"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/12/2025

 
Época natalícia


Como é habitual, o Blog interrompe as publicações regulares durante a época natalícia. O Blog voltará ao contacto regular com os seus Leitores no início de Janeiro.

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MTS

Jurisprudência 2025 (58)


Prova por depoimento de parte;
prova por declarações de parte


I. O sumário de RC 11/3/2025 (115/24.0T8MGR-A.C1) é o seguinte:

1. - Destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, a qual se traduz no reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece a parte confitente e beneficia a contraparte, só podem ser objeto de tal prova factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.

2. - O depoente de parte, prestando juramento, fica sujeito ao dever de verdade, depondo com precisão e clareza, perante o tribunal, com redução a escrito do conteúdo confessório, incumbindo a respetiva redação ao juiz, razão pela qual não deverá haver margem para dúvidas quanto ao sentido e âmbito/alcance da confissão, a qual, devendo ser inequívoca, assume força probatória plena contra o confitente.

3. - Por isso, na ordem de produção das provas em audiência final, deve começar-se pela prestação dos depoimentos de parte, só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.

4. - Obtida tal confissão, ficando o facto provado em plenitude, não há lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo, desde logo, a proibição de prova testemunhal.

5. - Já a prova por declarações de parte, em que é a própria parte a requerer que seja admitida a prestar declarações, comummente sobre factos que ela mesma alegou, que a favorecem e, bem assim, para os afirmar/confirmar, deve, à míngua de semelhante força probatória, ser apreciada livremente pelo tribunal – salvo a situação incomum de constituir confissão –, carecendo, normalmente, de outros meios de prova corroborantes idóneos.

6. - Assim, a prova por depoimento de parte, enquanto prova prioritária, não pode ser subalternizada à prova por declarações de parte, não sendo aceitável a ideia de “consunção” de provas, de molde a ficar prejudicado o conhecimento do requerimento de prestação de depoimento de parte.

7. - Requerendo a parte a obtenção pelo tribunal de documentos – referentes a pedidos de inscrição matricial e de retificação de área de prédio –, mediante requisição a um serviço de finanças, não lhe basta invocar que os documentos lhe seriam recusados se os pedisse, antes devendo mostrar uma concreta/efetiva recusa para os específicos fins judiciais pretendidos.

8. - Se o tribunal, indeferindo o requerido, deixou, todavia, em aberto a possibilidade de ulterior apreciação em caso de invocação de dificuldades sérias e concretas na obtenção desses documentos, cabia à parte interessada, em vez de recurso imediato, procurar obter, a expensas suas, os documentos, posto que, em caso de recusa, certamente o tribunal não deixaria de os requisitar.


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1. - Da (in)admissibilidade da requerida prova por depoimento de parte da A./Reconvinda

Já se viu qual a natureza dos pedidos formulados, na ação e na reconvenção, tudo girando à volta do pretendido reconhecimento dominial, em termos de propriedade imobiliária, sendo a ação/reconvenção assimilável a uma comum ação de reivindicação [reconhecimento do direito de propriedade e restituição, com demolição de elementos edificados e/ou abstenção – cfr. o pedido reconvencional – da prática de atos que ofendam o peticionado direito de propriedade].

Quanto à prova por depoimento de parte da A./Reconvinda, requerida pelos RR./Reconvintes, o Tribunal recorrido entendeu que a mesma não seria de acolher, por prejudicada: admitindo – como admitiu – a prova por declarações de parte da A., por esta requerida, considerou que, em consequência (“perante a latitude das declarações de parte”), ficava prejudicado/comprometido “o conhecimento do depoimento de parte requerido pelos réus”.

Desenvolvendo este raciocínio, a 1.ª instância ainda expressou que «(…) as declarações de parte têm uma maior latitude do que o depoimento de parte (o qual apenas visa a confissão – cfr. 454.º do Código de Processo Civil e 352.º do Código Civil –), consumindo-o», razão pela qual entendeu também «convola[r] o depoimento de parte requerido pela autora a respeito do réu, o qual incidirá sobre os factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo.».

Ora, quem não se conforma com tal entendimento são os RR., não aceitando essa “consunção” de provas, antes vendo na perspetiva do tribunal uma violação do direito à prova que assiste às partes.

Apreciando, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que assiste razão aos RR./Recorrentes.

Com efeito, mais do que uma questão de “latitude”/amplitude – a maior ou menor amplitude de objeto depende, logicamente, do que for requerido e/ou determinado pelo juiz (cfr. art.º 452.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv., quanto ao depoimento de parte) e do que for impetrado pela parte que pretende prestar declarações de parte (art.º 466.º do mesmo Cód.), tendo em contra a matéria factual concretamente decidenda –, o que realmente releva, neste âmbito, é a natureza e, bem assim, os efeitos de cada uma destas modalidades de prova, mormente a especificidade (e especialidade) da prova por depoimento de parte.

Vejamos.

Tendo isso em conta, já se defendeu nesta Relação:

«1. - Destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, a qual se traduz no reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece a parte confitente e beneficia a contraparte, só podem ser objeto de tal prova factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.

2. - O depoente de parte, prestando juramento, fica sujeito ao dever de verdade, depondo com precisão e clareza, perante o tribunal, com redução a escrito do conteúdo confessório, incumbindo a respetiva redação ao juiz, razão pela qual não deverá haver margem para dúvidas quanto ao sentido e âmbito/alcance da confissão, a qual, devendo ser inequívoca, assume força probatória plena contra o confitente.

3. - Por isso, na ordem de produção das provas em audiência final, deve começar-se pela prestação dos depoimentos de parte, só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.

4. - Obtida tal confissão, ficando o facto provado em plenitude, não há lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo a proibição de prova testemunhal.

(…).» [...]

Citámos o sumário do Ac. TRC de 24/09/2024 (Proc. 1436/19.9T8VIS.C1 (relatado pelo aqui relator e em que foi adjunto o aqui 2.º Adj.), disponível em www.dgsi.pt.), aresto onde se explicita – na respetiva fundamentação – que, «obtida essa prova qualificada – com força probatória cabal –, o facto fica, obviamente, provado em plenitude, não havendo lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo, desde logo, a proibição de prova testemunhal (como referido no art.º 393.º, n.º 2, do CCiv., não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado, seja por documento, seja por outro meio com força probatória plena).».

