Legitimidade para recorrer;
terceiros
I. O sumário de RP 25/2/2025 (19860/15.4T8PRT-B.P1) é o seguinte:
1 - As questões a apreciar na sentença e os limites da factualidade a considerar para o efeito não derivam dos termos em que foram definidos o objecto do litígio e elencados os temas de prova, mas antes da causa de pedir invocada pelo autor e das excepções arguidas pelo réu.2 – O prazo de 30 dias fixado para a dedução de embargos de terceiro conta-se de qualquer facto em função do qual resulte a convicção de que o embargante tomou conhecimento da virtualidade de um acto (v.g. uma penhora) ofender o direito de propriedade ou a posse que se apresenta a invocar nos próprios autos de embargos de terceiro.3 – A interposição de um recurso por quem não é parte na causa exige a demonstração de que a decisão recorrida lhe determina um prejuízo directo e efectivo, requisito que não se preenche com a alegação de eventuais efeitos numa outra acção entre as mesmas partes, mas que não resultarão da decisão recorrida, ou com a alegação da afectação da honra e consideração de um dos intervenientes na causa, em função da apreciação da sua intervenção em alguns actos jurídicos relativamente aos quais a decisão recorrida nada dispôs.4 – O conhecimento das questões suscitadas por via do expediente de ampliação do objecto do recurso, utilizado pela parte vencedora para a eventualidade de reversão da decisão recorrida, fica prejudicado no caso de confirmação deste decisão.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Como resulta do disposto no art. 641º, nº 5 do CPC, a admissão do recurso pelo tribunal recorrido, que pressupôs, embora sem qualquer justificação, a legitimidade dos recorrentes, não vincula este tribunal de recurso.
Por outro lado, a necessidade de decisão sobre tal legitimidade, como pressuposto processual deste recurso, foi expressamente assumida pelos recorrentes, pelo que a respectiva apreciação nesta fase se impõe, não exigindo qualquer audiência ou contraditório complementares.
Cumpre pois, decidir da respectiva legitimidade.
Como cada um destes recorrentes reconhece, nenhum deles é parte na execução, nem nos embargos de terceiro que àquela foram apensos. Invocam, todavia, a sua legitimidade, à luz do art. 631º, nº 2 do CPC.
Dispõe esta norma: “As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.”
A legitimidade conferida por esta disposição legal exige, assim, um prejuízo directo e efectivo para aquele que se apresenta a recorrer.
No caso, a decisão em recurso e que, como supra se concluiu, haverá de ser mantida é a da improcedência dos embargos, por extemporaneidade. Como acima já se referiu, a factualidade ali apreciada actua apenas como premissa menor da conclusão pela intempestividade dos embargos, não resultando em qualquer outra conclusão, designadamente sobre a definição da composição da fracção G, sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o que seja a composição dessa fracção G, sobre a eventual distinção entre a fracção G e o prédio descrito sob o nº ..., inscrito na matriz sob o art. ..., antigo ....
Face à conclusão pela caducidade dos embargos, a decisão não teve a virtualidade que lhe poderia advir do disposto no art. 349º do CPC: a constituição de caso julgado sobre a decisão da existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou pelas embargadas, isto é, a exequente A..., S.A. e a executada B..., S.A.
Este resultado bem se compreende, pois que a conclusão pela caducidade dos embargos, que determinou a sua improcedência, é incompatível com a prolação de decisões sobre aquele que seria o seu objecto, se houvessem de prosseguir.
Assim, no caso, a decisão da caducidade dos embargos teve por efeito que não se pudesse ou houvesse de decidir, como seria própria de uma decisão de mérito que houvesse de ser proferida, sobre a composição da fracção G, sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o que seja a composição dessa fracção G, sobre a eventual distinção entre a fracção G e o prédio descrito sob o nº ..., inscrito na matriz sob o art. ..., antigo ....
Da mesma forma, a factualidade apreciada em sede de discussão da causa foi-o apenas em ordem à conclusão sobre a definição do momento em que o embargante teve conhecimento de que a penhora efectuada sobre a fracção G era apta a conflituar com os direitos que invoca sobre os imóveis a que referiu o pedido dos embargos.
