

Já no que concerne à qualidade da informação ao prestar ao investidor, o artigo 7º, do Código de Valores Mobiliários (CVM), segundo a versão então vigente, referia que:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 - À publicidade relativa a valores mobiliários e a actividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade”.

Segundo, ainda, o disposto no artigo 305º do Código de Valores Mobiliários (CVM):

“1 - No exercício da sua actividade, o intermediário financeiro deve assegurar elevados níveis de aptidão profissional.

2 - O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados ou negligentes”.

Estabelece, por seu turno, o artigo 312º do Código de Valores Mobiliários (CVM):

“1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; (...)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral”.

Acresce que nos termos do artigo 304º do Código de Valores Mobiliários (CVM), então vigente:

«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (...)

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação».

O que significa que sobre o intermediário financeiro impendem especiais e qualificados deveres que decorrem dos princípios gerais boa-fé, nomeadamente no que se refere aos imperativos de lealdade e transparência.

Finalmente, o artigo 324.º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (CVM) determina que: “São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar”.

Complementa este quadro geral de protecção dos direitos dos investidores em geral, o disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (vulgo RGICSF), onde pode ler-se:

“As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência” (respectivo artigo 73º).

“Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados” (respectivo artigo 74º).

“Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores” (respectivo artigo 75º).

Debruçando-nos, agora e concretamente, sobre a situação sub judice, cumpre referir:

Em consonância com os factos provados, o que basicamente sucedeu foi o seguinte:

A sociedade Autora é titular de um conjunto de 6 obrigações, resultante de um empréstimo obrigacionista denominado «SLN Rendimento Mais 2004», cada uma no valor nominal de €50.000,00, com o prazo de emissão de 10 anos, sendo o reembolso de capital integralmente efectuado no dia 27 de Outubro de 2014, com a liquidação de juros semestrais e postcipados a creditar na conta de depósitos à ordem da Autora na referida instituição;

Tais obrigações foram vendidas, pelo referido valor nominal, à Autora no balcão do BPN de ... em 14 de Outubro de 2004; [...]

Na data de 27 de Outubro de 2014 – data do vencimento da aplicação – nem a Sociedade Lusa de Negócios (ou o seu sucessora), nem o Banco Réu pagaram à Autora o capital investido na aquisição daquelas obrigações; [...]

Apreciando:

Perante os factos como provados, concorda-se com as instâncias quando estas afirmam verificar-se efectivamente a violação do dever de informação, clara e completa, por parte do Ré, enquanto intermediário financeiro face ao seu cliente.

Conforme se afirma no aresto recorrido:

“Quando alguém faz um empréstimo, e estando concretamente em causa emissão de obrigações a favor de entidade financeira ou bancária, quem empresta o dinheiro (aqui recorrente) tem de ser cabalmente informado sobre todos os aspetos essenciais desse contrato desde logo a quem está a emprestar para poder aquilatar da futura capacidade dessa beneficiária em efetuar o reembolso e assim ter noção dos riscos que está a assumir e se os pretende assumir.

No caso em análise, essa informação não foi prestada na totalidade pois não se identificou quem era a emitente das obrigações («Sociedade Lusa de Negócios») sendo insuficiente referir-se que era a entidade dona do Banco pois, em rigor, tal nada esclarece já que, por se ser dono de um Banco não significa que seja uma entidade tão sólida a nível económico/financeiro que nem sequer precisa de ser identificada.

Se uma empresa emite obrigações e assim pede aos investidores que injetem capital nessa mesma empresa, é por que tem motivo para tal – dificuldade económica, intenção de maior projeção, obtenção mais rápida de capital, ... - pelo que o investidor tem de saber se o que está a emprestar tem boa possibilidade de retorno, sendo a base do conhecimento saber quem é a empresa em causa.

Essa informação em concreto não foi dada. [...]

Concluímos assim, tal como o tribunal recorrido, que houve culpa do «B. P. N. ....» na violação desse dever de informação que pode dar origem a responsabilidade, para nós, enquadrada ao nível da responsabilidade pré-contratual – artigo 227.º, do C. C. é na fase de formação do contrato, prévia à sua celebração, que são omitidas informações, não havendo óbice, na nossa visão, que se aplique tal regime mesmo após a formação do contrato e sua execução (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, página 215, Ana Prata, «Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual», página 180)”.

A culpa do intermediário financeiro, tratando, como já referido, de responsabilidade contratual presume-se nos termos do artigo 799.º do Código Civil e 304.º-A, n.º 2 do Código de Valores Mobiliários, na versão então vigente.

Ou seja, encontra-se inequivocamente demonstrado o carácter ilícito e culposo da conduta do intermediário financeiro em causa.

De todo o modo, a constituição da obrigação de indemnizar, no plano contratual, integra um conjunto de pressupostos cumulativos absolutamente imprescindíveis, a saber: a prática do facto imputável ao demandado; o seu carácter ilícito e culposo (culpa que se presume nos termos gerais do artigo 799º, nº 1, do Código Civil); o nexo de causalidade entre o cometimento do ilícito e a produção do correspondente dano para a esfera jurídica do demandante.

