Ineptidão da petição inicial;
petição deficiente
I. O sumário de RG 30/3/2023 (1082/23. 2T8BRG.G1) é o seguinte:
1) Na providência cautelar de arresto é imprescindível, independentemente do grau de prova exigida, a alegação inteligível da factualidade integrante dos respectivos pressupostos exigidos no artº 392º, nº 1, do CPC.
2) Uma petição diz-se inepta – imprestável para viabilizar o prosseguimento da acção, inconsequente para alcançar a pretensão e até para proporcionar uma pronúncia cabal eficaz sobre esta e seus fundamentos no sentido da procedência ou improcedência – tanto quando, pura e simplesmente, faltar o pedido e a causa de pedir, como quando esta ou aquele forem ininteligíveis, impercetíveis, indecifráveis, inalcançáveis, o que obviamente sucederá perante alegações enevoadas e labirínticas onde não conseguem descortinar-se, nem depreender-se, os termos claros, precisos e concretos e os sujeitos certos de uma relação jurídica definida.
3) Da petição inepta deve distinguir-se a apenas deficiente.
4) Só esta e não aquela é susceptível de aperfeiçoamento e merecedora de convite para tal.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Da petição inepta deve distinguir-se a petição deficiente.
Ela sê-lo-á quando, apesar de se perceberem, com nitidez e coerência, o pedido e a causa de pedir, todavia se apresentar incompleta, eivada de incorrecções, traduzidas em imprecisões e insuficiências na exposição e concretização da matéria de facto, desajeitada ou mesmo difusa, prolixa ou com laivos de impertinência.
O ponto é que os elementos subjectivos da instância (os sujeitos) e os definidores nesta do objecto do processo (o pedido e a causa de pedir) se evidenciem ou se depreendem com nitidez suficiente, ainda que a petição careça de ser aprimorada de modo a não empecilhar a tramitação e a apreciação subsequentes.
A petição congenitamente inepta, nos termos referidos, não pode ser, nem faz sentido que seja, alvo de convite ao aperfeiçoamento. A nulidade por isso implicada é insuprível. Não se lhe aplicam as disposições dos artºs 6º, nº 2, 278º, nº 2, e 590º, nºs 2 a 4, CPC.
Se falta (não existe de todo) ou é mesmo ininteligível (não se consegue depreender) o pedido ou a causa de pedir, ainda que imperfeitamente alegados, não é possível, logicamente, aí fazer um aperfeiçoamento. Só é remediável aquilo que apenas se apresenta enfermo. Não, o que, à nascença, já não ostenta vitalidade alguma para singrar e porventura vingar no foro.
Só em uma nova petição pode sanar-se a ineptidão e consequente nulidade da anterior.
Ora, é isso que o legislador pretende: à petição inepta segue-se a absolvição a instância. O passo seguinte, para a parte interessada que falhou exercitar o seu direito de acção (artº 3º, nº 2), será o de propor uma outra acção ou providência, devidamente estruturada, sobre o objecto visado.
É isto que resulta da Jurisprudência predominante e a que, sem reserva, pelo exposto e pelo que dela própria deflui, se adere.
Vejamos.
Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-10-2016 [[Processo nº 203848/14.2yIPRT.C1 (Manuel Capelo).]]:
“I – Segundo o art. 186º, n.º 2, alínea a) do N.C.P.C., a petição será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.II - A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e que tal excepção é de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.III – Nos termos dos arts. 5º, nº1, e 552º, nº1, al.d) do n. Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as excepções, sendo pois na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.IV - Em ação em que o pedido é o pagamento de quantia referente ao incumprimento de um contrato de mútuo ou de aluguer de veículo sem condutor ou semelhante, a autora terá de alegar e provar os termos do contrato, nomeadamente o montante mutuado, o montante das prestações devidas e seu prazo de vencimento e bem assim, a data da mora e incumprimento definitivo e de onde decorre o valor que peticiona, se só de juros e capital se de outra origem, concretizando-a nesse caso;V - Não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590º, nºs 2, al.b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.[…]VII - O poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590º, nº4 do nCPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz.”
