"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/12/2025

Jurisprudência 2025 (58)


Prova por depoimento de parte;
prova por declarações de parte


I. O sumário de RC 11/3/2025 (115/24.0T8MGR-A.C1) é o seguinte:

1. - Destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, a qual se traduz no reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece a parte confitente e beneficia a contraparte, só podem ser objeto de tal prova factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.

2. - O depoente de parte, prestando juramento, fica sujeito ao dever de verdade, depondo com precisão e clareza, perante o tribunal, com redução a escrito do conteúdo confessório, incumbindo a respetiva redação ao juiz, razão pela qual não deverá haver margem para dúvidas quanto ao sentido e âmbito/alcance da confissão, a qual, devendo ser inequívoca, assume força probatória plena contra o confitente.

3. - Por isso, na ordem de produção das provas em audiência final, deve começar-se pela prestação dos depoimentos de parte, só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.

4. - Obtida tal confissão, ficando o facto provado em plenitude, não há lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo, desde logo, a proibição de prova testemunhal.

5. - Já a prova por declarações de parte, em que é a própria parte a requerer que seja admitida a prestar declarações, comummente sobre factos que ela mesma alegou, que a favorecem e, bem assim, para os afirmar/confirmar, deve, à míngua de semelhante força probatória, ser apreciada livremente pelo tribunal – salvo a situação incomum de constituir confissão –, carecendo, normalmente, de outros meios de prova corroborantes idóneos.

6. - Assim, a prova por depoimento de parte, enquanto prova prioritária, não pode ser subalternizada à prova por declarações de parte, não sendo aceitável a ideia de “consunção” de provas, de molde a ficar prejudicado o conhecimento do requerimento de prestação de depoimento de parte.

7. - Requerendo a parte a obtenção pelo tribunal de documentos – referentes a pedidos de inscrição matricial e de retificação de área de prédio –, mediante requisição a um serviço de finanças, não lhe basta invocar que os documentos lhe seriam recusados se os pedisse, antes devendo mostrar uma concreta/efetiva recusa para os específicos fins judiciais pretendidos.

8. - Se o tribunal, indeferindo o requerido, deixou, todavia, em aberto a possibilidade de ulterior apreciação em caso de invocação de dificuldades sérias e concretas na obtenção desses documentos, cabia à parte interessada, em vez de recurso imediato, procurar obter, a expensas suas, os documentos, posto que, em caso de recusa, certamente o tribunal não deixaria de os requisitar.


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1. - Da (in)admissibilidade da requerida prova por depoimento de parte da A./Reconvinda

Já se viu qual a natureza dos pedidos formulados, na ação e na reconvenção, tudo girando à volta do pretendido reconhecimento dominial, em termos de propriedade imobiliária, sendo a ação/reconvenção assimilável a uma comum ação de reivindicação [reconhecimento do direito de propriedade e restituição, com demolição de elementos edificados e/ou abstenção – cfr. o pedido reconvencional – da prática de atos que ofendam o peticionado direito de propriedade].

Quanto à prova por depoimento de parte da A./Reconvinda, requerida pelos RR./Reconvintes, o Tribunal recorrido entendeu que a mesma não seria de acolher, por prejudicada: admitindo – como admitiu – a prova por declarações de parte da A., por esta requerida, considerou que, em consequência (“perante a latitude das declarações de parte”), ficava prejudicado/comprometido “o conhecimento do depoimento de parte requerido pelos réus”.

Desenvolvendo este raciocínio, a 1.ª instância ainda expressou que «(…) as declarações de parte têm uma maior latitude do que o depoimento de parte (o qual apenas visa a confissão – cfr. 454.º do Código de Processo Civil e 352.º do Código Civil –), consumindo-o», razão pela qual entendeu também «convola[r] o depoimento de parte requerido pela autora a respeito do réu, o qual incidirá sobre os factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo.».

Ora, quem não se conforma com tal entendimento são os RR., não aceitando essa “consunção” de provas, antes vendo na perspetiva do tribunal uma violação do direito à prova que assiste às partes.

Apreciando, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que assiste razão aos RR./Recorrentes.

Com efeito, mais do que uma questão de “latitude”/amplitude – a maior ou menor amplitude de objeto depende, logicamente, do que for requerido e/ou determinado pelo juiz (cfr. art.º 452.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv., quanto ao depoimento de parte) e do que for impetrado pela parte que pretende prestar declarações de parte (art.º 466.º do mesmo Cód.), tendo em contra a matéria factual concretamente decidenda –, o que realmente releva, neste âmbito, é a natureza e, bem assim, os efeitos de cada uma destas modalidades de prova, mormente a especificidade (e especialidade) da prova por depoimento de parte.

Vejamos.

Tendo isso em conta, já se defendeu nesta Relação:

«1. - Destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, a qual se traduz no reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece a parte confitente e beneficia a contraparte, só podem ser objeto de tal prova factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.

2. - O depoente de parte, prestando juramento, fica sujeito ao dever de verdade, depondo com precisão e clareza, perante o tribunal, com redução a escrito do conteúdo confessório, incumbindo a respetiva redação ao juiz, razão pela qual não deverá haver margem para dúvidas quanto ao sentido e âmbito/alcance da confissão, a qual, devendo ser inequívoca, assume força probatória plena contra o confitente.

3. - Por isso, na ordem de produção das provas em audiência final, deve começar-se pela prestação dos depoimentos de parte, só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.

4. - Obtida tal confissão, ficando o facto provado em plenitude, não há lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo a proibição de prova testemunhal.

(…).» [...]

Citámos o sumário do Ac. TRC de 24/09/2024 (Proc. 1436/19.9T8VIS.C1 (relatado pelo aqui relator e em que foi adjunto o aqui 2.º Adj.), disponível em www.dgsi.pt.), aresto onde se explicita – na respetiva fundamentação – que, «obtida essa prova qualificada – com força probatória cabal –, o facto fica, obviamente, provado em plenitude, não havendo lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo, desde logo, a proibição de prova testemunhal (como referido no art.º 393.º, n.º 2, do CCiv., não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado, seja por documento, seja por outro meio com força probatória plena).».

Bem diversa é a prova por declarações de parte, em que é a própria parte a requerer que seja admitida a prestar declarações, comummente sobre factos que ela mesma alegou, que a favorecem e, outrossim, para os afirmar/confirmar (como no caso, em que a A. requereu a sua admissão a prestar tais declarações quanto aos factos “dos artigos 1 a 9 da petição inicial”).

Bem se compreende, pois, que esta prova, longe de um “meio com força probatória plena” (como a confissão judicial, obtida em depoimento de parte), deva ser apreciada livremente pelo Tribunal – salvo a situação incomum de constituir confissão –, nos termos do disposto no art.º 466.º, n.º 3, do NCPCiv., e careça, normalmente, como vem entendendo a jurisprudência maioritária, de outros meios de prova corroborantes (idóneos/confirmadores).

Assim sendo, claro se torna que a prova por depoimento de parte, enquanto prova prioritária, não poderá ser subalternizada à prova por declarações de parte, não sendo, na verdade, aceitável, a dita ideia de “consunção” de provas, a que se reportava a decisão recorrida e com que os Apelantes se não conformaram.

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, deve proceder a apelação nesta parte, com revogação da recorrida decisão de rejeição do depoimento de parte, admitindo-se, ao invés, a prova por depoimento de parte (da A.), tal como requerida pelos RR., destinada à obtenção de confissão (nos termos dos art.ºs 352.º e segs. do CCiv.)."

[MTS]