1. O sumário de STJ 13/3/2025 (413/14.0IDBRG-BLG1.S1) é o seguinte:
I – Não é aplicável ao prazo de dedução de embargos de terceiro, previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC, o regime do artigo 125.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil ou o da segunda parte do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo diploma quando for menor de idade aquele cuja posse ou direito é ofendido por um acto judicial de apreensão ou entrega de bens.
II - Quando um acto judicial de apreensão de bens ofender a posse ou um direito de que seja titular um menor, é na pessoa do seu representante ou dos seus representantes que deve verificar-se o conhecimento da ofensa.
O arresto do imóvel e das contas foi decretado em 26-11-2016. Em 30-01-2017 foi levantado o arresto do imóvel. Porém, esta decisão foi revogada pelo acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, acima referido.
Cerca de 6 anos e 4 meses após o arresto das contas (laborando no pressuposto que a indicada pelo recorrente está incluída entre as arrestadas) e cerca de 5 anos e 6 meses após o trânsito em julgado do acórdão da Relação que manteve o arresto da fracção urbana, o ora recorrente vem opor-se a tal medida cautelar mediante embargos de terceiro. A decisão da 1.ª instância e a Relação rejeitaram liminarmente a oposição, com o fundamento de que não havia sido apresentada no prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC. As razões do acórdão foram as seguintes:
• A parte final do n.º 1 do artigo 320.º do CC não era aplicável ao caso por o prazo para a dedução de embargos ser um prazo de caducidade, não estando prevista na lei qualquer prazo de extensão desse prazo, nomeadamente através da remissão para o regime da prescrição, designadamente para a parte final do n.º 1 do artigo 320.º do Código Civil;
• Era irrelevante a circunstância de o arresto ter sido ocultado ao embargante pelos pais, pois aquando do arresto, sendo o ora embargante menor, a sua representação cabia aos seus pais;
• Os pais do autor podiam, em representação deste, por acordo, ter deduzido embargos de terceiro, com os fundamentos expostos na petição inicial dos presentes autos;
• Caso não houvesse acordo, deveriam ter solicitado ao tribunal a resolução do conflito, nos termos do disposto no art.º 18º do C. P. Civil, ou do art.º 12º do regime processual anterior;
• Deste modo, o autor, durante a menoridade, poderia ter exercido os seus eventuais direitos por intermédio dos seus legais representantes, mas tal não aconteceu;
• Assim, à data da interposição dos presentes embargos, o prazo estabelecido no art.º 344º, nº 2, do C. P. Civil há muito tinha decorrido, pois iniciou-se com o conhecimento da eventual ofensa do direito do autor por parte dos pais deste, seus legais representantes (o que não é posto em causa por este, apenas pretendendo a extensão desse prazo para além da sua maioridade).
O recorrente sustenta que os embargos foram deduzidos em tempo com a seguinte linha argumentativa:
• O prazo para deduzir embargos em situação como a dos autos – embargos deduzidos por quem era de menoridade quando se deu a ofensa dos seus direitos – não está previsto na lei, devendo aplicar-se por analogia ou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do CC ou a parte final do n.º 1 do artigo 320.º do Código Civil;
• Não aproveita ao recorrente a oposição deduzida ao arresto pelo seu pai, BB, e não estavam reunidas as condições para o seu pai, arguido, se opor ao arresto em representação dele, recorrente, durante a sua menoridade.
Ao chamar à resolução da questão do prazo para a dedução dos embargos de terceiro o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Civil e a segunda parte do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo diploma, o recorrente argumenta como se o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC não se aplicasse aos embargos de terceiro quando aquele, cuja posse ou outro direito tivessem sido ofendidos, fosse menor à data da ofensa. Nesta situação – que constituiria uma lacuna da lei – havia de aplicar-se por analogia o artigo 125.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, ou a parte final do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo diploma. Noutra formulação pode dizer-se que, na tese do recorrente, o prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC aplica-se apenas aos embargos deduzidos por aquele que, tendo sido ofendido nos seus direitos, por um acto judicial de apreensão, fosse maior na data de tal ofensa. A aplicação por analogia dos mencionados preceitos significava que o menor podia deduzir embargos de terceiro no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou emancipação (aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do CC) ou que o prazo de 30 dias, previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC, não se completaria sem ter decorrido um ano a partir do termo da menoridade.
A alegação do recorrente não colhe contra o acórdão recorrido.
