"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/07/2025

Jurisprudência 2024 (215)


Procedimento de injunção;
oposição ao requerimento; preclusão


1. O sumário de RP 19/11/2024 (5149/23.9T8PRT-A.P1) é o seguinte:

Não tendo a embargante apresentado oposição ao requerimento de injunção na qual poderia ter invocado a prescrição dos créditos reclamados, não pode mais invocá-la em sede de embargos à execução, por força da preclusão prevista no art. 14º-A nº 1 do DL nº 269/98 de 1.09, conforme determina o art. 857º nº 1 do CPC.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Na sentença recorrida, o tribunal considerou inquestionável que a dívida exequenda era consubstanciada por “quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros”, pelo que a situação jurídica em causa estava sujeita à disciplina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de Setembro, (DR n.º 184/2022, Série I, de 22-09-2022), que fixou jurisprudência nos termos seguintes: 

I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas."

Porém, o tribunal concluiu que “… a partir da aposição da fórmula executória, o prazo de prescrição já não é o de 5 anos, mas o prazo ordinário de 20 anos, por força do art. 311º do Código Civil…” E, por isso, julgou improcedente a excepção de prescrição arguida.

Dispõe esse art. 311º do C. Civil, no seu nº 1, que “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou outro título executivo.”

Todavia, a questão colocada pela embargante, ora apelante, sedia-se a montante da aplicação desta norma, por entender que nestes embargos lhe deve ser admitida a discussão da prescrição que tenderia a obviar ainda à aposição da fórmula executória.

Defende, em suma, que a não arguição da prescrição no âmbito da própria injunção não impede que, já nesta fase, discuta a prescrição do próprio crédito exequendo e não da sua titulação por via da procedência da injunção.

A questão foi debatida no passado, designadamente durante a vigência de uma versão do art. 857º, nº 1 do CPC que consagrava uma limitação dos fundamentos de defesa, perante execução baseada em requerimento de injunção, tida por inaceitável. O Tribunal Constitucional chegou a declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa norma (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, de 8 de Junho, Diário da República n.º 110/2015, Série I de 2015-06-08).

Porém, como se salienta nos Acs. deste TRP de 18.11. 2021, (proc. 2918/20.5T8LOU-A.P1), de 16-01-2024 (proc. nº 1171/23.3T8LOU-A.P1) e do TRE, de 07-03-2024, (proc. nº 1610/23.3T8ENT-A.E1), todos publicados em dgsi.pt e cujo teor seguiremos de perto, a questão mostra-se já superada, tendo a disciplina daquele acórdão do TC deixado de ter aplicação.

Com efeito, a Lei 117/2019, de 13 de Setembro, veio alterar quer o teor do art. 857º, nº 1 do CPC, quer o teor do DL nº 269/98 de 1/09, aditando-lhe o art. 14º-A, que passaram a apresentar o seguinte teor:

Art. 857º, nº 1 do CPC “- Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.”

«Artigo 14.º-A do DL nº 269/98 de 1/09 (Efeito cominatório da falta de dedução da oposição): 1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.»

Naquele acórdão deste TRP, de 16/1/2024 /proc. nº proc. nº 1171/23.3T8LOU-A.P1), numa situação absolutamente semelhante ao caso dos autos, o conteúdo deste regime foi perfeitamente explicitado, em termos que passamos a citar:

“Nesses casos, como é sabido, o legislador limitou os fundamentos passíveis de serem alegados, em sede de embargos de executado, aos aludidos taxativamente no art. 729º, do C.P.Civil.

“Com efeito, actualmente e dado que o requerimento de injunção em causa foi instaurado a 07.12.2021 [no caso, foi-o em 28/3/2022] e a fórmula executória data de 27.01.2022 [no caso, data de 14/7/2022], a que acresce o facto da notificação efectuada à aqui embargante no referido procedimento de injunção ter sido feita com a cominação resultante do disposto no art. 14º-A, nº 2 do D.L. nº 269/98, de 1 de Setembro (na redacção conferida pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro) - vide certidão que antecede emanada do Balcão Nacional de Injunções onde essa circunstância se mostra verificada -, a mesma está limitada aos fundamentos previstos no art. 729º do CPC. Ou, excepcionalmente, as situações elencadas nas als. a), c) e d) desse normativo.

O que os aqui embargantes não fazem pois a excepção de prescrição não é de conhecimento oficioso-artº 303 do CC.

A prescrição de direitos não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia – artºs 303º do CC e 496º do Código de Processo Civil.

