"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/12/2025

Jurisprudência 2025 (56)


Incidente de liquidação;
poder inquisitório


I. O sumário de RL 27/2/2025 (2471/11.0YYLSB-G.L1-8) é o seguinte:

1. A sentença é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615/1-d) do CPC quando, apesar da referência à questão no relatório da sentença e a matéria elencar os factos não provados, o juiz a quo não aprecia a questão em termos jurídicos, ou seja, não subsume aqueles factos ao direito, para depois concluir pela procedência ou improcedência do pedido. Só assim se aprecia a questão jurídica inerente ao pedido formulado. O que não foi feito.

2. No incidente de liquidação sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411, ordenando designadamente a produção de novos meios de prova (mormente, pericial), nos termos do artigo 380/4 do CPC de 1961. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566/3 do Código Civil.

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"- O dever de investigação oficiosa do juiz no incidente de liquidação

Em sede de impugnação da matéria de facto, alega ainda a recorrente exequente que o Tribunal a quo, a ter considerado insuficiente a prova produzida deveria ter complementado tal prova por indagação oficiosa, ordenando designadamente a produção de prova pericial nos termos do artigo 380/4 do CPC.

Apreciemos.

Dispõe este artigo 380/4 do antigo CPC (que corresponde ao atual artigo 360/4 do CPC) que:

“4. Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la por indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.

Tal como escrevem Abrantes Geraldes e Outros, in CPC Anotado, I, Almedina, 2018, p. 416 e 417, «(…) o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação. Seria, de resto, um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo».

Ainda o STJ, no acórdão de 16.12.2021, in www.dgsi.pt, entendeu que «II. A liquidação da sentença destina-se, tão somente, a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas respeitando sempre (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, a liquidação tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença, não podendo contrariar esse julgado, nomeadamente, corrigindo-o. III. O incidente de liquidação não pode culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Sendo que, neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo. IV. Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida em tal incidente for insuficiente para fixar a quantia devida, deverá o juiz, como última ratio, recorrer à equidade a fim de se lograr fixar aquele quantitativo».

Daí que, de acordo com o disposto no atual artigo 360/4 do CPC, o juiz deva completar oficiosamente a prova produzida pelos litigantes, quando esta se revelar insuficiente, determinando, nomeadamente, a realização de prova pericial, se esta for viável (cfr., ainda, art.º 411.º do CPC).

E, se mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida for insuficiente para fixar a quantia devida, o juiz deverá proceder à sua fixação recorrendo, em última ratio, à equidade (art.º 566.º, n.º 3 do CC)” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de dezembro de 2023, relator Rui Oliveira).

Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, I, Almedina, 2021, p. 711, «sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411º, ordenando designadamente a produção de prova pericial, nos termos do artigo 477º. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil».

O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que no incidente de liquidação, o requerente não está onerado com qualquer ónus de prova (embora lhe incumba levar ao processo todos os elementos relevantes na quantificação dos danos), incumbindo ao juiz, oficiosamente, completar as provas oferecidas pelos litigantes (artigo 360.º, n.º 4, do CPC) (cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 09.01.2019, in www.dgsi.pt).

Tem razão a recorrente exequente.

No caso em apreço, e perante os diversos valores referidos pelas testemunhas, as dúvidas suscitadas ao juiz a quo relativamente ao valor probatório do documento (estimativa) cujos resultados assentam em elementos fornecidos pela exequente - e que se desconhece quais são em concreto -, cabia ao juiz de 1.ª instância, ao abrigo do princípio do inquisitório e do disposto no artigo 360/4 do CPC providenciar pela realização de diligências de prova que lhe permitissem o dissipar das dúvidas relativamente à factualidade que optou por dar como não provada. Não está ainda esgotada a possibilidade de determinar, com a maior precisão possível, os valores em causa, através da produção de novos meios de prova (mormente, pericial). E produzida a prova caberá ao tribunal a quo prolatar nova sentença (que, no limite, decida, com base na equidade).

O que não pode suceder é o juiz julgar improcedente, sem mais, o incidente de liquidação.

Procede, nesta parte, o recurso interposto, devendo a sentença recorrida ser anulada e os autos prosseguir na 1.ª instância com a produção de novos meios (mormente, pericial) sobre os factos dos pontos I, II e III que a sentença considerou não provados, culminando com a prolação de nova sentença que, no limite, decida com base na equidade."

[MTS]