- Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados (art.º 1º).
- A locação financeira de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo fica sujeita a inscrição no serviço de registo competente (art.º 3º, n.º 5).
- Findo o contrato por qualquer motivo e não exercendo o locatário a faculdade de compra, o locador pode dispor do bem, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro (art.º 7º).
- São, nomeadamente, obrigações do locatário: a) Pagar as rendas; k) Restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição (art.º 10º, n.º 1).
- O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes de lei civil, relativas à locação (art.º 17º, n.º 1).
- Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efetuar por via eletrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente (art.º 21º, n.º 1, sob a epígrafe “Providência cautelar de entrega judicial”). Com o requerimento, o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, exceto a do pedido de cancelamento do registo (...) (n.º 2). O tribunal ouvirá o requerido sempre que a audiência não puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (n.º 3). O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no n.º 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada (n.º 4). Decretada a providência e independentemente da interposição de recurso pelo locatário, o locador pode dispor do bem, nos termos previstos no art.º 7º (n.º 6). Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, exceto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso (n.º 7). São subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma (n.º 8).
3. Respiga-se do preâmbulo do DL n.º 30/2008, de 25.02, que o legislador, ao rever o regime jurídico da locação financeira, pretendeu concretizar uma das novas medidas de descongestionamento do sistema judicial (evitar ações judiciais desnecessárias):
- Por um lado, esclareceu, nomeadamente, que o cancelamento do registo da locação financeira é independente de qualquer tipo de ação judicial intentada para a recuperação da posse do bem locado, podendo ser efetuado pelas vias administrativas normais e eletrónicas.
- Por outro lado, permite-se ao juiz decidir a causa principal após decretar a providência cautelar de entrega do bem locado, extinguindo-se a obrigatoriedade de intentar uma ação declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providência cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do disposto no art.º 21º do DL n.º 149/95, de 24.6. Evita-se assim a existência de duas ações judiciais - uma providência cautelar e uma ação principal - que, materialmente, têm o mesmo objeto: a entrega do bem locado.
4. Na situação em análise resulta clara a afirmação dos requisitos necessários ao decretamento da providência cautelar especificamente prevista no art.º 21º do DL n.º 149/95, de 24.7: cessação do contrato de locação financeira em razão do seu incumprimento pela requerida e subsequente resolução pela requerente/locadora, de harmonia com o acordado e o descrito quadro normativo; não entrega/restituição ao locador dos bens objeto da locação.
Em cumprimento do preceituado no art.º 21º, n.º 7, do DL n.º 149/95, de 24.6, foi proferida decisão antecipando o juízo final.
5. A requerente insurge-se contra o despacho, de 02.9.2024, que considerou “esgotado o poder jurisdicional com a prolação da sentença de 23.8.2024” e ordenou que a requerida fosse notificada da pretensão da requerente “quanto ao lugar do cumprimento da mencionada obrigação de entrega”, posição reiterada no despacho de 17.9.2024, no qual também se concluiu nada mais haver a decretar, “por ora, quanto à entrega do bem móvel em causa”.
6. A posição da requerente/recorrente é correta.
A consagração legal da providência cautelar de entrega judicial de bem locado tem essencialmente em vista a proteção do interesse patrimonial do locador, tentando evitar que lhe advenham prejuízos de vária ordem no quadro da atividade que exerce, porquanto a não entrega da coisa importa, do ponto de vista do locador, a impossibilidade (temporária) de a alienar ou de a onerar. Por outro lado, pode provocar, na perspetiva do locatário, um desinteresse em relação à própria coisa, que se pode repercutir não só na sua manutenção e na sua conservação, mas também noutras vertentes, como por exemplo na possível utilização indevida do bem ou até numa eventual deterioração acentuada.
Daí, para o seu decretamento, o locador não necessita de alegar, nem de demonstrar, o justificado receio da sua lesão, o qual, segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, é presumido (´jure et de jure`) por lei, independentemente do tipo de bem (móvel ou imóvel) em causa. As razões que o fundamentam decorrem do uso continuado da coisa pelo locatário, o que determina pelo menos o seu desgaste/degradação, com o inerente prejuízo para o proprietário/locador.
Assim, o requerente está dispensado da alegação e prova do periculum, ao abrigo do art.º 21 do DL 149/95, de 24.6; o elemento de facto futuro da causa de pedir é presumido juris et de jure e, portanto, inilidível pela parte contrária. [Vide F. de Gravato Morais, Manual da locação financeira, 2006, págs. 245 e seguintes e Rui Pinto, A questão de mérito na tutela Cautelar, Coimbra Editora, 2009, págs. 593 e seguintes.]
