"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/12/2023

Jurisprudência 2023 (75)


Honorários forenses;
prescrição presuntiva


1. O sumário de RP 23/3/2023 (21749/03.0TJPRT-A.P1) é o seguinte:

I - O prazo de prescrição presuntiva de um crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário.

II - A partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter o pagamento, e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efectuadas.

III - A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No caso das acções de honorários a prescrição presuntiva prevista no artigo 317 alínea c) do CCivil inicia-se com a data da cessação dos serviços prestados.

No contexto das prescrições presuntivas o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

No que respeita ao crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, não se mostrando acordado um outro prazo para a sua satisfação, deve esta ocorrer apenas após ter cessado a prestação do mandatário, devendo para o efeito este apresentar ao mandante a respectiva conta de honorários com descriminação dos serviços prestados (art.º 100º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados).

Assim, o prazo de prescrição deste tipo de crédito inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário, sendo que, a partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efectuadas.

Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., pág.284), de harmonia com o critério fixado no artigo 306 nº1, o prazo de dois anos quanto aos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais só começará normalmente a correr no momento em que cessa a relação estabelecida entre credor e devedor (patrocínio judiciário de certa causa; tratamento de certa doença, etc.). Mas começará a correr antes, se o credor usualmente exigir a satisfação do seu direito antes desse momento e não tiver havido estipulação em contrário com o devedor “ (Código Civil Anotado, vol.I, 2ª ed., pág. 284).

Na realidade, a prescrição presuntiva é um benefício para o devedor que – parte-se do princípio – pagou, pois que apenas o dispensa do ónus que sobre ele impende de provar o pagamento (nº 2 do artigo 342º do Código Civil).

Assim, provado o decurso do prazo (bem como os demais factos descritos nos artigos 316º e 317º do Código Civil, relativos nomeadamente à natureza do crédito, à qualidade dos contraentes e à ligação entre o crédito e as respectivas actividades profissionais), presume-se o cumprimento, recaindo sobre o credor o ónus de ilidir a presunção.

Esse afastamento, todavia, só pode resultar de confissão, expressa (artigo 311º) ou tácita (artigo 314º) do “devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão”, entendendo-se que há confissão tácita “se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.

Assim, em resumo o prazo (2 anos) da prescrição (presuntiva), previsto no art.317 c) CC, inicia-se, em regra, com o momento da cessação dos serviços prestados pelo profissional liberal e cabe ao réu o ónus de alegação dos factos constitutivos da excepção peremptória, designadamente do momento em que se inicia o prazo de prescrição.

Sobre a importância da determinação do momento da cessação do mandato a fim de se contabilizar o prazo vide o Ac do Supremo Tribunal de Justiça (Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA ) de 12-03-2009 :«Sumário : 1. Na falta de convenção em contrário, o mandato judicial inclui o poder de substabelecer (nº 2 do artigo 36º do Código de Processo Civil), poder que se não confunde com o de renunciar ao mandato (artigo 39º do mesmo Código); o que significa que o substabelecimento puro e simples não faz cessar o mandato de quem substabelece.

2. Também não faz cessar os poderes de representação conferidos ao primeiro advogado. 3. O mandato forense é, necessariamente, um mandato com representação. 4. A falta de prova do momento da cessação dos serviços pelo mandatário impede que se saiba quando começaria a contar o prazo de prescrição (presuntiva) previsto na alínea c) do artigo 317º do Código Civil. 5. As prescrições presuntivas apenas têm como efeito a presunção de pagamento; dispensando o devedor de provar o pagamento da quantia reclamada ».

E igualmente vide o Ac da RP (Relator: LEONEL SERÔDIO) de 18-10-2001 *«Sumário: I - A prescrição dos créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes é uma prescrição presuntiva, fundando-se numa prescrição de cumprimento.

II - A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.

III - Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.

IV - São exemplos de actos daquela natureza negar o devedor a existência da dívida, discutir o seu montante, invocar contra ela compensação ou remissão, invocar a gratuitidade dos serviços. ».

A prescrição (presuntiva), traduzindo-se num facto extintivo do direito do autor, é uma excepção peremptória, impendendo sobre o réu o ónus de alegar e provar (art.342 nº2 CC) os factos constitutivos da excepção, pois “assim como o autor tem de provar os factos constitutivos do direito alegado, também o demandado tem de convencer o juiz da existência da causa excipiendi, ou seja, dos factos constitutivos da excepção“ - (MIGUEL MESQUITA, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág. 49).

A sentença recorrida considerou ter ocorrido a prescrição presuntiva dado que os serviços forenses cessaram a 7/12/2007 e a acçao foi proposta a 26/12/2018 e a ré citada a 10/12/2018.

Considera o recorrente que não seria aplicável neste caso o regime da prescrição presuntiva porque a ré é uma sociedade e tendo contabilidade organizada teria de provar o pagamento.

Entendemos que no caso a ré pode invocar a aplicabilidade da prescrição presuntiva dado que o alegado crédito resulta de serviços decorrente de profissional liberal, e nessa medida para se aplicar o artigo 317 alínea c) do Ccivil, é indiferente se os serviços foram prestados quer por um advogado ou uma sociedade de advogados, e também é indiferente que os serviços tenham sido prestados a um sociedade ou a uma pessoa singular dado estar apenas em causa a natureza dos serviços.

Assim, os créditos reclamados pelo Autor, porque prestados por este no exercício de profissão liberal, são enquadráveis na alª c) do art. 317 do C.Civivil.

Neste sentido vide o Ac da RC Processo: 309674/11.7YIPRT. C1, Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO, 21-10-2014: «Sumário: 1- O que releva para o efeito de aplicação do art. 317 alª c) do C.C. é a natureza dos serviços em causa e não a qualidade da pessoa (singular ou sociedade), que presta, ou a quem os serviços são prestados.

2.-Sendo o crédito derivado de serviços que substancialmente se enquadram no exercício duma profissão liberal, resulta indiferente que, no caso, estes tenham sido prestados a uma sociedade ou a uma pessoa singular, pois que, quer da letra quer do espírito da norma resulta que o critério de subsunção ao preceito em análise se define unicamente pela natureza dos serviços em causa, e não da entidade que os recebe, ou da entidade que os presta.».

Pelo exposto, e aderindo-se ao referido na sentença recorrida, considera-se que ocorreu a prescrição presuntiva estabelecida no artigo 317º c) do Ccivil e nessa medida a acção será integralmente improcedente.

Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum."

[MTS]