Bem diversa é a prova por declarações de parte, em que é a própria parte a requerer que seja admitida a prestar declarações, comummente sobre factos que ela mesma alegou, que a favorecem e, outrossim, para os afirmar/confirmar (como no caso, em que a A. requereu a sua admissão a prestar tais declarações quanto aos factos “dos artigos 1 a 9 da petição inicial”).

Bem se compreende, pois, que esta prova, longe de um “meio com força probatória plena” (como a confissão judicial, obtida em depoimento de parte), deva ser apreciada livremente pelo Tribunal – salvo a situação incomum de constituir confissão –, nos termos do disposto no art.º 466.º, n.º 3, do NCPCiv., e careça, normalmente, como vem entendendo a jurisprudência maioritária, de outros meios de prova corroborantes (idóneos/confirmadores).

Assim sendo, claro se torna que a prova por depoimento de parte, enquanto prova prioritária, não poderá ser subalternizada à prova por declarações de parte, não sendo, na verdade, aceitável, a dita ideia de “consunção” de provas, a que se reportava a decisão recorrida e com que os Apelantes se não conformaram.

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, deve proceder a apelação nesta parte, com revogação da recorrida decisão de rejeição do depoimento de parte, admitindo-se, ao invés, a prova por depoimento de parte (da A.), tal como requerida pelos RR., destinada à obtenção de confissão (nos termos dos art.ºs 352.º e segs. do CCiv.)."

[MTS]


18/12/2025

Jurisprudência 2025 (57)


Justo impedimento;
gravidez de mandatária


1. O sumário de RL 27/2/2025 (22908/22.2T8LSB-A.L1-8) é o seguinte:

São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato; que este seja praticado logo que cesse o impedimento, com imediata alegação e indicação da prova. O critério fundamental deixou de ser a imprevisibilidade do evento para se centrar na (não) imputabilidade ou censurabilidade na falta de prática do ato, juízo este que se afere pelo critério do uso de diligência normal, a qual pressupõe que a parte ou o mandatário se encontre com a sua capacidade normal para a prática do mesmo.

Estando a mandatária do A., na data em que é elaborada a notificação do despacho para apresentação da resposta às exceções, impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho, devido a gravidez de alto risco, por ameaça de parto pré termo, o qual veio a ocorrer três dias depois da data em que se presumiria a efetivação da notificação, mantendo-se aquela impossibilidade, em virtude de recuperação do parto até à data em que alegou o justo impedimento, arrolou prova e se apresentou a praticar o ato omitido, mostram-se verificados os requisitos do justo impedimento quer para a receção da referida notificação (e, portanto, ilidida a presunção estabelecida no art.º 248º, nº 1 do CPC, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal) quer para a prática do ato.

2, Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).

Assim, a questão a decidir consiste em aferir se ocorre apresentação extemporânea da resposta às exceções determinante do seu desentranhamento, por não se verificarem os requisitos do justo impedimento.

As apelantes pugnam para que seja revogado o despacho recorrido por, no seu entendimento, se não verificar justo impedimento.

Na conclusão A) do recurso alegam que o justo impedimento deve ser invocado apenas durante o prazo para a prática do ato omitido. Em abono da sua tese citam o acórdão da Relação do Porto de 22/02/2021, proc. n.º 1568/20.0T8VNG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.

O trecho do acórdão a que as apelantes se referem contém o entendimento de que “o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do art.º 145º do Cód. Proc. Civil”.

Este não é, contudo, o entendimento maioritário do STJ (cfr., por todos, acórdão de 13/07/2021, proc. nº 4044/18.8T8STS-C.P1.S1, in www.dgsi.pt). Como veremos é irrelevante para o caso em apreço.

Dispõe o art.º 140º, nº 1 do CPC que:

“1 - Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”

São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato; que este seja praticado logo que cesse o impedimento, com imediata alegação e indicação da prova.

“Em lugar de assentar na imprevisibilidade e na impossibilidade de prática do ato, como já esteve previsto, o instituto está agora centrado na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários (…). Refere, com propriedade, Paula Costa e Silva, Ato e Processo, p. 314, que o justo impedimento funciona como uma cláusula geral de salvaguarda contra os efeitos das omissões involuntárias.” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 175]

Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 18/07/2006 [proc. nº 1887/06, in www.dgsi.pt]:

“IV - O efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso de prazo peremptório nem o de interromper tal prazo quando em curso, no momento em que ocorre o facto que se deva considerar justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido, mas tão somente o de suspender o termo de um prazo peremptório, deferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o último de duração do impedimento.
V – Ou seja, através do justo impedimento não se pode pretender que novo prazo para a prática do acto seja concedido, apenas se concedendo ao requerente a possibilidade de praticar o acto no momento (dia) imediatamente posterior ao fim da cessação do impedimento.”

Para haver “justo impedimento”, “basta (…) que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na produção”. O fundamental é que tal facto “não envolva um juízo de censurabilidade”, antes ocorra num contexto de “não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cf. art.º 800-1 CC)”. De tal forma que um “evento previsível pode (…) excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão”. Para isso, cabe à parte “alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art.º 799-1CC)”. Assim, “o justo impedimento pode ser reconhecido mesmo quando não tenha ocorrido nenhum facto imprevisível. Basta, neste caso, que a omissão do acto resulte de um erro desculpável da parte, para que se deva considerar relevante o referido justo impedimento”, uma vez que releva “a eventual censurabilidade dessa omissão e não a ocorrência de um facto exterior à vontade da parte”. [Ac. STJ de 29/09/2020, proc. nº 731/16.3T8STR.E1.S1, in www.dgsi.pt]

Nos autos de que emerge o presente recurso está em causa a prática do ato – resposta às exceções deduzidas nas contestações – tendo o tribunal proferido despacho em 06/12/2023 ordenando a notificação do A., concedendo para o efeito o prazo de 10 dias.

A notificação de tal despacho, dirigida à mandatária do A., Dr.ª CC, foi elaborada na plataforma citius em 07/12/2023.