7. A entrega cautelar, imediata, do bem é que constitui, no rigor, o interesse de direito substantivo que o mecanismo adjetivo visa assegurar e salvaguardar.
Releva, pois, a tutela do locador como inequívoca opção legal de tutela.
E aqui se vislumbra a diluição da ação principal no processo cautelar.
Assim, a entrega judicial do bem locado tem lugar numa simples ação de tipo cautelar; e a lei supõe até que nesta, em regra, se acham reunidas as condições para viabilizar um juízo concludente e final sobre o tema. [Idem. [...]].
9. No regime legal de entrega judicial de bem locado, teve o legislador o particular cuidado e preocupação em regulamentar a entrega judicial do bem, ciente das especificidades decorrentes deste procedimento cautelar - importa efetivar, tão depressa quanto possível, o desapossamento do bem, de modo a conferir ao locador a possibilidade de proceder à sua futura cedência ou à alienação ao anterior locatário ou a terceiro (art.º 7º).
A execução da entrega insere-se na própria providência.
10. Evidenciam os autos, por um lado, a dificuldade em concretizar a apreensão e, por outro lado, as sucessivas solicitações da requerente visando a apreensão e a entrega dos bens.
11. No apurado circunstancialismo, o Tribunal a quo devia considerar que o objetivo da providência não se havia concretizado/cumprido - a imediata apreensão e entrega dos bens em causa; a imediata localização e a célere restituição ao legítimo proprietário de bens utilizados indevidamente e/ou sujeitos a eventual deterioração/desvalorização acentuada (cf. II. 6., supra). [Cf., de entre vários, acórdãos da RL de 04.10.2011 [sumariando-se: «1 - Este tipo de providência cautelar (entrega judicial do bem locado) teve em vista enfrentar as situações de “periculum in mora” decorrentes do incumprimento dos contratos de locação financeira por parte dos locatários e que não são compatíveis com a natural morosidade da justiça. 2 - O Legislador, neste particular, foi mais longe, na redação dada pelo DL 30/2008, de 25-2, ao n.º 7, do art.º 21º, do DL 149/95, de 24-6, dando ao julgador a faculdade de decidir a causa no próprio procedimento cautelar, antecipando nesse processo a resolução definitiva do litígio. 3 - Sendo o escopo do Legislador evitar a ação principal, não se compreende que se traga à colação o prazo de caducidade a que se reporta o art.º 389º nº 1 a) do CPC (exceto quando dos autos não constem os elementos necessários à resolução definitiva do caso). 4 - Até porque um dos objetivos que em regra só se consegue com a ação principal já foi alcançado na providência cautelar em apreço: O locador poder dispor da coisa (n.º 6 do citado art.º 21º do DL 149/95).»], 26.4.2016-processo 934/14.5TVLSB-A.L1-7 [com o sumário: «(...) III - Não faz sentido obrigar a requerente (que anda há anos a pugnar denodadamente pela efetivação da diligência de apreensão do veículo automóvel) a encetar nova via sacra, dando à execução a sentença declarativa de teor essencialmente coincidente com a pretensão formulada em termos cautelares, com acréscimo de dispêndios de tempo e custos e inutilização do trabalho já realizado no plano deste procedimento, sendo certo que não ocorreu qualquer das causas de extinção por caducidade da providência cautelar consignadas no artigo 373º do Código de Processo Civil.»] e 26.10.2021-processo 22010/20.1T8LSB.L1-6 [tendo-se concluído: «I. A definição do desígnio legislativo no âmbito da providencia cautelar de entrega judicial de bem locado, parece visar a dispensa da ação definitiva no que se reporta ao âmbito de convergência dos dois procedimentos – a entrega do bem. II. Tal intenção legislativa teve em consideração que a apreensão e entrega seriam prévias a tal “convolação” do procedimento cautelar em “juízo antecipado sobre a causa principal”. III. Ao decidir-se pela necessidade de interposição de uma ação executiva, com a consequente extinção do procedimento, tal vai contrariar a intenção do legislador, que sob o primado da economia processual permitiu a antecipação do juízo definitivo no mesmo processo, pelo que não pode ser considerado que com base nessa antecipação não haverá que alcançar o objetivo da providência – a apreensão e entrega.»], publicados no “site” da dgsi.]
[MTS]