Acórdão da Relação do Porto, de 14-11-2017 [[Processo nº 7034/15.9T8VIS.C1 (Fonte Ramos).]]:
“1. A causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir).2. A petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (art.º 186º, n.º 2, alínea a) do CPC).3. A figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida.4. Apenas nesta segunda situação a parte poderá/deverá ser convidada a completar o articulado, podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução - art.ºs 5º, n.º 2, alínea b) e 590º, n.º 4 do CPC.[…].”.
Acórdão da Relação do Porto, de 10-09-2019 [[Processo nº 11226/16.5T8PRT-A.P1 (Rui Moreira).]]:
“I – Perante a alegação deficiente ou incompleta dos factos que constituem a causa de pedir, o art. 590º, nº 4 do CPC estabelece um dever legal do juiz, sob a forma de um “despacho de aperfeiçoamento vinculado”, no sentido de identificar os aspectos merecedores de complementação ou correcção.II -Tal dever não tende à recuperação de petições ineptas, mas impõe-se para o aproveitamento de articulados minimamente aptos, mau grado insuficientes, deficientes ou imprecisos, de forma a prevenir que o curso do processo venha, sem alteração do seu conteúdo fáctico, a inviabilizar ulteriormente a completa identificação da fattispecie do instituto jurídico previamente apontado em sede de causa de pedir.III – A omissão daquele despacho de aperfeiçoamento vinculado constitui uma vício que se projecta na sentença, por nesta se deixarem por conhecer factos que seriam essenciais para a decisão da causa e que, a ter sido proferido oportunamente aquele despacho, para a mesma teriam sido importados, determinando a anulação da sentença e a devolução do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, sem prejuízo da prévia prática dos actos processuais tidos por adequados para esse efeito.”.
Acórdão da Relação do Porto, de 07-12-2018 [[Processo nº 17055/16.9T8PRT.P1 (Fernanda Almeida).]]:
“I - O convite ao aperfeiçoamento constitui um dos objetos possíveis do chamado despacho pré-saneador (art. 590.º, n.º 2 CPC).II - Tratando-se de pressupostos sanáveis, impende sobre o tribunal o poder-dever ou poder funcional (poder vinculado) de gestão processual e de agilização do processo, removendo oficiosamente a exceção dilatória ou convidando a parte a fazê-lo. A omissão de tal dever implica nulidade (art. 195.º, n.º 1 CPC).III - A nulidade processual decorrente da ineptidão da petição inicial não é um pressuposto processual suprível ou que caiba nos casos de aperfeiçoamento previstos na lei.IV - Findos os articulados, vislumbrando-se imediatamente a ineptidão da petição inicial e/ou a improcedência dos pedidos formulados, não se justifica a prática de atos como o chamamento de terceiros à acção em incidente de intervenção provocada.”.
Acórdão da Relação de Lisboa, de 24-01-2019 [[ Processo nº 573/18.1T8SXL.L1-6 (Manuel Rodrigues).]]:
“I – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).”.
Acórdão da Relação do Porto, de 21-11-2019 [[Processo nº 20935/18.3T8PRT.P1 (Paulo Duarte Teixeira).]]:
“I - A causa de pedir é a realidade concreta resultante do mundo empírico, simples ou complexa que subsumível às normas aplicáveis irá fundamentar a pretensão da parte.II - A ineptidão da petição inicial existe quando ocorrer uma falta de exposição essencial da causa de pedir e não apenas mera deficiência ou lacuna de alegação.III - Como critério auxiliar para determinar essa distinção pode-se utilizar a previsão do art. 5º, do CPC, por forma apurar se a causa de pedir omitida de forma parcial é ainda uma realidade/facto essencial, que não pode ser densificada ou complementada por outros factos.IV. Quando isso ocorrer existe uma nulidade absoluta que não deve ser objecto de despacho de aperfeiçoamento nos termos do art. 590º, do CPC.”.
Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-09-2020 [[Processo nº 17500/18.9T8LSB.L1-2 (Nelson Borges Carneiro).]]:
“I – Causa de pedir é o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido.II – A causa de pedir é ininteligível quando há impossibilidade de compreensão da causa de pedir, isto é, dos fundamentos de facto da ação, leva a que não se perceba onde radica, afinal, a pretensão formulada.III – A falta de formulação do pedido ou de indicação da causa de pedir, traduzindo-se na falta do objeto do processo, constitui nulidade de todo ele por ineptidão da petição inicial.IV – O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível).”.