A referida mandatária, por requerimento apresentado em 17/01/2024, alegou justo impedimento, desde novembro de 2023 até ao dia 17/01/2024, juntou um atestado médico e arrolou uma testemunha.

Do mencionado atestado médico consta: “para os devidos efeitos declara-se CC esteve impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho por gravidez de alto risco por ameaça de parto pré-termo desde 06/11/2023 com data de parto no dia 14/12/2023. Esta ausência ocorreu, na gravidez até ao parto, e até ao dia de hoje em que recupera do parto.”

Decorre deste documento a gravidade da situação, que já se verificava desde a data da elaboração da notificação do despacho (07/12/2023) até ao dia em que o ato foi praticado – dia 17/01/2024.

A situação em apreço integra o conceito de justo impedimento, tal como enunciado no art.º 140º do CPC, importando, ainda, a ilisão da presunção da notificação do despacho no 3º dia posterior, prevista no nº 1 do art.º 248º do CPC, conforme o nº 2 deste preceito.

Com efeito, uma gravidez de alto risco por ameaça de parto pré termo, a implicar repouso, afeta necessariamente as condições físicas e mentais da grávida. De igual modo, o período pós-parto, sobretudo depois de uma gravidez de risco, afeta as referidas condições, constituindo motivo impeditivo da comparência no escritório e do acesso à plataforma citius, não sendo exigível que, em tais circunstâncias, o faça a partir da cama, como sugerido pelas apelantes e, consequentemente, é obstativo quer da receção da notificação do despacho quer da prática do ato. Tal evento não é imputável à parte ou à mandatária impedida. Sublinha-se que o parto ocorreu no dia 14/12/2023, ou seja, 3 dias depois da data em que se presumiria a notificação do despacho e o ato veio a ser praticado cerca de um mês depois do parto, data em que cessou o impedimento.

Como mencionado no despacho recorrido:

“Sem olvidar que o efeito do impedimento é apenas o de deferir o termo de um prazo para o dia imediato ao que tenha sido o último de duração do impedimento, face ao atestado e à data do requerimento, julgamos que o impedimento prolonga-se até ao dia 17/01, data em que a ilustre mandatária revela conhecimento do processado e se apresenta a invocar o justo impedimento e (mesmo que na sua óptica perfunctoriamente) a praticar o acto de resposta às excepções, que no limite poderia ser apresentado até ao dia seguinte apenas (pela própria ou outro advogado mandatado). Apesar de a ilustre mandatária informar que se encontra melhor desde o Natal, não deixa de referir o facto de se encontrar cansada e prostrada após o parto, o que convenhamos, na sequência de um parto ocorrido no culminar de uma gravidez de alto risco por ameaça de parto pré-termo, constitui facto notório, sendo consabidas as exigências físicas e mentais que um recém nascido sempre coloca à mãe. Embora depois do parto a impossibilidade já não se deva propriamente à gravidez, ela deve-se ao parto e inerente recuperação como decorre do atestado, que se deve ter por verificada até ao dia 17/01 atento o atestado e considerando que pelo menos nesta data a ilustre mandatária intervém no processo revelando o seu pleno conhecimento e nesta data podia entregar o acompanhamento do processo a outro colega subscritor da p.i..”

No referido período, e apelando a um “juízo de razoabilidade e normalidade, o dever de diligência no exercício do mandato não lhe impunha que, perante um tal quadro clínico, devesse ou tivesse a obrigação de praticar o acto em apreço” [Ac. RP de 08/06/2009, proc. 75/08.4TTVCT.P1, in www.dgsi.pt] – resposta a exceções deduzidas em duas contestações. [...]

Pode ler-se no Ac. RG de 31/10/2019 [proc. nº 49/18.7T8BRG.G1, in www.dgsi.pt]

“com a reforma de 1995 (2) a ratio deste instituto, em lugar de assentar na imprevisibilidade e na impossibilidade da prática do acto, centrou-se “na ideia de culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários, aqui se incluindo também as pessoas que desempenham funções acessórias (cf. RC 30-6-15, 39/14).

Assim, não se verifica justo impedimento quando, apesar de um acontecimento imprevisto, o acto pode ser praticado pela parte ou pelo mandatário usando a diligência normal.

Ora a diligência normal pressupõe que quem haja de praticar o acto se encontre com a sua capacidade normal para a prática do mesmo. (…)

… não se pode levar este grau de exigência a um nível tal que só se o advogado se encontrar em coma ou tetraplégico e mudo é que o impedimento releve.

Efectivamente, a doença que justificaria a ausência ao serviço de qualquer trabalhador, funcionário público ou magistrado judicial, também pode constituir justo impedimento para a prática tempestiva do acto, quando as circunstâncias concretas do caso não se compadecerem com o substabelecimento noutro advogado.

Ora, um quadro de lombalgia incapacitante com irradiação ciática e rigidez da coluna, que impossibilitava a locomoção, a necessitar de repouso, isto é, de imobilização e sob medicação analgésica, não se coaduna com a elaboração de um articulado de contestação e reconvenção, mormente a que foi apresentada nos autos, com mais de 100 artigos.

Nem lhe era exigível que “no leito, elaborasse e remetesse a peça em causa”. (…)

Exigir que em circunstâncias semelhantes, com o prazo a terminar, o mandatário incapacitado substabelecesse – o que sempre estaria dependente de que outrem aceitasse tal substabelecimento – conduziria, em tese geral, a que apenas se considerasse justo impedimento os casos extremos acima referidos, o que não cremos tenha sido a intenção do legislador, até porque, com a mudança de paradigma a que acima nos referimos, pretendeu-se uma maior flexibilização deste instituto e não o seu cerceamento.

Uma pessoa que está com dores, incapacitada de se locomover e a tomar analgésicos não se encontra no pleno uso das suas capacidades mentais. Não se lhe pode assim exigir que tome as medidas mais acertadas e adequadas ao cumprimento dos seus deveres profissionais, mesmo que no caso concreto elas fossem possíveis, o que não se nos afigura certo.

Concluímos assim que no caso em apreço não era exigível ao mandatário que adoptasse a conduta que se sugere na decisão recorrida.

O evento (doença) não é imputável ao mandatário e era de molde a impedir a prática do acto (art.º 140º nº 1 do CPC).” [...]