Em primeiro lugar, não colhe o argumento de que o prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC aplica-se apenas aos embargos deduzidos por aquele que, tendo sido ofendido nos direitos por um acto judicial de apreensão de bens, é maior na data de tal ofensa. Com efeito, esta interpretação não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, razão pela qual, por força do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete.
O n.º 2 do artigo 344.º do Código de Processo Civil é de interpretar no sentido de que o prazo de 30 dias nele previsto tanto se aplica aos embargos de terceiro deduzidos por quem era maior quando viu a sua posse ou qualquer outro direito ofendido por um acto judicial de apreensão ou entrega de bens como por quem era menor à data de tal ofensa. Deste modo, é de afirmar que a situação dos autos não configura qualquer lacuna que justifique o chamamento, à resolução do caso, dos preceitos indicados pelo recorrente. A lacuna pressupõe que a lei não preveja nem regule uma determinada situação (n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil) e, como se escreveu atrás, o n.º 2 do artigo 344.º do CPC também se aplica à dedução de embargos em casos como o dos autos.
Em segundo lugar, contra a aplicação, ao prazo de dedução de embargos de terceiro, da alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Civil e da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 320.º do mesmo depõe o regime do prazo previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC. Vejamos.
O regime deste prazo é o regime dos prazos processuais, pois decorre do n.º 4 do artigo 138.º do CPC que os prazos para a propositura de acções previstos no Código de Processo Civil – entre os quais figura o prazo em questão nos autos - seguem o regime dos prazos processuais.
Considerando a dicotomia prazo dilatório/prazo peremptório, o prazo para a dedução de embargos reveste esta última natureza. Tal significa, segundo o n.º 3 do artigo 139.º do CPC, que o decurso dele extingue o direito de praticar o acto.
Assim, decorrido o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 344.º do CPC, extingue-se o direito de deduzir embargos de terceiro. Extinção que não obsta, no entanto, a que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida (artigo 346.º do CPC).
Em terceiro lugar, a menoridade daquele que vê os seus direitos ofendidos por um acto de apreensão judicial de bens tem apenas as seguintes implicações:
• O menor só pode estar em juízo por intermédio dos seus representantes (1.ª parte do n.º 1 do artigo 16.º do CPC), visto que a oposição ao arresto, mediante embargos de terceiro, não integra os actos que o menor pode exercer pessoal e livremente. Estes são os previstos no n.º 1 do artigo 127.º do Código Civil e não abrangem a oposição mediante embargos de terceiro;
• É nos representantes – e não no menor - que deve verificar-se o conhecimento do acto ofensivo, pois de acordo com o n.º 1 do artigo 259.º do CC, aplicável aos actos jurídicos por remissão do artigo 295.º do mesmo diploma, é na pessoa do representante que deve verificar-se o conhecimento ou a ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio/acto jurídico.
Os representantes do ora recorrente eram os seus pais (1.ª parte do n.º 1 do artigo 124.º do Código Civil), sendo a eles que cabia deduzir, em representação dele, recorrente, oposição ao arresto dos bens e era, em relação a eles, que se colocava a questão do conhecimento do arresto.
Contra este entendimento não vale a alegação de que o pai do ora recorrente não o podia representar, visto que era arguido no processo onde foi decretado o arresto, não podendo assumir a posição, no processo, de requerido e de requerente.
Em primeiro lugar, esta circunstância não impedia o pai do ora recorrente de representar o filho, em juízo, nos embargos de terceiro, pois o lado passivo deste procedimento estava assegurado pelo Ministério Público, entidade que havia requerido o arresto.
Em segundo lugar, mesmo laborando na hipótese em que labora o recorrente, este continuava a ter representante, a sua mãe. Em tal hipótese, havia que interpretar com as devidas adaptações o n.º 2 do artigo 16.º do CPC, segundo o qual os menores cujo exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os pais, são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de ambos para a propositura de acção. E a interpretação com as devidas adaptações significava que os embargos podiam ser interpostos pelo progenitor que não estava impedido de o fazer. Com efeito, não fazia sentido, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico, dizer-se que o pai do ora recorrente não podia intervir como seu representante nos embargos de terceiro e dizer-se ao mesmo que o menor apenas podia estar em juízo por intermédio de ambos os pais.
Segue-se do exposto que não merece qualquer censura o acórdão recorrido ao afirmar que, à data da interposição dos presentes embargos, o prazo estabelecido no art.º 344.º, n.º 2 do C. P. Civil há muito tinha decorrido, pois iniciou-se com o conhecimento da alegada ofensa dos direitos do recorrente por parte dos pais deste, seus legais representantes."
[MTS]