"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



04/12/2020

Jurisprudência 2020 (108)


Acção de despejo;
âmbito de aplicação; interesse processual


1. O sumário de RP 19/5/2020 (1918/18.0T8PVZ.P1) é o seguinte:

No actual regime do arrendamento urbano, os senhorios podem optar livremente pelo meio judicial da acção despejo para obter a resolução do contrato com fundamento em falta de pagamento de renda, designadamente quando pretenderem cumular fundamentos de resolução que não possam operar extrajudicialmente ou quando desconhecerem o paradeiro do arrendatário.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O texto dos citados n.ºs 1 e 2 do artigo 1084.º do CC, conjugado com o disposto no art.º 1080.º do Código Civil – versão original do NRAU (“o disposto nesta subsecção tem natureza imperativa, salvo disposição em contrário”), assim como a redacção do n.º 1 do art.º 14.º do NRAU (“a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo”) podiam inculcar a ideia de que o senhorio não podia recorrer aos tribunais para obter a declaração judicial da resolução do contrato de arrendamento [...].

Porém, tal interpretação da lei deixaria em sérias dificuldades os senhorios nas situações em que não fosse possível interpelar o arrendatário para lhe comunicar a resolução, nomeadamente por se desconhecer o seu paradeiro, assim como nos casos de contratos de arrendamento não reduzidos a escrito (seja contratos de arrendamento anteriores ao NRAU, seja contratos de arrendamento para fins não habitacionais a que fosse fixado prazo de duração não superior a 6 meses – artigos 1069.º, 1094.º, 1095.º e 1110.º n.º 1 do Código Civil). Por outro lado, o próprio legislador concebia a existência de acções em que o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda era exercido por meio de acção declarativa, conforme decorria desde logo, do disposto no n.º 1 do art.º 1048.º do Código Civil – redacção original do NRAU (“o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa ou para a oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º”.). Poderia dizer-se que esta norma, incluída na parte geral do regime da locação, era excluída pelo regime especial previsto pelo arrendamento urbano: ficaria, contudo, por explicar porque razão o senhorio do arrendamento urbano era tratado com desfavor em relação a outros locadores. De resto, mesmo no âmbito de normas atinentes ao arrendamento urbano, o legislador previa e sub-entendia como admissível a propositura de acções de resolução do contrato de arrendamento fundadas na falta de pagamento de renda. Assim, quando o arrendatário procede ao depósito de rendas, estipulava o n.º 2 do art.º 21.º do NRAU (redacção original) que “quando o senhorio pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda, a impugnação [do depósito] deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito ou, estando a acção já pendente, na resposta à contestação ou em articulado específico, apresentado no prazo de 10 dias contados da comunicação em causa, sempre que esta ocorra depois da contestação.”

Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 34/X, que deu origem ao NRAU (D.A.R. II série-A, n.º 47, de 07.09.2005, pág. 57 e seguintes), escreve-se, a propósito de normas propostas de conteúdo idêntico às que foram aprovadas, que “o regime jurídico mantém a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. As partes devem pautar-se pelo princípio da boa fé no cumprimento das suas obrigações, dando um sinal ao mercado de que o arrendatário deve primar pelo pontual cumprimento das obrigações, prevendo-se expressamente que é sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora no pagamento da renda superior a três meses, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública. (…) A almejada agilização da actual acção de despejo passa pela separação entre a fase declarativa e executiva, através da alteração de algumas normas do Código de Processo Civil (CPC). (…). Tendo em vista aligeirar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, por exemplo, nos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por revogação das partes, por caducidade por decurso do prazo ou por oposição à renovação. De igual modo, nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a três meses, ou devido a oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, se o senhorio proceder à notificação judicial do arrendatário, ou à sua notificação através de contacto pessoal pelo advogado ou solicitador de execução, e o arrendatário mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial.”