A referida mandatária, com o requerimento em que invocou o justo impedimento apresentou   resposta às exceções, alegadamente perfunctória, por ainda se encontrar em recobro.

Não era exigível à mandatária que diligenciasse junto dos outros advogados, com procuração nos autos, com vista a informá-los … de que havia a hipótese de ocorrer notificação do tribunal neste processo em concreto… Como se mencionou na decisão recorrida, o processo esteve parado durante cerca de sete meses, depois de apresentadas as contestações. Não era previsível que no período de impedimento, que não se pode considerar longo, fosse proferido o despacho datado de 06/12/2023. Também não era exigível, nas circunstâncias concretas do caso, que a mandatária elaborasse uma lista dos processos em que poderiam ocorrer notificações, avisasse os seus colegas, ou simplesmente acedesse ao citius a partir do conforto de casa, e da cama, num qualquer intervalo entre o cumprimento dos deveres da maternidade”.

Pelos mesmos motivos, não se lhe impunha substabelecer o mandato.

Salienta-se que os outros dois mandatários (um advogado e uma advogada estagiária) que subscreveram a petição inicial, por adesão eletrónica, o fizeram ao abrigo de substabelecimento com reserva, especificamente para efeitos de apresentação da petição inicial. Ou seja, não figuram como mandatários na procuração outorgada pelo A. e o substabelecimento cinge-se à apresentação da petição inicial.

O acórdão da Relação de Évora de 25/02/2021 (proc. n.º 514/20.6T8PTG.E) citado pelas apelantes aprecia situação diferente, em que a mandatária impedida de exercer as suas funções profissionais, por gravidez de alto risco clínico, tinha conhecimento desde várias semanas antes do início do impedimento de que tinha que apresentar contestação, cujo prazo começaria a correr após férias judiciais.

Defendem as apelantes que o justo impedimento tinha que se verificar em relação a todos os mandatários constituídos.

A petição inicial foi subscrita eletronicamente pela Dra. CC e a ela aderiram um advogado e uma advogada estagiária, ao abrigo do mencionado substabelecimento.

Os restantes mandatários constantes da procuração forense não subscreveram a petição inicial.

Todas as notificações posteriores do tribunal ao autor foram sempre e apenas dirigidas à Dr.ª CC.

Era, pois, a Dr.ª CC que acompanhava o processo desde o seu início.

“A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca (artigo 97.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados) e essa confiança não deve ser desmerecida.

Não pode razoavelmente pretender-se que possa o juiz sugerir a presença em julgamento de um outro mandatário seja estagiário ou não, mesmo que constante de procuração conjunta, quando através da subscrição da peça ou peças processuais apresentadas deverá concluir-se que quem está, de facto, encarregado de acompanhar a causa, é o mandatário impedido.” [Ac. RE de 29.09.2022, processo n.º 7817/21.0YIPRT.E1, in www.dgsi.pt]

À data do invocado justo impedimento não existia obrigação legal de as notificações serem feitas a todos os advogados que representavam o autor, sendo normal que os mandatários não notificados desconhecessem a tramitação dos processos. Certamente para acautelar este tipo de situações e melhor garantir a salvaguarda dos direitos das partes o legislador procedeu à alteração do art.º 247º, nº 3 do CPC, introduzida pelo DL 87/2024, de 07/11, de molde a que as notificações que devam ser feitas na pessoa do mandatário judicial, quando a parte esteja simultaneamente representada por vários advogados, advogados estagiários e solicitadores, serem feitas, na pessoa de todos os advogados ou advogados estagiários que constem de procuração junta ao processo.

Afigura-se-nos que não era exigível que os demais mandatários, a quem nunca foi dirigida notificação de qualquer despacho no processo, tivessem a obrigação de consultar eletronicamente o processo no aludido período, a fim de averiguar, por exemplo, se existiam despachos.

E não decorre do disposto no art.º 140º do CPC que se exija a verificação de impedimento em relação a todos os mandatários constituídos, havendo que aferir da obrigação de diligência no caso concreto, com as suas particularidades próprias.

Como aflorado no despacho recorrido, “de alguma forma estamos perante uma situação de protecção da maternidade”, a que alude o DL nº 131/2009, de 01/06, alterado pelo DL n.º 50/2018, de 25 de Junho, diploma que dá “um subsídio para a análise da verificação do impedimento sem cair em abusos indesejáveis. (…) Com efeito, nos termos do art.º 2º deste diploma, em caso de maternidade ou paternidade, os advogados, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o adiamento dos atos processuais em que devam intervir, nos seguintes termos: “a) Quando a diligência devesse ter lugar durante o primeiro mês após o nascimento, o adiamento não deve ser inferior a dois meses e quando devesse ter lugar durante o segundo mês, o adiamento não deverá ser inferior a um mês”.

Destacamos, ainda, o constante nos respetivos preâmbulos:

“Embora a advocacia seja maioritariamente exercida como profissão liberal, alguns dos mais importantes actos profissionais são actos judiciais - julgamentos e outros actos processuais -, cuja marcação não depende dos próprios e a que não podem faltar, salvo nos termos previstos na lei.

Por esse motivo, os advogados não gozam de certos direitos e regalias que a generalidade dos cidadãos tem, nomeadamente da dispensa de actividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo.

Importa, por isso, estender aos advogados esses direitos, de forma a compatibilizar o exercício da profissão com a vida familiar, em termos equilibrados, sem afectar excessivamente a necessária celeridade da justiça.”

“O Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, estendeu aos advogados o gozo do direito, reconhecido à generalidade dos cidadãos, de dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo. (…)

A consagração deste direito visou permitir uma desejável harmonização entre a vida profissional e a vida familiar do advogado, sem impacto relevante na almejada celeridade processual. Na mesma perspetiva, não se coartou a possibilidade de, ponderada a situação em concreto, o advogado continuar a poder lançar mão do direito de substabelecimento dos poderes que lhe foram confiados.”

E anota-se que foi sufragado nos acórdãos da Relação de Évora de 30/03/2023 e da Relação de Guimarães de 25/01/2024 [Respetivamente nos processos nºs 415/20.8T8PTG-D.E1 e 620/20.0T8BCL-A.G1,  ambos disponíveis em www.dgsi.pt] o entendimento de o seu regime ser aplicável também a atos processuais que não envolvam a presença do mandatário."