Assim, não se enquadra a defesa por excepção de prescrição apresentada na ali. d) do artº 14º-A, nº 2 do D.L. nº 269/98.

Com efeito, como resulta ainda do nº 1 do citado art. 14º-A, se o requerido, pessoalmente notificado e devidamente advertido do efeito cominatório previsto no nº 2 dessa mesma disposição legal (o que já vimos que se verificou no caso vertente), não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter lugar, sem prejuízo do disposto no referido nº 2. Para além das situações excepcionais previstas nos nºs 2 e 3 do art. 857º, do CP; que também não têm aplicação ao caso dos autos.

Ademais, com essa actual redacção do citado art. 14º-A, nº 2 do D.L. nº 269/98, de 1-09, deixou de ter aplicabilidade o Acórdão do tribunal constitucional nº 714/2014, tirado com força obrigatória geral, uma vez que tem em vista a redacção anterior do D.L. nº 269/98, de 1-09, a qual foi actualmente superada precisamente com a introdução da cominação expressa emanada do art. 14º-A, nº 2. (no mesmo sentido Ac. do TRP de 18.11. 2021 in proc. 2918/20.5T8LOU-A.P1). (…)

Deste modo, da articulação do disposto no art. 857º do CPC com o art. 14º-A do DL nº 269/98 de 1.09, podemos concluir que, poderá a executada, em sede de embargos de executado a execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, invocar os seguintes fundamentos de oposição á execução:

1. fundamentos de oposição à execução baseada em sentença (art. 729º do CPC):
 
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.

2. fundamentos de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A nº 2 do DL nº 269/98 de 1.09:
 
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente. (…)

A prescrição dos créditos reclamados no requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória consubstancia uma excepção peremptória, que não é de conhecimento oficioso (art. 579º do CPC e art. 303º do CC).

Assim sendo, tal como assertivamente foi decidido na decisão recorrida, não tendo a aqui Apelante apresentado oposição ao requerimento de injunção na qual poderia ter invocado a prescrição dos créditos reclamados, não pode mais invocá-la em sede de embargos à execução por força da preclusão prevista no art. 14º-A nº 1 do DL nº 269/98 de 1.09, conforme determina o art. 857º nº 1 do CPC.”

No mesmo sentido se pronunciou o Ac. deste TRP de 18/11/2021 (proc. nº 2918/20.5T8LOU-A.P1, que apresenta o seguinte sumário: (I – Face às alterações introduzidas pela Lei nº 117/2019, de 13.9 no art. 857º do Cód. de Proc. Civil e no Regime Anexo ao Dec. Lei nº 269/98, de 1.9 [regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância] do conteúdo da notificação do procedimento de injunção ao requerido deve constar a preclusão dos meios de defesa resultante da falta de tempestiva dedução de oposição. II – Essa preclusão, entre outras situações referidas no nº 2 do art. 14º-A aditado ao Regime Anexo ao Dec. Lei nº 269/98, não abrange a alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no art. 729º do Cód. de Proc. Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção, entre eles se contando a falta ou nulidade da citação. III – Com as alterações efetuadas pela Lei nº 117/2009, de 13.9 foi superada a inconstitucionalidade da norma do art. 857º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, deixando de ter razão de ser a jurisprudência constitucional que a declarara quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual fora aposta fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, nº 1 da Constituição da República [AC. do TC nº 274/15, de 12.5]).

No caso sub judice, como acima se referiu, quer a data de apresentação do requerimento injuntivo, quer a subsequente data em que lhe foi aposta a fórmula executória, determinam a subsunção da situação ao novo regime trazido pela Lei nº 117/2019, de 13/9 (cfr. o respectivo art. 11º, nº 1).

Face a tal regime, tendo a ora apelante sido notificada regularmente para os termos da injunção, sem que lhe tenha deduzido oposição, e não sendo a excepção da prescrição passível de conhecimento oficioso (art. 303º do C. Civil), tem de considerar-se precludida a possibilidade da sua arguição nesta sede de embargos. É o que resulta do disposto no citado art. 14º-A do D.L. 269/98, prejudicando a actuação do previsto no art. 857º, nº 1 do C.P.C.

Por consequência, o título executivo mostra-se perfeitamente constituído, sendo inviável a sua impugnação sob a alegação de que o crédito assim titulado estava anteriormente prescrito. A prescrição não foi invocada em momento e em sede própria, pelo que não pode já ser discutida."

[MTS]