Pese embora a almejada preocupação de agilização processual, não se surpreendia na exposição de motivos a intenção de retirar ao senhorio a possibilidade de, facultativamente, buscar junto dos tribunais a extinção do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas. Assim, caberia ao senhorio apreciar qual a via que melhor servia os seus interesses, sendo certo que, para além dos casos gritantes já supra enunciados, o recurso à via judicial seria desde logo mais aconselhável quando se antevisse controvérsia no que concerne à própria caracterização do contrato como sendo de arrendamento, à identificação das respectivas partes, ao montante das rendas devidas, ou quando se pretendesse demandar igualmente o fiador do contrato de arrendamento, prevenindo eventual controvérsia acerca da formação de título executivo contra este (no sentido da necessidade da ação declarativa, vide, v.g., acórdãos da Relação de Lisboa, de 23.10.2007, processo 6397/2007-7 e de 08.11.2007, processo 7685/2007-6; entendendo que o título executivo complexo definido no art.º 15.º n.º 2 do NRAU pode ser utilizado para reclamar rendas também do fiador, v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 12.12.2008, processo 10790/2008-7 e acórdão da Relação de Coimbra, de 21.4.2009, processo 7864/07.5TBLRA-B.C1, todos publicados na internet, dgsi-itij). Acresce ainda, entre outras vantagens do recurso aos tribunais, a possibilidade de por via da citação judicial o senhorio encurtar o prazo então previsto (na redacção original do NRAU) no art.º 1084.º n.º 3 do CC para a purgação da mora (“a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”), uma vez que em sede de acção declarativa as somas devidas e a respectiva indemnização deveriam (e devem) ser prestadas até ao termo do prazo para a contestação (art.º 1048.º n.º 1). Mais relevante ainda, a faculdade da purgação da mora só poder ser exercida uma vez, em fase judicial (n.º 2 do art.º 1048.º), contrariamente ao que, à luz do regime original do NRAU, ocorria em sede extrajudicial.

Por outro lado, nos termos do art.º 930.º-B, n.º 1, al. a), do CPC de 1961, a oposição a execução para entrega de imóvel arrendado que se fundasse em título executivo extrajudicial suspenderia a execução.

O texto do n.º 1 do art.º 14.º do NRAU padeceria, ao fim e ao cabo, da circunstância de ser mera reprodução do texto do n.º 1 do art.º 55.º do RAU.

A imperatividade proclamada no art.º 1080.º do CC não colidiria com a facultatividade do recurso à via extrajudicial para o senhorio resolver o contrato de arrendamento com base na mora no pagamento da renda superior a três meses: a imperatividade nesta matéria, residiria, por exemplo, na impossibilidade de o senhorio renunciar antecipadamente, nomeadamente por meio de cláusula contratual, à possibilidade de resolver extrajudicialmente o contrato por mora no pagamento de rendas.

Assim, o senhorio poderia optar entre o meio extrajudicial e a “ação de despejo” para pôr fim ao contrato de arrendamento, por resolução, aquando de mora do inquilino, superior a três meses, no pagamento da renda.

Esta foi a posição defendida no acórdão supracitado e correspondia à análise de parte da doutrina (cfr., v.g., Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª edição, 2009, Quid Juris, pp. 49, 50, 69, nota 4, 409 a 413; Fernando Gravato de Morais, Novo regime do arrendamento comercial, 3.ª edição, 2011, Almedina, pp. 249 a 258 e Cadernos de Direito Privado, n.º 22, Abril/Junho 2008, pág. 64 e seguintes) e da esmagadora maioria da jurisprudência (v.g., STJ, 06.05.2010, processo 438/08.5YXLSB.LS.S1; Relação de Lisboa, 23.10.2007, processo 6397/2007-7; Relação de Lisboa, 08.11.2007, processo 7685/2007-7; Relação de Lisboa, 25.02.2008, processo 469/2008-7; Relação de Lisboa, 13.03.2008, processo 1154/2008-6; Relação de Lisboa, 31.03.2009, processo 2150/08.6 TBBRR; Relação do Porto, 20.4.2009, processo 0837636; Relação de Lisboa, 28.5.2009, processo 3896/07-2; Relação de Lisboa, 15.12.2009, processo 8909/08.7MSNT.L1; Relação de Lisboa, 11.02.2010, processo 3630/08.9 TMSNT.L1-6; Relação do Porto, 02.03.2010, processo 552/08.7TBPRG.P1).