[MTS]


17/12/2025

Bibliografia (1235)


-- Balta, N., Kollektiver Rechtsschutz für kleine und mittlere Unternehmen? / Bedarfsanalyse und Gesetzesvorschlag, Duncker & Humblot, Berlin, 2025

-- Campigli, V. / De Dominicis, F. (Eds.), Gli interessi sovraindividuali tra diritto e processo, Giappichelli, Torino, 2025

Jurisprudência 2025 (56)


Incidente de liquidação;
poder inquisitório


I. O sumário de RL 27/2/2025 (2471/11.0YYLSB-G.L1-8) é o seguinte:

1. A sentença é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615/1-d) do CPC quando, apesar da referência à questão no relatório da sentença e a matéria elencar os factos não provados, o juiz a quo não aprecia a questão em termos jurídicos, ou seja, não subsume aqueles factos ao direito, para depois concluir pela procedência ou improcedência do pedido. Só assim se aprecia a questão jurídica inerente ao pedido formulado. O que não foi feito.

2. No incidente de liquidação sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411, ordenando designadamente a produção de novos meios de prova (mormente, pericial), nos termos do artigo 380/4 do CPC de 1961. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566/3 do Código Civil.

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"- O dever de investigação oficiosa do juiz no incidente de liquidação

Em sede de impugnação da matéria de facto, alega ainda a recorrente exequente que o Tribunal a quo, a ter considerado insuficiente a prova produzida deveria ter complementado tal prova por indagação oficiosa, ordenando designadamente a produção de prova pericial nos termos do artigo 380/4 do CPC.

Apreciemos.

Dispõe este artigo 380/4 do antigo CPC (que corresponde ao atual artigo 360/4 do CPC) que:

“4. Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la por indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.

Tal como escrevem Abrantes Geraldes e Outros, in CPC Anotado, I, Almedina, 2018, p. 416 e 417, «(…) o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação. Seria, de resto, um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo».

Ainda o STJ, no acórdão de 16.12.2021, in www.dgsi.pt, entendeu que «II. A liquidação da sentença destina-se, tão somente, a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas respeitando sempre (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, a liquidação tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença, não podendo contrariar esse julgado, nomeadamente, corrigindo-o. III. O incidente de liquidação não pode culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Sendo que, neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo. IV. Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida em tal incidente for insuficiente para fixar a quantia devida, deverá o juiz, como última ratio, recorrer à equidade a fim de se lograr fixar aquele quantitativo».

Daí que, de acordo com o disposto no atual artigo 360/4 do CPC, o juiz deva completar oficiosamente a prova produzida pelos litigantes, quando esta se revelar insuficiente, determinando, nomeadamente, a realização de prova pericial, se esta for viável (cfr., ainda, art.º 411.º do CPC).

E, se mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida for insuficiente para fixar a quantia devida, o juiz deverá proceder à sua fixação recorrendo, em última ratio, à equidade (art.º 566.º, n.º 3 do CC)” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de dezembro de 2023, relator Rui Oliveira).

Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, I, Almedina, 2021, p. 711, «sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411º, ordenando designadamente a produção de prova pericial, nos termos do artigo 477º. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil».

O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que no incidente de liquidação, o requerente não está onerado com qualquer ónus de prova (embora lhe incumba levar ao processo todos os elementos relevantes na quantificação dos danos), incumbindo ao juiz, oficiosamente, completar as provas oferecidas pelos litigantes (artigo 360.º, n.º 4, do CPC) (cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 09.01.2019, in www.dgsi.pt).

Tem razão a recorrente exequente.

No caso em apreço, e perante os diversos valores referidos pelas testemunhas, as dúvidas suscitadas ao juiz a quo relativamente ao valor probatório do documento (estimativa) cujos resultados assentam em elementos fornecidos pela exequente - e que se desconhece quais são em concreto -, cabia ao juiz de 1.ª instância, ao abrigo do princípio do inquisitório e do disposto no artigo 360/4 do CPC providenciar pela realização de diligências de prova que lhe permitissem o dissipar das dúvidas relativamente à factualidade que optou por dar como não provada. Não está ainda esgotada a possibilidade de determinar, com a maior precisão possível, os valores em causa, através da produção de novos meios de prova (mormente, pericial). E produzida a prova caberá ao tribunal a quo prolatar nova sentença (que, no limite, decida, com base na equidade).

O que não pode suceder é o juiz julgar improcedente, sem mais, o incidente de liquidação.

Procede, nesta parte, o recurso interposto, devendo a sentença recorrida ser anulada e os autos prosseguir na 1.ª instância com a produção de novos meios (mormente, pericial) sobre os factos dos pontos I, II e III que a sentença considerou não provados, culminando com a prolação de nova sentença que, no limite, decida com base na equidade."

[MTS]

16/12/2025

Da inadmissibilidade de recurso de revista de decisão da Relação que admite recurso de apelação


[Para aceder ao texto clicar em Urbano A. Lopes Dias]


Jurisprudência 2025 (55)


Prova pericial;
livre apreciação


1. O sumário de RP 25/2/2025 (1379/14.2TBVNG.P1) é o seguinte:

I - O julgador, em matéria de natureza médica, de aferição da violação das leges artis, não deve afastar-se das conclusões do relatório pericial unânime se não estiver na posse de um meio probatório no mínimo de valor igual, senão superior, sob pena de reduzir a absoluta inutilidade a perícia colegial especializada e desconsiderar o meio probatório por excelência neste tipo de responsabilidade.

II - Ao doente caberá demonstrar que houve da parte do médico, prestador de serviços de saúde, uma desconformidade entre os actos praticados e as leges artis, bem como o nexo de causalidade entre essa desconformidade e o dano que apresenta.
 

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [...]

Ponto 22 dos factos provados - “Aquando do procedimento realizado pelo réu BB, este intercetou o nervo alveolar inferior da mandíbula da autora.”

Este é um dos pontos de facto fulcrais da apreciação deste recurso e, antecipamos desde já que não podemos acompanhar a fundamentação do tribunal a quo para dar como provado tal facto.