Assim, tal apreciação jamais poderá assumir autoridade de caso julgado num outro processo em que intervenha qualquer das partes nestes autos, quanto à definição daqueles elementos a composição da fracção G, sobre a titularidade do direito de propriedade sobre o que seja a composição dessa fracção G, sobre a eventual distinção entre a fracção G e o prédio descrito sob o nº ..., inscrito na matriz sob o art. ..., antigo ....
E isso não acontecerá, obviamente, no âmbito do processo n.º 3597/23.3T8CSC, acção interposta pelo Embargante contra a aqui D..., S.A. e a B..., S.A., no Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 2, para reconhecimento de direito de propriedade.
Com efeito, não sendo a D..., S.A. parte nestes autos de embargos, jamais lhe poderá ser oposta, nessa acção, a autoridade de caso julgado de qualquer segmento da decisão aqui proferida, designadamente o relativo à decisão sobre qualquer dos factos julgados positiva e negativamente.
E isso, adianta-se desde já, acontece de igual forma mesmo em relação à B..., S.A., que nestes autos figura como embargada, pois que, como já se referiu, a apreciação da factualidade em discussão serviu apenas de instrumento para a aferição do conhecimento, pelo embargante, do momento do acto conflituante com os direitos que aqui pretendia exercer.
Significa isto, nesta sede, que não pode admitir-se que a D..., S.A. tenha um interesse directo e efectivo que se mostre prejudicado pela decisão recorrida. Note-se que, para tal efeito, a referência é a decisão efectivamente proferida e não aquela que, numa outra hipótese, poderia ter sido proferida.
Por conseguinte, não pode reconhecer-se à D..., S.A. legitimidade para recorrer da decisão proferida em 1ª instância, à luz do disposto no art. 631º, nº 2 do CPC, pois que a mesma nenhum prejuízo directo e efectivo provoca na sua esfera patrimonial.
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A mesma conclusão, embora por diferente ordem de razões, se tem de dirigir à questão da legitimidade do recorrente CC.
Afirma este recorrente ser legal representante da embargada B..., S.A., tendo sido interveniente na escritura de constituição de propriedade horizontal de que resultou a referida fracção G. E entende que a decisão recorrida acaba por lhe imputar a prestação de falsas declarações, pondo em causa o seu bom nome, honra e consideração.
Essa sua interpretação, mesmo que se admitisse ser a correcta perante os termos do processo, tendo então o tribunal acolhido uma versão diferente daquela defendida pela B... e por si narrada, jamais facultaria que se lhe reconhecesse que a decisão, por esse motivo, lhe acarreta um prejuízo directo e efectivo, relevante para efeitos do disposto no nº 2 do art. 631º do CPC.
Como se refere no Ac. do STJ de 15/12/2011 (proc. nº 767/06.2TVYVNG.P1.S1, em jurisprudência.pt), “O prejuízo, que é pressuposto da legitimidade ad recursum de terceiros prejudicados pela decisão, deve ser um prejuízo real, directo, efectivo, não meramente um prejuízo ou dano colateral, reflexo. Se a decisão não causa um prejuízo directo, se não se repercute de forma nuclear, afectando o património físico ou moral do recorrente, mas antes de modo reflexo lhe puder causar dano, esse terceiro não pode recorrer da decisão por falta de legitimidade.”
No caso, a decisão de improcedência dos embargos, nem no seu efeito, nem nos seus pressupostos, contém a virtualidade de determinar qualquer efeito na esfera jurídica de CC. E a sua percepção de que foi afectado o seu bom nome, honra e consideração, de forma alguma tendo constituído elemento do dispositivo da decisão ou sequer dos seus pressupostos, de forma alguma pode configurar um tal prejuízo efectivo e directo.
Por conseguinte, também quanto a ele, por não verificação do pressuposto previsto no nº 2 do art. 631º do CPC, cabe rejeitar o recurso, por falta de legitimidade.
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Pelo exposto, considerando o disposto no nº 2 do art. 631º do CPC e a ausência de qualquer prejuízo efectivo e directo, resultante da decisão de improcedência dos embargos de terceiro em virtude da caducidade do direito de os interpor, na esfera jurídica de CC e D..., S.A., rejeita-se, por ilegitimidade, o recurso de apelação por ambos interposto."
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