"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/12/2025

Jurisprudência 2025 (51)


Execução para prestação de facto;
prestação pelo executado


1. O sumário de RP 25/3/2025 (13702/22.1T8PRT.P1-A) é o seguinte:

I – Na execução para prestação de facto, estando o prazo da prestação previsto no título executivo, não há lugar à fixação de novo prazo para o efeito nem à citação ou notificação do executado para prestar ele próprio o facto exequendo, sem prejuízo de este poder fazê-lo nos 20 dias posteriores à sua citação para os termos da execução e de, não podendo completar-se nesse prazo a prestação já iniciada, dever ponderar-se a suspensão da instância pelo tempo necessário, depois de ouvidas as partes.

II – O caso julgado incide sobre a decisão enquanto conclusão de determinados fundamentos, apenas atingindo estes fundamentos, de facto ou de direito, enquanto pressupostos daquela decisão.

III – A realização da prestação por outrem pode ser feita com custeamento prévio (cfr. artigo 870.º do CPC) ou com custeamento posterior (cfr. artigo 871.º do CPC).

IV – No primeiro caso, a economia processual impõe que a indemnização moratória que tenha sido pedida seja liquidada e o paga em cumulação com a liquidação e o pagamento do custo das obras.
 

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A primeira questão suscitada pela recorrente consiste em saber se, antes de ter determinado a conversão da execução para prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, o tribunal a quo devia ter determinado a prestação do facto pelo executado.

Vejamos o regime legal.

Nos termos do disposto no artigo 868.º, n.º 1, do CPC, se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo.

Resulta desta norma que, ao propor a execução para prestação de facto positivo, fungível e com prazo certo, o exequente deve optar entre:

a) A prestação do facto por outrem (execução específica), podendo cumular este pedido com a indemnização moratória a que tenha direito; ou
b) A indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação (execução sucedânea).

Alguns autores consideram que esta norma não concede ao exequente a possibilidade de optar livremente entre a execução específica (eventualmente cumulada com a indemnização moratória) e a execução sucedânea, defendendo que a primeira está reservada para os casos de mora e a segunda para os casos de incumprimento definitivo. Sobre esta questão vide Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pp. 1014 e 1015.

Se estiver em causa a prestação de um facto infungível, o exequente terá naturalmente de optar pela indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação, podendo também requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos da parte final da norma em análise.

Em qualquer dos casos, o devedor é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, conforme previsto no n.º 2, do mesmo artigo 868.º.

Não sendo deduzida oposição à execução ou sendo a oposição que suspendeu a execução julgada improcedente, a tramitação subsequente depende da opção inicial tomada pelo exequente.

Se este pretender a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação, o artigo 869.º do CPC manda observar o disposto no artigo 867.º do mesmo código, ou seja, a execução para prestação de facto é convertida numa execução para pagamento de quantia certa, cabendo ao exequente deduzir o incidente de liquidação do valor do dano sofrido, de acordo com o preceituado nos artigos 358.º, 360.º e 716.º do CPC, com as necessárias adaptações. Definido o valor da indemnização, a execução prossegue com a penhora dos bens necessários ao respectivo pagamento e com os demais termos da execução para pagamento de quantia certa.

Se o exequente optar pela prestação do facto por outrem, requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação, observando-se os demais termos previstos nos artigos 870.º a 873.º do CPC. Assim, também neste caso a execução prossegue como execução para pagamento de quantia certa, tendo em vista obter o valor necessário ao pagamento do custo da prestação. A diligência pericial destinada a definir este valor deve decorrer com observância do princípio do contraditório (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª ed., Almedina, 2022, p. 315, citando no mesmo sentido Lebre de Freitas). Sendo esta a opção, o exequente pode ainda pedir uma indemnização moratória.

O que a lei não prevê, em nenhuma destes casos, é a citação ou notificação do executado para prestar, ele próprio, o facto que não prestou no prazo previsto no título executivo.

Tal citação está apenas prevista quando o prazo para a prestação não está determinado no título executivo, caso em que o exequente indica logo no requerimento executivo o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente, seguindo-se os demais termos previstos nos artigos 874.º e 875.º do CPC.

O que se pode discutir – e tem sido discutido – é se o executado ainda pode prestar o facto e até que momento o pode fazer. A este respeito, Abrantes Geraldes e outros (ob. cit., p. 314) escrevem o seguinte:

«Apesar da controvérsia doutrinal, é de admitir que, na sequência da citação, o executado ainda cumpra a prestação de facto (fungível ou infungível) a que estava adstrito. Por um lado, se o exequente requereu a prestação por outrem, não se vê razão para negar tal possibilidade ao próprio devedor, mais a mais se isso ocorrer dentro dos 20 dias subsequentes à citação. No caso de o cumprimento, embora iniciado, não poder completar-se nesse período, será de equacionar a possibilidade de o juiz, mediante audição das partes, decretar a suspensão da instância pelo tempo necessário, na condição de o executado cumprir o que restar da prestação, sob pena de cessar a suspensão.

(…) Por outro lado, quando o exequente tenha optado pela indemnização compensatória, sem que tenha sido resolvido o contrato, sendo a prestação ainda possível, será igualmente de admitir a realização da prestação pelo executado nos 20 dias seguintes à sua citação. Fora desse estrito quadro, isto é, se o cumprimento, ainda que iniciado, extravasar esse limite, a eventual suspensão da instância, nos termos acima equacionados, deverá depender da aceitação do exequente».

Entendimento semelhante é preconizado por Rui Pinto (cit., p. 1017) escreve o seguinte:

«No mesmo prazo de 20 dias o executado pode cumprir a prestação, como dissemos. Esse facto deve ser atestado pelo agente de execução.
CASTRO MENDES, e bem, defendia que se o cumprimento da prestação exigir prazo superior a estes 20 dias e “o executado se mostrar seriamente pronto a realizá-la” existe motivo justificado para suspensão da instância executiva ao abrigo do artigo 279° n°1, atual artigo 272° n° 1 in fine. Tal solução continua a ser a correta, cabendo ao juiz aferir se pode ou não a execução ser suspensa. Pode é discutir-se se o exequente deve dar a sua concordância a essa suspensão, quando não seja ele a requerê-la».

Mas, repete-se, a lei não impõe nem permite que o tribunal convide o executado a prestar o facto ou lhe fixe novo prazo para o efeito antes de o processo prosseguir como execução para pagamento de quantia certa."

[MTS]