Pelo contrário, quer a prova produzida nos autos, mormente documental, devidamente articulada com a prova testemunhal e por declarações de parte, quer a prova primordial neste tipo de ações de responsabilidade civil por acto médico - prova pericial pelo colégio de médicos da especialidade - quer mesmo as regras do ónus de prova, impunham que tal facto fosse considerado não provado, resultando evidente o erro de julgamento quanto a esta matéria de facto da própria fundamentação vertida na sentença recorrida. [...]

Não obstante, a determinada altura da motivação o tribunal a quo afirmou que “decisivo para a resposta à matéria de facto foi o relatório pericial junto a 13/03/2019, os esclarecimentos posteriores prestados pelos Senhores peritos juntos a 16/09/2020 e o relatório da TAC efetuada à autora em 2010, junto com a petição inicial como documento 7 (cujo original foi junto a 23/02/2018, a fls. 253), no que tange à existência de uma lesão no nervo alveolar inferior e de ter resultado do procedimento de extração do dente e colocação do implante”.

Esta afirmação, numa primeira análise, indiciava que o tribunal a quo teria acompanhado as conclusões do relatório pericial e nestas os Srs peritos teriam concluído que o procedimento da extração do dente e colocação do implante haviam causado uma lesão no nervo alveolar da autora - meio probatório crucial para uma decisão assertiva e sustentada em matéria cujo juízo eminentemente técnico ultrapassa os conhecimentos de um juiz; no entanto assim não aconteceu porquanto o Sr Juiz a quo, contrariando frontalmente as conclusões a que chegaram os Srs peritos que compunham o colégio de especialistas em medicina dentária, considerou superada a dúvida razoável a que aqueles peritos chegaram quanto ao erro médico de que a Autora se queixava e do nexo causal entre a intervenção de implantologia realizada pelo Apelante Réu e a lesão que hoje ela apresentará, com base num simples relatório de uma TAC que padece confessadamente de erros e não se mostra acompanhado das imagens (essenciais para confirmação do relatório escrito desse exame) e que foi por isso mesmo considerado pelos Srs peritos um meio inadequado para a prova daqueles factos.

Para total compreensão do raciocínio percorrido pelo Sr Juiz a quo, passamos a citar o segmento da motivação que a esse propósito consta da sentença recorrida:

“Nestes relatório e esclarecimentos os Senhores Peritos tomam posição concreta sobre a existência de uma lesão no nervo alveolar inferior (p. 16 do relatório inicial e resposta 7 aos “quesitos constantes da página 184” dos esclarecimentos) e embora não sejam tão assertivos quanto à causalidade dessa lesão com a colocação do implante, dizendo que os indícios são sugestivos, mas pode existir uma dúvida razoável (p. 16 do relatório inicial e resposta ao quesito 8) nos esclarecimentos), o relatório da TAC afasta essa dúvida.

Nesse documento 7 junto com a petição inicial diz-se concretamente que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior, ou seja, o implante intercetou, cortou o nervo alveolar.

É verdade que este relatório do TAC contém dois lapsos, pois que refere o implante dentário no 2.º quadrante e na topografia de 2.6, quando discutimos o 3.º quadrante e o dente 3.6, se bem que estas incongruências foram admitidas pela testemunha JJ, médica que fez o TAC e escreveu o relatório, tendo em julgamento admitido que a referência ao segundo quadrante e ao dente 2. 6 e não ao 3.º quadrante e ao dente 3.6 se tenham tratado de lapsos de escrita.

E disso certamente se tratou, não havendo noticia que a autora tenha feito outro implante, concretamente naquele dente 2.6 (e que, por coincidência incrível, tivesse cortado o nervo alveolar – se bem que teria de ser o superior e não o inferior, dado o 2.º quadrante se situar nos dentes de cima da boca), não tendo o demais exposto no relatório do TAC efetuado pela Dr. JJ sido posto em causa, concretamente que o implante tenha ultrapassado o canal dentário inferior, sendo esta a questão essencial.

O próprio réu BB, insurgindo-se contra o papel com que a autora se apresentou numa consulta em que aparentava a interceção do implante com o nervo alveolar (a ré CC aludiu igualmente a esta situação dizendo que a autora tinha consigo um desenho, não sabendo o tribunal se esse tal papel/desenho poderá ser o documento 4 junto com a petição inicial), referia que se trata de uma imagem a duas dimensões que não permitia concluir desse corte, apenas uma TAC o permitia avaliar.
 
Também a testemunha FF, médico que a determinada altura seguiu em consulta a autora, explicou que a TAC é que permitiria verificar a origem do problema.
 
E o relatório pericial apresentado pelos Senhores peritos igualmente o menciona, dizendo que “um exame de tomografia computorizada, ao apresentar nos seus cortes paraxiais uma terceira dimensão (vestíbulo-lingual), que a ortopantomografia não consegue exibir, poderia ajudar a perceber se a cortical do osso que circunda o nervo alveolar inferior, estão ou não intacta e dessa formam poder-se estabelecer a ausência ou eventual afetação do nervo” (p. 17 do relatório pericial junto a 1 de março de 2019).
 
Ora, essa TAC foi feita e muito embora não se tenha a imagem, que não foi junta ao processo, tem-se o relatório, onde a interceção do implante com o nervo alveolar é referida expressamente, não tendo o relatório nesta parte sido objeto de controvérsia ou de emenda aquando do depoimento da médica que o elaborou.
 
O relatório da TAC é assim decisivo e permite afastar as dúvidas expressas.
 
Uma nota para referir que o réu BB mencionou que da imagem da TAC que posteriormente ao ato médico a autora fez resultava que o implante e o nervo não estavam sobrepostos, mas mais uma vez se chama a atenção que essa imagem não consta do processo, apenas consta o relatório da TAC elaborado pela médica que o fez, cuja conclusão de sobreposição não foi colocada em causa aquando do seu depoimento.