Com entendimento contrário, na doutrina, cfr. Maria Olinda Garcia, A acção executiva para entrega de imóvel arrendado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 31 e seguintes e Cadernos de Direito Privado, nº 24, Outubro/Dezembro 2008, pág. 72 e seguintes; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento urbano, 3.ª edição, 2007, Almedina, pág. 164, nota 168; Fernando Baptista de Oliveira, A resolução do contrato no novo regime do arrendamento urbano (NRAU), Almedina, 2007, pág. 129 e seguintes; na jurisprudência, acórdão da Relação de Coimbra, 15.4.2008, processo 937/07.6TBGRD.C1; Relação de Guimarães, 30.4.2009, processo 5967/08.8TBBRG.G1. Embora se ressalve a admissão, por defensores da tese restritiva, de situações em que o senhorio se poderia ver forçado a recorrer à acção de despejo, por exemplo, no caso de impossibilidade de notificação do arrendatário, ou de verificação simultânea de outro fundamento resolutivo, nos termos do n.º 2 do art.º 1084.º (cfr. Maria Olinda Garcia, in Cadernos de Direito Privado, n.º 24, cit., pp. 73 e 74).

Se o senhorio resolvesse extrajudicialmente o contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, e, em lugar de instaurar as competentes execuções para entrega de imóvel arrendado e pagamento das rendas e indemnização, instaurasse acção de despejo, ou, afinal, acção de apreciação da cessação do contrato de arrendamento por resolução justificada, eventualmente cumulada com o pedido de condenação do arrendatário no pagamento das rendas em dívida e indemnização e na entrega do locado, poderia, na falta de apresentação de justificação para tal por parte do autor e de contestação pelo arrendatário, ser condenado em custas, nos termos do art.º 449.º, n.º 2,al. c) do CPC de 1961 (neste sentido, Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1099; Laurinda Gemas e outros, ob. cit., p. 49, nota 3).

A Lei n.º 31/2012, de 14.8, que reviu o NRAU, não interferiu nesta polémica (como reconhecem os defensores da tese restritiva - cfr. Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano anotado, regime substantivo e processual (alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), Coimbra Editora, 2013, 2.ª edição, p. 188; Elizabeth Fernandez, “O procedimento especial de despejo (revisitando o interesse processual e testando a compatibilidade constitucional)”, in Julgar, n.º 19, Jan.-Abril 2013, Coimbra Editora, p. 71).

Mas haverá que registar que, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012 ao NRAU, desapareceram algumas das diferenças -entre os meios de operar a resolução do contrato - que favoreciam o recurso à acção de despejo: com a nova redação do art.º 1084.º, foi encurtado para um mês o prazo de purga da mora no caso de comunicação de resolução do contrato por comunicação extrajudicial (n.º 3 do art.º 1084.º) e o arrendatário passou a poder utilizar essa faculdade uma única vez, também nos casos de resolução extrajudicial do arrendamento (n.º 4 do art.º 1084.º e n.º 4 do art.º 1048.º). Por outro lado, a natureza extrajudicial da resolução do arrendamento deixou de conferir efeito suspensivo à oposição à execução para entrega de imóvel arrendado (pois a al. a) do n.º 1 do art.º 930-B do CPC foi revogada). Acresce que, relativamente à comunicação extrajudicial da resolução do contrato de arrendamento, criaram-se novos mecanismos de notificação, que possibilitaram a sua concretização (ainda que presumida), mesmo nos casos de desconhecimento do paradeiro do arrendatário (vide nova redação dos artigos 9.º e 10.º do NRAU).

Porém, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 38/XII, que esteve na origem da Lei n.º 31/2012, não se anunciou nenhum propósito restritivo dos direitos do senhorio nesta matéria, nem se expressou especial motivação no sentido do interesse público de poupança de recursos e de retirada dos litígios de arrendamento para fora dos tribunais.

Veja-se o que ali se contém:

“A reforma do regime do arrendamento urbano que agora se propõe procura encontrar soluções simples, assentes em quatro dimensões essenciais: (i) alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; (ii) revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime; (iii) agilização do procedimento de despejo; e (iv) melhoria do enquadramento fiscal.” (…)

“No que respeita ao regime processual, reconhece-se a necessidade e a premência de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, assim tornando o mercado de arrendamento e o investimento na reabilitação urbana para colocação no mercado de arrendamento uma verdadeira opção para os proprietários e, mais relevantemente ainda, uma opção segura. Esta medida, concretizada mediante a agilização do procedimento de despejo, é fundamental para recuperar a confiança dos proprietários.

Até à presente data, o senhorio tinha de recorrer a um processo de despejo apresentado junto de um tribunal. Mesmo dispondo de um título executivo nos termos previstos na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, verificou-se que o tempo médio de duração da correspondente acção executiva é ainda de dezasseis meses. Tal longa espera, muitas vezes acompanhada pelo não recebimento das rendas, revelou ser um motivo de desincentivo para a colocação de imóveis no mercado do arrendamento pelos proprietários, ou ainda para a elevação do valor da renda como forma de controlo do risco.