Acórdão da Relação de Lisboa, de 27-04-2021 [[Processo nº 2725/17.2T8LRS.L1-7 (Cristina Silva Maximiano).]]:
“I– O nº 3 do art. 186º do Código de Processo Civil exige, para afastar a procedência da excepção de ineptidão da petição inicial, que, além da dedução da contestação, o réu tenha interpretado convenientemente a petição inicial, aqui entendida como pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.II– A falta ou a ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, não há lugar a aperfeiçoamento.”.
Acórdão da Relação de Lisboa, de 28-09-2021 [[Processo nº 4357/19.1T8LSB.L1-7 (Maria da Conceição Saavedra).]]:
“I- A ineptidão da petição inicial não dá lugar ao aperfeiçoamento, constituindo, em regra, exceção dilatória insuprível;II- A incompatibilidade substancial dos pedidos que implica a ineptidão da petição inicial (al. c) do nº 2 do art. 186 do C.P.C.) só releva no âmbito da cumulação real, pois tratando-se de pedidos subsidiários ou alternativos a cumulação é apenas aparente, na medida em que a apreciação de um excluirá o conhecimento do outro, não sendo considerados em conjunto;III- Afigurando-se existir uma incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, designadamente através de um convite ao autor para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.);IV- Tal convite dirigido ao autor poderá constituir uma forma de retificar, de forma expedita, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.”.
Acórdão da Relação de Guimarães, de 28-10-2021 [[ Processo nº 315/20.1T8PTB.G1 (Maria dos Anjos Nogueira).]]:
“I - A figura da ineptidão da petição inicial que implica ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida.II – Sendo irrefutável que a reforma processual operada pelos DL 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, consagrou um alargamento da possibilidade de salvar a acção inquinada por algum dos vícios impeditivos do conhecimento de mérito, o certo é que o alargamento de tal possibilidade de sanação ficou ainda reservada para aquelas situações resultantes de falhas menores que deixam intacta a estrutura fundamental da instância.”.
Acórdão da Relação do Porto, de 24-02-2022 [[Processo nº 7842/21.1T8VNG-A.P1 (Judite Pires).]]:
“I - O arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 619.º e seguintes do Código Civil, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 391.º a 396.º do Código de Processo Civil.II - A providência em causa depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a probabilidade da existência do crédito do credor e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial do mesmo.III - Para a configuração do “justo receio da perda da garantia patrimonial” não basta o mero receio subjectivo do credor, sustentado em simples conjecturas, antes devendo fundar-se em factos concretos que sumariamente o indiciem.IV - O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada passou a ser, no âmbito da aplicação do n.º 4 do artigo 590.º do actual Código de Processo Civil, uma incumbência do juiz, constituindo um dever seu.V - A incumbência, agora vinculada, de formular convite ao aperfeiçoamento de articulado apenas se justifica como forma de suprimento de deficiente exposição ou concretização da matéria de facto alegada, por insuficiência ou imprecisão da mesma.”.
Acórdão da Relação de Lisboa, de 20-12-2022 [[Processo nº 20802/21.3T8LSB.L1-7 (Maria da Conceição Saavedra).]]:
“I- A ineptidão da petição inicial não dá lugar ao aperfeiçoamento, constituindo, em regra, exceção dilatória insuprível;II- Não há contradição entre o pedido e a causa de pedir se o Condomínio A. invoca, na petição inicial, que a Ré, construtora e promotora imobiliária do prédio dos autos, executou a obra com defeitos (vícios de construção ou má opção técnica) que enumera, pelo que, conclui, lhe cumpre eliminá-los de acordo com o previsto no art.º 1225 do C.C., o que pede a final;III- Se existe deficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, designadamente em matéria dos concretos defeitos cuja reparação se requer, é questão inteiramente distinta a justificar, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento (art.º 590 do C.P.C.), mas que nada tem que ver com a ineptidão da petição inicial.”.
Ora, na expressão dos próprios recorrentes, estamos perante um “enredo” (item 48 da petição) – situação que está precisamente nos antípodas do que se exige no processo judicial.