O mesmo se dirá a propósito do relatório da CESPU, clinica onde DD presta atividade, junto a fls. 222, que se julga que data de dezembro de 2016 (o relatório em si não tem data, tendo esta data o ofício que o envia para tribunal (fls. 221), pois que referindo que da TAC verificava-se que o implante colocado na zona do dente 3.6 estava próximo do nervo alveolar, mas sem interceção, continua sem se fornecer a imagem da TAC, já se sabendo que do relatório do médico que o fez (a testemunha JJ) resulta exatamente o contrário, existe interceção do implante com o nervo alveolar ou, como se diz nesse relatório, a sua extremidade caudal ultrapassa em milímetros o canal do dentário inferior.
 
Esta menção no relatório da TAC de 2010 à interceção do nervo alveolar com o implante não é considerada no processo de sinistro efetuado pela ré B..., que foi junto com o requerimento de 15/12/216 (fls. 189 e seguintes), não obstante o relatório dessa TAC constar desse processo de sinistros, referindo que o resultado da TAC “foi dado a conhecer ao segurado que concluiu não existir secção do nervo alveolar” (p. 193) e mais à frente que “não existe prova da natureza da lesão que a paciente alegar sofrer; ao invés, existe um relatório de uma TAC mandibular que não identifica qualquer lesão no nervo alveolar inferior”(p. 196), certo que do dito relatório resulta exatamente o contrário, sendo assim este processo de sinistro mais um documento que não merece credibilidade.
 
Por outro lado, a TAC entretanto realizada à autora no âmbito deste processo, cujo relatório foi junto a 18/10/20219 (fls. 307), não consegue trazer nova luz a esta questão, porquanto concluiu que o método de imagem não permite excluir ou afirmar a existência de danos no nervo alveolar inferior, permitindo apenas definir a integridade da cortical do canal ósseo em que esse nervo se localiza.
 
(…) Aqui chegados, cabe recordar que o único elemento objetivo que existe quanto à lesão e causalidade é o relatório da TAC realizada à autora em 2010, junto com a petição inicial como documento 7, constado o original a fls. 253, dele, como se viu, resultando que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior.
 
Sem prejuízo, existem outros elementos que igualmente apontam para a existência de uma lesão e para a sua causalidade com o ato médico em causa. Tal como referido por FF e por KK, médico que referiu ter observado a autora numa consulta há cerca de 12 anos, tendo-lhe feito um exame clínico e uma radiografia (embora não tivesse sido dito, ficou a pensar-se que poderia ser a imagem que constitui o documento 4 junto com a petição inicial), as queixas que a autora apresentava eram compatíveis com esse tipo de lesão, queixas que estas testemunhas disseram ser adormecimento do lábio, falta de sensibilidade e dor (KK referiu que a autora podia sentir dor, dor neuropática), tendo apenas FF referido que estas sensações deveriam ser na mandíbula e não propriamente no lábio, onde a esta distância temporal julgava que a autora apresentava as ditas queixas.
 
Independentemente disso, é certo que a autora se queixava de dores e/ou de desconforto, pois que o fez perante os réus CC e BB, que em função da sua repetição mandaram fazer a TAC e reencaminharam a autora para ser assistida pelo Professor DD, fê-lo perante este (que disse que se queixava de ter dores e “picos”), fê-lo perante FF e KK como se viu,, fê-lo perante LL (marido da autora), MM (amiga da autora) e NN (filha da autora), o que leva a ponderar que a situação clínica que exibia era no sentido de ter sofrido uma lesão que pudesse justificar essas dores.
 
E estas queixas da autora surgem após a intervenção levada a cabo pelo réu BB e repetem-se, pelo que se percebeu, durante anos, variando um pouco conforme as pessoas que as relatavam, fossem dores ou falta de sensibilidade (LL, MM e NN aludiram sobretudo a falta de sensibilidade (o primeiro), sensação de boca paralisada e babar-se (a segunda e terceira), acabando estas queixas por encontrar respaldo ou justificação no relatório da TAC que descreve o corte do nervo alveolar.
 
A lesão, os sintomas e as queixas de dor são igualmente mencionadas no relatório pericial e esclarecimentos posteriores escritos, tal como dado por provado, aludindo-se a sensação álgica, afasia, disartria (embora se tenha entendido não terem grande significado por o decurso do tempo permitir uma adaptação e reabilitação e a insensibilidade), tendo ainda os Senhores Peritos dissertado nos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento sobre uma parestesia com o corte do nervo alveolar, acabando nos esclarecimentos posteriores escritos por concluir que as lesões sofridas pela autora determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, tendo ainda uma nevralgia unilateral sensitiva de ramo do trigénio de 0,2.
 
Em função desta prova, as declarações dos réus CC e BB e da testemunha DD de que o procedimento médico efetuado pelo segundo foi correto, na extração do dente e colocação do implante não houve interceção do nervo alveolar e que os testes de sensibilidade efetuados à autora não davam resposta positiva não merecem credibilidade e são dadas por não provadas.”
 
Temos sérias dificuldades em perceber como pode o julgador, leigo em matéria de medicina dentária, afirmar de forma peremptória que não tem dúvidas que “o implante intercetou, cortou o nervo alveolar”, quando quem tem competência médica para tal poder afirmar não o afirmou, como se extrai do relatório pericial elaborado por peritos médicos da especialidade cuja competência não foi posta em causa por qualquer das partes, os quais estando habituados a interpretar relatórios médicos não consideraram suficiente para ultrapassar as suas dúvidas o relatório da TAC de 2010 dissociado das imagens que o deviam acompanhar e que não se mostraram acessíveis para análise e confirmação daquele relatório, como eles próprios esclareceram.

Os Srs peritos haviam solicitado que lhes fossem enviadas as “imagens constantes da TAC de 22.10.2010, de forma a avaliar a proximidade da extremidade do implante com o nervo mandibular do lado esquerdo da face da Autora”, por se mostrarem necessárias para a conclusão do relatório pericial, precisamente porque o mesmo contém várias imprecisões, nomeadamente quanto à identificação do dente alvo de intervenção cirúrgica e posterior colocação do implante dentário, imagens que o tribunal a quo não conseguiu que lhes fossem entregues.

O julgador, neste tipo de matérias eminentemente de natureza médica, de aferição da violação das leges artis, das quais são especificamente conhecedores os profissionais dessa área - neste caso de medicina dentária-, não deve afastar-se das conclusões do relatório pericial se não estiver na posse de um meio probatório no mínimo de valor igual, senão superior, sob pena de reduzir a absoluta inutilidade a perícia colegial especializada que ele próprio admitiu ser um meio probatório “decisivo”.

