Valor da causa;
alteração do valor; competência do tribunal*
I - A regra para definir o valor da causa é a do recurso à utilidade económica imediata do pedido (cfr. artigo 296º n.º 1 do Código do Processo Civil) devendo atender-se, para aferir essa utilidade, também à causa de pedir, visto que aquele deve ser lido à luz dos seus fundamentos, e esta permite perceber o que se pretende obter com o peticionado.
II – O pedido de reconhecimento do direito de propriedade não tem utilidade económica autónoma se, não sendo objeto do litígio, a pretensão que a Autora pretende verdadeiramente fazer valer nos presentes autos é a restituição do imóvel decorrente da invocada cessação do contrato de arrendamento por força da caducidade, ou da sua resolução, e a condenação dos Réus em indemnização.
III – O regime previsto no n.º 1 do artigo 310º do Código do Processo Civil é aplicável quer aos casos em que o valor indicado pelo autor é inferior ao que vem a ser decretado pelo juiz, como nos casos em que é superior; em ambas as hipóteses a decisão do incidente de valor pode determinar a remessa do processo para o tribunal que for competente, seja do juízo local cível para um juízo central cível ou vice-versa, conforme o valor da ação exceda ou não os €50.000,00.
IV - Apenas não será assim, nos casos em que tendo o autor instaurado a ação num juízo central cível por ter atribuído um valor superior a €50.000,00, o valor venha a ser reduzido oficiosamente, pois neste caso o tribunal mantém a sua competência em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo 310º.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Relativamente à segunda questão - saber se o Juízo Central Cível de Braga é competente para conhecer da presente ação - ficou a mesma condicionada pela decisão acabada de proferir quanto à questão do valor.
Nos termos do artigo 66º do CPC “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, pelo seu valor, se inserem na competência da instância central e da instância local”.
Estabelece o artigo 41º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto) que “A presente lei determina a competência, em razão do valor, entre os juízos centrais cíveis e os juízos locais cíveis, nas ações declarativas cíveis de processo comum”.
E o artigo 117º n.º 1, alínea a) da Lei da Organização do Sistema Judiciário prevê ainda que “Compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a €50.000,00”.
Daí que, em face do valor fixado à presente ação pelo tribunal a quo, seria competente para a apreciar e julgar o Juízo Local Cível de Braga; e em face do valor ora fixado de €29.600,00 continua a ser competente o Juízo Local Cível de Braga.
Sustenta, contudo, a Recorrente que, ainda que não se considere merecer censura o valor fixado à causa pelo tribunal a quo, não poderia este, pela via da redução do valor da causa abaixo dos €50.000,00, ter-se decidido pela incompetência do Juízo Central, determinando a remessa dos autos para o Juízo Local Cível de Braga, pois que, em tais situações o tribunal mantém a sua competência conforme estabelecido no n.º 3 do artigo 310º do CPC.
Vejamos.
Estabelece este preceito que o tribunal mantém a sua competência quando seja oficiosamente fixado à causa um valor inferior ao indicado pelo autor.
Porém, no caso dos autos, o valor inferior ao indicado pela Recorrente não foi fixado oficiosamente pelo tribunal a quo; antes decorre dos autos que os Réus suscitaram o incidente de valor da causa, impugnando o valor atribuído pela Autora à ação, tendo a 3ª e 4ª Rés indicado como valor da ação €20.400,00, excecionando ainda a competência do Juízo Central Cível em razão do valor e requerendo a remessa do processo ao Juízo Local Cível.
Decorre do n.º 1 do artigo 310º do CPC que quando se apure, pela decisão definitiva do incidente de verificação do valor da causa, que o tribunal é incompetente, são os autos oficiosamente remetidos ao tribunal competente, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
Este regime é aplicável quer aos casos em que o valor indicado pelo autor é inferior ao que vem a ser decretado pelo juiz, como nos casos em que é superior; em ambas as hipóteses a decisão do incidente de valor pode determinar a remessa do processo para o tribunal que for competente, seja do juízo local cível para um juízo central cível ou vice-versa, conforme o valor da ação exceda ou não os €50.000,00.
Apenas não será assim, nos casos em que tendo o autor instaurado a ação num juízo central cível por ter atribuído um valor superior a €50.000,00, o valor venha a ser reduzido oficiosamente, pois neste caso o tribunal mantém a sua competência em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo 310º.
In casu, não tendo sido oficiosamente fixado um valor inferior ao indicado pela Autora não tem aplicação o n.º 3 do artigo 310º do CPC, não merecendo aqui qualquer censura o decidido pelo tribunal a quo."
*3. [Comentário] Pelas razões que foram expendidas no comentário ao art. 310.º CPC que consta do CPC online não se acompanha a decisão da RG. No fundo, a ressalva que consta do n.º 1 do art. 310.º CPC mostra que os n.º 1 e 3 do preceito não são autónomos entre si.
Aliás, seria estranho que a modificação ou a não modificação da competência do tribunal dependesse da circunstância de a diminuição do valor da causa não ter resultado ou ter resultado de um incidente de fixação do valor da causa. Não se vislumbra por que razão o carácter oficioso ou não oficioso da diminuição do valor da causa há-de ter alguma influência na competência do tribunal no qual a acção se encontra pendente.
MTS