Na verdade, como emerge dos aspectos destacados no despacho recorrido mas não só, lendo-se a petição e mesmo agora as alegações, confirma-se que os próprios requerentes parecem não ter noção clara e precisa da teia em que todos se envolveram nem daquilo em que se comprometeram.
Logo, também o Tribunal não pode considerar, na história contada, nem depreender desta, se existe e qual é a causa de pedir do pretenso crédito a garantir e quem são os artífices – credores e devedores – de tal obrigação, mormente os responsáveis e a que título.
Com efeito, embora apontem transferências de valores e entregas monetárias, ora aludem, para sua justificação e correspondente responsabilização, a uma compra e venda (itens 8 a 10 e 14 da pi), de carros e de uma “logística”, ora a “negócios que se foram cruzando entre as partes” mas penumbrosos (item 18), ora a “corredores” e “apaixonados” e “sonhadores” sem posses (itens 4º, 15º e 56º) por automóveis e corridas, ora a “sócios” e negócios societários (itens 17, 2º e seguintes). Da “cessão de quotas” (item 23) passa-se, num ápice, a uma “prestação de serviços” (item 30) e a uma “prestação de contas” (item 43) que teriam sido acordadas, mas termina-se ora por sugeridos incumprimentos de acordos ora por prática de ilícitos extracontratuais que terão passado por apropriação e falsificação, mesmo de índole penal (itens 48, 52e 56).
Para cúmulo, em vez de, nas alegações, se evidenciar onde se encontra alegada ou de onde se pode depreender a causa de pedir, diz-se agora nelas que nunca se tratou de compra (nºs 18, 22 e 23, aliás contraditórios entre si) mas de “investimento” (nº 32 das alegações e inusitadas conclusões 3 e 4) e de “promessa de cessão de quotas” (conclusão 5)!
Ora, se os requerentes não sabem, não entendem, não têm noção, do que fizeram, combinaram, enfim do que ocorreu e com quem, como poderia tê-la ou depreendê-la o Tribunal?
A petição é inepta, por ininteligibilidade da causa de pedir e consequentemente da fonte e natureza do crédito e dos sujeitos credores e devedores, por isso falhando um requisito básico da providência requerida.
Não é remediável mediante convite ao aperfeiçoamento.
Não ocorre, enfim, a situação verificada no pelos recorrentes invocado Acórdão da Relação do Porto, de 30-04-2020, nem a solução deste pode analogamente ser transposta para aqui [[Processo nº 639/18.8T8PRD.P1 (Joaquim Moura).]].
Atente-se no que, sumariamente, nele está dito:
“I – Diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há razão para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um podere-dever, um poder vinculado.II - O convite ao aperfeiçoamento (como o próprio termo inculca) supõe que os articulados revelem um conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso: a petição inicial, que individualize a causa de pedir; a contestação, que identifique a(s) excepção(ões) deduzida(s) densificando-a(s) com os pertinentes elementos de facto.III – No caso sub judicio, embora esteja, minimamente, identificada a causa de pedir, a petição inicial é, manifestamente, deficiente, já porque não descreve suficientemente actos materiais concretizadores de uma posse boa para usucapião, já porque abundam as afirmações vagas e conclusivas, pelo que se impunha que o tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento daquele articulado.IV - A falta desse despacho configura omissão de um acto que a lei prescreve e a situação é especialmente ostensiva porquanto a Sra. Juiz, além de omitir a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, extraiu da deficiência da p.i. efeitos que se projectaram na improcedência da acção.V - A omissão desse despacho, sendo uma nulidade processual, influiu no exame e decisão da causa, posto que esta julgou improcedente o pedido formulado pelo autor por insuficiência de factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento do convite ao aperfeiçoamento, acabando por afectar com o vício da nulidade a própria sentença.”
Com efeito, neste se comunga da posição de que não é susceptível de convite ao aperfeiçoamento a petição que não contenha “conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso”, que não “identifique a causa de pedir” e que, portanto, sendo ela inepta, como neste caso é, não se configura omissão daquele acto nem, consequentemente, o cometimento de qualquer nulidade.
Sucede é que, no caso sub judice, aquele mínimo individualizador não existe."
[MTS]
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