Para tornar o arrendamento num contrato mais seguro e com mecanismos que permitam reagir com eficácia ao incumprimento, é criado um novo procedimento extrajudicial que permite que a desocupação do imóvel seja realizada de forma célere e eficaz, num prazo médio estimado de três meses, no caso de incumprimento do contrato por parte do arrendatário.

Promove-se, por esta via, a confiança do senhorio no funcionamento ágil do mercado de arrendamento e o investimento neste sector da economia.”

Concentrando-nos na resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, constata-se que na sequência da revisão do NRAU a lei deixou de atribuir à comunicação da resolução do contrato força de título executivo. A comunicação de resolução do contrato, que passou a admitir, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, a notificação por carta registada com aviso de receção (al. d) do n.º 7 do art. 9.º) passará a instruir o procedimento especial de despejo, instituído pelo NRAU (revisto) no art.º 15.º. Esse documento, acompanhado do contrato de arrentamento (alínea e) do art.º 15.º do NRAU revisto) será apresentado no Balcão Nacional do Arrendamento, juntamente com o requerimento de despejo (n.º 1 do art.º 15.º-B), no qual poderá incluir-se o pedido de pagamento das quantias em dívida (alínea g) do n.º 2 do art.º 15.º-B). O Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) é uma secretaria judicial com competência exclusiva para a tramitação do procedimento especial de despejo em todo o território nacional (art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 1/2013, de 07.01). O BNA procederá à notificação do arrendatário, para desocupar o locado, pagar a quantia que tiver sido pedida, deduzir oposição e ou requerer o diferimento da desocupação do locado (art.º 15.º-D n.º 1 do locado). No caso de não ser deduzida oposição nos termos legais ou de não serem pagas as rendas devidas, na pendência do procedimento especial de despejo, o BNA converterá o requerimento de despejo em título para desocupação do locado (art.º 15.º-E, n.º 1 do RNAU), o qual passará a fundar a realização imediata da diligência de desocupação do locado (n.º 3 do art.º 15.º-E e art.º 15.º-J), com eventual necessidade de prévia autorização judicial, nos casos previstos no art.º 15.º-L.

Se o arrendatário deduzir validamente oposição ao procedimento especial de despejo, os autos serão remetidos à distribuição pelo tribunal competente (n.º 1 do art.º 15.º-H).

Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoarem as peças processuais ou apresentarem novo articulado sempre que tal seja necessário para garantir o contraditório (n.º 2 do art.º 15.º-H). Se o juiz não julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decida logo do mérito da causa, ordenará a notificação das partes da audiência de julgamento (n.º 3 do art.º 15.º-H). Na audiência de julgamento, se se frustar a tentativa de conciliação das partes, produzir-se-ão as provas que ao caso couberem (n.º 4 do art.º 15.º-I), provas essas que serão oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas (n.º 6 do art.º 15.º-I), e devendo a prova pericial ser sempre realizada por um só perito (n.º 7 do art.º 15.º-I). A sentença, que deverá ser logo ditada para a ata (n.º 10 do art.º 15.º-I), no caso de julgar a oposição improcedente, constituirá determinação de desocupação do locado (n.º 1 do art.º 15.º-J).

O procedimento especial de despejo é pois, conforme o define o art.º 15.º n.º 1 do NRAU, um “meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.

Trata-se, seguindo a terminologia de Rui Pinto (obra citada, páginas 1160 e 1169), de um “processo especial sincrético”, isto é, declarativo e executivo, que se inicia com uma fase injuntória a que poderá seguir-se uma fase contenciosa, tendo em vista a formação de um título executivo, prosseguindo, se for o caso, com uma fase executiva, destinada à realização coactiva do direito à entrega do locado.

Deduzida válida oposição ao requerimento de despejo, segue-se a fase contenciosa, que é “uma fase declarativa pura perante um juiz” (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191) e que constitui, pois, um processo declarativo especial, a que se aplicarão, nos termos do art.º 549.º n.º 1 do CPC, no que não estiver especialmente regulado, as regras gerais e comuns do Código do Processo Civil e, se for o caso, as regras do processo comum (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191).