Ora, na situação sub judice, não ficou provado que a A., na sua qualidade de investidora, e uma vez ciente da informação que lhe deveria ter sido prestada (ou se o fosse), tomaria então a decisão de não investir, tal como efectivamente fez (no desconhecimento dessa mesma informação omitida).

O que significa que não provaram os AA. que, sendo-lhes fornecida a informação clara e completa acerca do produto financeiro em causa, recusariam nessas circunstâncias aceitá-lo.

Com efeito, refere-se a este respeito no acórdão recorrido, no plano da afirmação da matéria de facto e âmbito do conhecimento da impugnação apresentada pela A. ao abrigo do artigo 640º, do Código de Processo Civil, quanto à (in)existência do nexo de causalidade que agora se questiona:

“Quanto ao facto dado como “Não Provado” em F):

Se a Autora tivesse percebido que, com a assinatura daqueles papéis que lhes foram apresentados pelo funcionário do Banco Réu, Sr. BB, poderia estar a dar ordens de compra de um produto financeiro em que o reembolso do capital não era integralmente garantido pelo Banco, jamais a Autora os teria assinado, tal como, jamais teria vendido um dos títulos a uma outra do seu grupo empresarial.

Já nos reportamos ao que, na nossa opinião, está em causa com a expressão «garantido pelo Banco».

O que aqui se coloca em hipótese é, desde logo, que se soubesse que «B. P. N. ...» não garantia o reembolso do capital, não teria a Autora subscrito o produto; mas não se prova que tenha sido mencionado que aquele Banco garantia o reembolso pelo que a premissa não se poderia à partida provar.

Por outro lado, o produto, tal como apresentado, tem capital garantido – findo o prazo, é devolvido na íntegra sem sofrer qualquer redução por qualquer flutuação de mercado ou cambiária -; o que sucedeu é que, por força de um incumprimento por parte da emitente subscritora devido à sua insolvência, o subscritor não recebeu o capital investido mas isso é diferente do se apresentar o produto como um produto financeiro em que o reembolso do capital é garantido.

Como outra questão é saber se a Autora tinha ou não de ser informada de um possível risco de insolvência ou se, em caso desta ocorrer, como seria restituído o capital.

Pode concluir-se que, sabendo o que atualmente sabe, certamente a Autora não subscreveria o produto mas não por o que lhe foi apresentado não estivesse correto mas sim por que ou pode ter ocorrido omissão na transmissão de informações ou transmissão de informação menos correta (mas não que se garantiu o reembolso pelo «B. P. N. ...» que já referimos que não foi matéria que tenha sido, face à prova, colocada em cima da mesa).

Por tudo isto, este facto foi bem julgado como não provado”.

E quanto ao facto dado como “Não Provado” em “J”:

“J) Se soubesse que a aplicação por si subscrita era um produto diferente de um depósito a prazo não o teria contratado”.

Ou seja, é inevitável a afirmação de que não se encontram reunidos in casu todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnização em que a A. estribava a sua pretensão.

É o que resulta aliás directamente da aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência no 8/2022, de 3 de Novembro, proferido no processo no 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República no 212/2022, Série I, de 3 de Novembro de 2022, no qual não se considerou que o nexo causal entre o facto e o dano estivesse abrangido pela presunção do artigo 799º, no 1, do Código Civil, não competindo, em consequência, ao intermediário financeiro provar, no caso de incumprimento dos seus deveres de informação, que o investidor teria tomada a mesma decisão que, sem essa informação clara e completa, tomou. [...]

O que significa que a presunção prevista artigo 304º-A, no 2, do Código de Valores Mobiliários, na versão anterior à vigência do Decreto-lei no 357-A/2007, de 31 de Outubro, é apenas, segundo este entendimento prevalecente no Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, uma presunção de culpa e ilicitude, não abrangendo igualmente a presunção do nexo de causalidade. [...]

Em suma, em consonância com o elenco dos factos dados como provados e não provados, a A. não logrou produzir a necessária prova da verificação da existência de nexo de causalidade entre facto ilícito e culposo em que a Ré intermediária financeira incorreu e o dano sofrido por aquela. investidores, o que conduz inexoravelmente ao fracasso da sua pretensão.

Pelo que a revista será negada, com a confirmação do acórdão recorrido”.

Vejamos:

Deste enquadramento jurídico, largamente desenvolvido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça cuja nulidade ora se arguiu, resulta, com clareza, que o mesmo versou sobre todas as questões verdadeiramente essenciais e decisivas para a sorte da lide o que, por si só, prejudica o conhecimento de quaisquer outras (incluindo as que são referenciadas na arguição apresentada). [..]

Pelo que improcede a questão suscitada. [...]

Indefere-se, assim a totalidade das ditas arguições de nulidade, bem como o pedido de reforma."


3. [Comentário] Concorda-se plenamente que teria sido desejável que, antes do proferimento do Ac. STJ 8/2022, de 3/11, se tivesse procedido ao reenvio prejudicial para o TJ. Compreende-se que o STJ queira manter-se vinculado à opção então tomada, mas não tem de o ficar ad aeternum. A qualquer momento, o STJ pode retomar, em revista ampliada, a discussão da orientação vertida no Ac. STJ 8/2022, incluindo a necessidade de proceder a um reenvio prejudicial.

MTS