"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/12/2020

Jurisprudência 2020 (112)


Revisão de sentença estrangeira;
citação do réu


1. O sumário de RC 25/5/2020 (257/19.3YRCR) é o seguinte:

I – Confirmar uma sentença estrangeira, após ter procedido à sua revisão, é reconhecer-lhe no Estado do foro os efeitos que lhe cabem no Estado de origem como acto jurisdicional, nomeadamente efeitos constitutivos relativamente ao estado das pessoas.

II - No nosso regime atual o reconhecimento das sentenças estrangeiras dá-se por via de revisão predominantemente formal, não existindo, em regra, um controlo da boa aplicação do direito pelo tribunal estrangeiro.

III - São requisitos necessários cumulativos para a confirmação da sentença estrangeira os enumerados nas diversas alíneas do art.º 980º do C. P. Civil, podendo o pedido ser impugnado com os fundamentos referidos no art.º 983º do mesmo diploma.

IV - O art.º 980º, e) do C. P. Civil exige como requisito para a revisão da sentença proferida que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país de origem, e quer no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Confirmar uma sentença estrangeira, após ter procedido à sua revisão, é reconhecer-lhe no Estado do foro os efeitos que lhe cabem no Estado de origem como acto jurisdicional, nomeadamente efeitos constitutivos relativamente ao estado das pessoas.

O fundamento do reconhecimento das sentenças estrangeiras reside na necessidade de assegurar a estabilidade e a continuidade das situações jurídicas internacionais, o qual deve também ser perseguido através da consagração de normas de conflito que indiquem pelo método da escolha da conexão mais estreita ou mais significativa o direito material aplicável às situações plurilocalizadas [...].

O direito português admite, desde a Reforma Judiciária de 1837 [...], o princí­pio segundo o qual as sentenças estrangeiras são admitidas a desenvolver na ordem jurídica do foro os efeitos que lhes competem no país de origem, desde que obedeçam a determinados requisitos e condições, devendo para isso, salvo se existir convenção internacional em contrário, serem revistas e confirmadas por tribunal português.

No nosso regime actual o reconhecimento das sentenças estrangeiras dá-se por via de revisão predominantemente formal, não existindo, em regra, um controlo da boa aplicação do direito pelo tribunal estrangeiro.

São requisitos necessários cumulativos para a confirmação da sentença estrangeira os enumerados nas diversas alíneas do art.º 980º do C. P. Civil, podendo o pedido ser impugnado com os fundamentos referidos no art.º 983º do mesmo diploma.

No caso que nos ocupa a questão que nos é colocada é a de apurarmos se estão reunidos os requisitos para a confirmação da sentença proferida pelo Tribunal do Tel Aviv, especialmente se a Ré foi citada para os termos do processo onde foi proferida a decisão cuja revisão é pretendida. [...]

O [...] art.º 980º, e) do C. P. Civil exige como requisito para a revisão da sentença proferida que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país de origem, e quer no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Ora, a Requerida impugnou o pedido deduzido pela Requerente precisamente com o fundamento de que não tinha sido citada para a acção onde foi proferida a decisão revidenda, alegando que a morada constante do documento n.º 4 junto com a p. inicial está incompleta, não constando dela o lote, não foi remetida para a sua sede social, nem refere se foi efectuada por carta registada, concluindo nunca ter tido conhecimento da acção.

Ora, dos factos provados resulta que a carta para citação da Requerida foi enviada para a morada das suas instalações constando da mesma o respectivo lote, sendo essa morada é por si usada em termos de publicidade, nomeadamente digital.

A citação da Requerida terá, conforme decorre do citado preceito, que ter sido efectuada de acordo com a lei do país de origem, que no caso será a vigente em Israel. Ora, sendo Israel, tal como Portugal, parte contratante da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, concluída em Haia, em 15 de Novembro de 1965, a citação deverá respeitar as formalidades nela prescritas.

Não tendo o Estado Português feito qualquer reserva no que respeita as formalidades da citação, aplica-se o disposto no art.º 10º a) daquela Convenção, que dispõe:

Se o Estado destinatário nada declarar, a presente Convenção não obsta à faculdade de remeter directamente, por via postal, actos judiciais às pessoas que se encontrem no estrangeiro.

Decorre da leitura do art.º 15º da referida Convenção que é exigida pelo Estado do foro a prova de que a citação foi efectivamente entregue ao demandado, pelo que a citação por via postal deverá ser feita por carta registada com aviso de recepção, dispondo o mencionado preceito:

Se uma petição inicial ou um acto equivalente foi transmitido para o estrangeiro para citação ou notificação, segundo as disposições da presente Convenção, e o demandado não compareceu, o juiz sobrestará no julgamento enquanto não for determinado:

a) Ou que o acto foi objecto de citação ou de notificação segundo a forma prescrita pela legislação do Estado requerido para a citação ou para a notificação dos actos emitidos neste país e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território;

b) Ou que o acto foi efectivamente entregue ao demandado ou na sua morada segundo um outro processo previsto pela presente Convenção, e que, em cada um destes casos, quer a citação ou notificação, quer a entrega, foi feita em tempo útil para que o demandado tenha podido defender-se.

Pode cada Estado contratante declarar que os seus juízes, não obstante as disposições da alínea primeira, podem julgar, embora não tenha sido recebido qualquer certificado da citação ou notificação, ou da entrega, se se reunirem as seguintes condições:

a) Ter sido o acto transmitido segundo uma das formas previstas pela presente Convenção;

b) Ter decorrido certo prazo desde a data da remessa do acto que o juiz apreciará em cada caso concreto e que não será inferior a seis meses;

c) Não ter sido possível obter qualquer certificado, não obstante todas as diligências necessárias feitas junto das autoridades competentes do Estado requerido.

O presente Artigo não obsta a que, em caso de urgência, o juiz ordene medidas provisórias ou conservatórias.

Está demonstrado que a citação da Requerida para a acção onde foi proferida a decisão revidenda foi efectuada por carta registada com aviso de recepção e foi entregue na morada para onde foi dirigida.

Não coloca em crise a validade da citação o facto da mesma não ter sido, eventualmente, efectuada na sede social da Requerida, pois o que releva é ter chegado ao seu conhecimento, desiderato que é atingido com a sua efectuação na morada comercial.

O argumento utilizado pela Requerida de que da sentença revidenda não consta quem recebeu a citação não apresenta qualquer relevância, porquanto desde que verificada a sua aparente conformidade com a lei, esse elemento não integra qualquer sentença.

Assim, conclui-se pela verificação do requisito constante do art.º 980º, e) do C. P. Civil uma vez que está demonstrada a citação da Requerida, mostrando-se também verificado o requisito previsto na alínea f) do mesmo artigo."

[MTS]