Como se vê, o novo regime não acarreta ou visa, propriamente, poupança de recursos económicos, nem o afastamento dos tribunais: cria novas estruturas, que tenderão a servir com especial eficácia os legítimos interesses dos senhorios, mas sem se prescindir, se for necessário, da intervenção dos tribunais para dirimirem os litígios emergentes do legítimo acautelamento dos interesses dos arrendatários.

Note-se que, apesar de instalada a aludida polémica, o art.º 1048.º manteve a referência genérica à possibilidade de o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ser exercido judicialmente (n.º 1 do artigo), tendo inclusive sido aditado um n.º 4, que tem por objeto o exercício extrajudicial do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda e de aluguer (mencionando este aspeto, vide Laurinda Gemas, “Algumas questões controversas do novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento”, in Revista do CEJ, 2013 – II, p. 32, e Albertina Maria Gomes Pedroso, “A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento”, in Julgar, n.º 19, pp 59 e 60).

Permanece, pois, aberta a via para os senhorios, na livre e independente apreciação dos seus interesses, optarem pelo meio judicial de prossecução da defesa da sua situação jurídica, mesmo no caso de incumprimento da obrigação de pagamento de renda. Desde logo, quando se pretenda a apreciação de cumulativos fundamentos de resolução que não possam operar extrajudicialmente (neste sentido, cfr. Laurinda Gemas, “Algumas questões…”, cit., p. 35 e Albertina Maria Gomes Pedroso, “A resolução do contrato de arrendamento…” cit., p. 61). Ou quando se desconheça o paradeiro do arrendatário, gerando-se a perspetiva de, se o inquilino for pessoa singular e não tiver havido, entre as partes, convenção de domicílio para o efeito das notificações respeitantes ao contrato, não se lograr, segundo um determinado entendimento, a notificação do arrendatário nos termos aparentemente previstos no seio do procedimento especial de despejo (cfr. art.º 15.º-D n.º 3 do NRAU; no sentido de, neste caso, ocorrer um “bloqueio” para o funcionamento do PED, que imporia o recurso ao meio comum da acção de despejo, cfr. Rui Pinto, ob. cit., p. 1182; defendendo que o texto legal contém uma remissão genérica para o regime da convenção de domicílio, pretendida pelo legislador, que determina que esse regime será aplicável mesmo nos casos em que não tenha havido convenção de domicílio – aligeiramento esse justificado pelo facto de que o inquilino já teria conhecimento da cessação do contrato por via da comunicação a que se referem as diferentes alíneas do n.º 2 do art.º 15.º - solução legal que, porém, segundo a autora, poderá suscitar dúvidas quanto à sua constitucionalidade, por eventual ofensa ao princípio da proibição da indefesa, enquanto acepção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, vide Laurinda Gemas, “Algumas questões…”, cit., p. 21).

Defendendo, actualmente, que o procedimento especial de despejo “é apenas um meio processual colocado à disposição do senhorio em alternativa à acção de despejo, pelo que nada o impede de recorrer a essa acção em lugar de instaurar esse procedimento”, não havendo até, nesse enquadramento, lugar à suportação das custas pelo senhorio, nos termos do art. 535.º, n.º 2 c) do CPC, uma vez que o senhorio não dispõe actualmente de qualquer título executivo prévio à acção, só o podendo formar por recurso ao BNA, vide Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8.ª edição, Almedina, p. 206, nota 212.

Dando relevância e operatividade ao interesse processual nesta temática, mas reconhecendo a necessidade de se atender às especificidades de cada caso em concreto, e considerando que é sempre admissível uma acção de despejo fundamentada na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário, devendo o demandante pagar as respectivas custas se já houver título executivo para esse pagamento e o arrendatário não deduzir oposição, vide Miguel Teixeira de Sousa, in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, coordenação de António Menezes Cordeiro, pp. 396 a 399.” (cfr. Ac. da RL de 11-12-2018, proferido no proc. 10901/17.1T8LSB.L1-2, cujo entendimento sufragamos na íntegra. Vejam-se, ainda, os Acs. – da RL de 28-05-2013, proc. 317/12.1T2MFR.L1-1, da RG de 14-05-2015, proc. 406/13.5TBPTL.G1;

De onde, e sem esquecer que a acção foi igualmente proposta contra a fiadora, sermos levados a concluir ser patente que, in casu, não se verifica a invocada falta de interesse em agir."

[MTS]