"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/12/2020

Jurisprudência constitucional (190)


Decisão sumária;
relator; suspeição


Na fundamentação de TC 9/12/2020 (712/2020) escreveu-se o seguinte:

"4. Dispõe o artigo 29.º, n.º 1, da LTC, que é aplicável aos juízes do Tribunal Constitucional o regime de impedimentos e suspeições dos juízes dos tribunais judiciais, decorrendo do n.º 3 do mesmo preceito que a competência para a decisão do incidente está atribuída ao órgão coletivo competente para a decisão da causa cometida ao Tribunal Constitucional, no caso, à composição plena da 1.ª Secção.

Por força do disposto no artigo 69.º da LTC, a verificação de uma causa de suspeição ou escusa realiza-se ao abrigo do regime estatuído nos artigos 119.º e 120.º do CPC.

Para sustentar a sua pretensão, o requerente invoca, de modo genérico, o artigo 120.º, n.º 1, do CPC, o qual dispõe do seguinte modo:

«a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115.º, em linha reta ou até ao 4.º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal;

b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa;

c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta;

d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes;

e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa;

f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo;

g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários.»

O incidente de suspeição configura-se como um meio excecional de desvio ao princípio do juiz natural ou legal, constitucionalmente consagrado, votado justamente a assegurar a isenção e independência do julgador, pelo que a sua procedência carece da verificação de que ocorreu motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de quem decide, mormente pela ocorrência de uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 120.º do CPC.

O único argumento invocado pelo recusante, como base do seu pedido de suspeição, é o de que recairá sobre o Juiz Conselheiro recusado «desconfiança sobre a sua imparcialidade» caso se admita que o mesmo, tendo proferido no processo decisão sumária «contra o requerente», intervenha, novamente na «veste de relator», no coletivo que decide a reclamação deduzida relativamente a essa decisão sumária. Entende o recorrente que o n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, na interpretação segundo a qual «se permite a intervenção na Conferência para apreciação de reclamação apresentada pelo arguido/recorrente do mesmo Juiz Conselheiro Relator que proferiu a Decisão Sumária novamente na qualidade de Relator é inconstitucional por violação das garantias de defesa dos cidadãos, do processo justo e equitativo consagrado no art.º 32 da Constituição».

Sucede, porém, que tal argumento não se subsume a nenhuma das alíneas da previsão legal invocada pelo recusante como base processual da pretensa suspeição. São, na verdade, as regras processuais legalmente estabelecidas (desde logo, na Lei do Tribunal Constitucional, especificamente no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC), que permitem que um juiz possa intervir num mesmo processo, tomando várias decisões ou nelas participando a títulos vários, sem que isso integre, por si, as previsões do artigo 120.º, n.º 1, do CPC. E, diga-se, tal norma não se afigura violadora da Constituição, designadamente do artigo invocado pelo requerente, como, de resto, foi decidido por este Tribunal no Acórdão n.º 20/2007.

Em face do exposto, resta concluir pelo indeferimento do incidente de suspeição deduzido."

[MTS]