"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/07/2025

Jurisprudência 2024 (207)


Procuração forense;
mandante; caducidade


1. O sumário de RG 7/11/2024 (791/20.2T8CHV-B.G1) é o seguinte:

Nas procurações forenses outorgadas, em 2013, pela então administradora e gerente em nome das duas sociedades que a esse título representava, os respetivos mandantes são estas sociedades. Por isso, não assumindo aquela administradora e gerente a qualidade de mandante, a sua morte em 2021 não fez caducar as procurações.

Nessa medida, na ausência de qualquer facto que, de algum modo, coloque em crise a vontade das sociedades expressa aquando da outorga das procurações, a sua validade mantém-se quando, em 2023, elas foram juntas a estes autos.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

À luz do disposto no artigo 262.º do Código Civil, "a procuração é um negócio jurídico unilateral realizado por um sujeito que atribui por ele a outra pessoa poderes para a representar na prática de um ato ou na celebração de um negócio, o mais das vezes um contrato. Ela tanto pode ser realizada autonomamente como estar contida no contrato de que é instrumento." [Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 318.] E "é um ato essencialmente distinto do mandato. Enquanto o mandato, integrado na categoria dos contratos (art. 1157.º) é um negócio jurídico bilateral, a procuração constitui um ato unilateral" [Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 244.]. Não obstante esta diferença, não deixa de ser verdade que a "procuração aproxima-se (…) muito do mandato (…). E de tal modo que as diferenças entre si são ténues. Adriano Vaz Serra explicou assim a fronteira entre elas: «Efetivamente, o mandato não se identifica com a procuração, como claramente se verifica confrontando os arts. 262º e segs. e 1157º e segs. do CC (…). A procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos (art. 262º, nº 1; o mandato, diversamente, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (art. 1157º)" [Ac. STJ de 13-5-2021 no Proc. 1021/16.7T8CSC.L2.S1, www.dgsi.pt.]

Para além disso, "a procuração (…) não se justifica por si própria ou em si própria. Ao invés, ela alicerça-se numa relação subjacente - tipicamente o mandato - que a motiva e lhe dá origem e fundamento" [José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. I, 2011, pág. 341.].

Por sua vez, o mandato forense é "o contrato pelo qual um advogado (ou um advogado estagiário, ou um solicitador) se obriga a fazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do mandante, de atos jurídicos próprios da sua profissão" [João Lopes [dos] Reis, Representação Forense e Arbitragem, pág. 43.] E este mandato é, conforme dispõe o artigo 43.º, conferido através de procuração forense.

Voltando ao nosso caso, em nenhum dos dois despachos recorridos a Meritíssima Juiz explica por que razão, em virtude da morte de AA, "as procurações juntas aos autos (…) não satisfazem o determinado no (…) despacho, proferido em 13/11/2023". Parece ter por evidente a conclusão que extrai e dispensa-se de fundamentar de direito o efeito que considera que essa morte produziu na validade das procurações.

Ora, sabemos que em 2013 AA, na qualidade de administradora da executada EMP03... S.A. e de gerente da executada EMP02... L.da, outorgou as duas procurações em causa, através das quais, em nome das suas representadas, conferiu ao (mandatário) Dr. CC "poderes forenses gerais".

Estamos, assim, na presença de duas procurações forenses que têm como negócio base ou relação subjacente um mandato forense.

E nestas procurações o mandante não é AA; os mandantes são, sim, as duas sociedades, aqui executadas, que nessas datas (9-1-2013 e 10-6-2013) aquela representava.

Apesar de, como já se deu nota, não ser claro o raciocínio seguido pela Meritíssima Juiz, afigura-se como mais provável que tenha entendido que, por causa de tal morte, se deu a caducidade das procurações [---]

É certo que, em princípio [A "procuração caracterizada pela irrevogabilidade natural ou convencional" tem quanto a aspeto um enquadramento jurídico diferente, cfr. Ac. STJ de 14-7-2016 no Proc. 111/13.2TBVNC.G1.S1, www.dgsi.pt.], a morte do mandante origina a caducidade da procuração, pois o artigo 265.º do Código Civil "não esgota as causas extintivas da procuração. Do seu carácter intuitu personae resulta, entre outras causas, a extinção (por caducidade) pela morte do outorgante" [Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 322. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 14-7-2016 no Proc. 111/13.2TBVNC.G1.S1 e Ac. Rel. Porto de 7-12-2018 no Proc. 11099/17.0T8PRT.P1, ambos em www.dgsi.pt.].

Mas, uma vez que AA não tinha a qualidade de mandante, da sua morte em 2021 não pode resultar a caducidade das procurações.

Tendo as procurações sido outorgadas por quem nesse momento legitimamente representava as executadas EMP03... S.A. e EMP02... L.da, as mesmas não veem a sua validade afetada por a administradora e gerente à época ter falecido posteriormente. A cessação do exercício dessas funções, nomeadamente por morte, em nada se repercute na validade dos atos anteriormente praticados por AA com tais vestes.

Note-se que nos autos não há notícia de qualquer facto que, de algum modo, coloque em crise a vontade das executadas EMP03... S.A. e EMP02... L.da expressa aquando da outorga das procurações. E não esqueçamos que quem sucedeu a AA na representação destas duas sociedades tem a possibilidade de revogar as procurações em apreciação [Cfr. artigo 265.º n.º 2 do Código Civil.].

Portanto, não ocorrendo a caducidade das procurações não há, nesse plano, qualquer efeito nos dois substabelecimentos, com reserva, do Dr. CC em favor do Dr. BB.

Com estes substabelecimentos com reserva o mandatário primitivo (Dr. CC) partilhou com o mandatário subestabelecido (Dr. BB) os poderes que recebeu das mandantes EMP03... S.A. e EMP02... L.da, as quais, por esta via, passam a estar representadas em juízo por estes dois advogados.

Aqui chegados, conclui-se que se mantém a validade das procurações de 9-1-2013 e de 10-6-2013, pelo que, tanto o Dr. CC, como o Dr. BB, têm poderes para representar as executadas EMP02... L.da e EMP03... S.A.."

[MTS]