Admitiríamos que o tribunal a quo o pudesse fazer se estivesse por ex. na posse das imagens da referida TAC de 2010 e estas mostrassem o referido corte do nervo alveolar, mas não foi isto que sucedeu.

Salvo o devido respeito, não deve o Sr juiz a quo lançar mão de um meio de prova de valor incomensuravelmente inferior ao laudo médico (relatório de uma TAC desacompanhado das imagens), que os Srs peritos fundamentadamente não consideraram ter valia técnica para afastar as dúvidas sobre o próprio erro médico e o nexo causal, e afirmar que não tem dúvidas, e que não as tem porque no seu entender aquele relatório da TAC de 2010 as afasta, em total oposição ao juízo técnico vertido no relatório pericial unânime que também acedeu a tal relatório da TAC.

Mas mais importante que tudo é que, ainda que se pudesse afastar a valia técnica do relatório pericial pela razão exposta na fundamentação da sentença recorrida, o que não concedemos, consideramos que o juízo feito pelo Sr Juiz a quo não encontra suficiente arrimo em qualquer outro meio de prova produzido nos presentes autos, não existindo absolutamente nada que lhe permita afirmar que “o implante intercetou, cortou o nervo alveolar”, porque contrariamente ao sustentado na decisão recorrida mesmo que o referido relatório da TAC de 2010 fosse suficiente para contrariar o relatório pericial, o que mais uma vez não concedemos, também nele não se atestou que tenha havido interceção do implante com o nervo alveolar, ou que o implante tenha cortado o nervo alveolar, apenas que identificaram “a presença de implante dentário no 2º quadrante, na topografia de 2.6, a sua extremidade caudal ultrapassando em milímetros o canal do dentário inferior e distando cerca de 2 mm a extremidade cranial do implante da crista alveolar.”

Resulta ainda incontroverso dos autos que a Autora, após a intervenção realizada pelo Apelante/Réu e perante as suas queixas, foi por eles encaminhada para acompanhamento pelo médico DD, o qual foi ouvido como testemunha e confirmou no geral o que já constava do relatório clínico enviado aos autos pelo CESPU, do qual consta expressamente o seguinte: “a senhora AA recorreu pela primeira vez à consulta de Medicina Dentária da Unidade Clínica de E..., onde foi observada pelo Prof. Doutor DD, na consulta de especialização do Mestrado Em Reabilitação Oral, no dia 9 de dezembro de 2010, referindo dor difusa na região dos incisivos e pré-molares do quadrante inferior esquerdo. Na análise da tomografia axial computorizada de que a paciente era portadora, visualizava-se um implante colocado na zona de dente 3.6, próximo do nervo alveolar, mas sem interceção. Os testes de sensibilidade aos referidos dentes mostravam-se positivos.”

Nessa altura, próxima da intervenção realizada pelo Apelante/Réu, aquele médico observou a autora e afirmou que esta se fazia acompanhar da TAC, e que da análise desse meio de diagnóstico não tinha visualizado qualquer interseção do nervo alveolar.

Tendo sido posteriormente encaminhada a autora para o serviço de estomatologia do Hospital ..., veio a ser consultada pelo médico Dr FF, como este confirmou e já constava do relatório clínico enviado aos autos por este hospital, médico que não afirmou ter constatado qualquer interseção ou corte do nervo alveolar (como ficou vertido no ponto 57 dos factos não provados- facto não impugnado), contrariamente ao que alegara a autora na PI, o que veio a ser corroborado pelo médico que passou a seguir a autora naquele hospital - OO- que lhe realizou Rx ortopantomografia, “não visualizando qualquer alteração anatómica ou lesão patológica”, pelo que referenciou para a consulta da dor após falar com outro médico da mesma especialidade daquele serviço.

Não existe nos autos um único relatório clínico que afirme que aquando do procedimento realizado pelo réu BB, este intercetou o nervo alveolar inferior da mandíbula da autora, tal como não foi produzida qualquer prova testemunhal nesse sentido, mormente nenhum dos médicos que posteriormente acompanharam a autora o afirmou, e o relatório pericial do colégio da especialidade realizado nestes autos, complementado pelos vários esclarecimentos escritos e orais dos peritos médicos que o subscreveram, também não o conseguiram afirmar.

Nesse relatório, ao quesito “o implante atingiu o nervo alveolar?” os Srs peritos médicos responderam de forma unânime que “na imagem radiográfica (referindo-se à ortopantomografia porque não tiveram acesso às imagens da TAC) o ápice do implante está mais baixo que a porção mais superior do canal do nervo alveolar inferior, mas esse dado pode não ser suficiente para provocar lesão neurológica(…); ao quesito “intervenção levada a cabo pelo 1º Réu - a extração do dente 3.6 e colocação de implante dentário causou lesões à Autora?” responderam de forma unânime que “ constam do processo e do exame pericial relatos nesse sentido e até indícios muito valorizáveis que corroboram essa possibilidade, no entanto há variáveis que estes peritos não conseguem apurar para de forma concreta e robusta afirmarem essa causalidade; ao quesito “pode ocorrer lesão no nervo alveolar inferior por motivos externos à extração e colocação de implante dentário ?” responderam que sim e deram como exemplo os mais frequentes: traumatismo, processos inflamatórios, vírus ou casos de osteomielite que podem conduzir à lesão dessa estrutura nervosa; ao quesito de “se as lesões que afetam a autora a nível do nervo alveolar inferior são resultado de um implante realizado ao nível do 3º quadrante (dente 36)?” responderam que existe essa possibilidade, salvaguardando-se a possibilidade de ser difícil de apurar esse facto de forma concreta e robusta, e ao quesito “ é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o implante realizado e as dores alegadamente sofridas pela autora?“ responderam unanimemente que apesar dos indícios serem disso sugestivos, poder haver uma dúvida razoável sobre o estabelecimento, de forma concreta e robusta, do nexo de causalidade sugerido no quesito.

Os Srs peritos acrescentaram ainda que, “um exame de Tomografia Computorizada, ao apresentar nos seus cortes paraxiais uma terceira dimensão (vestíbulo-lingual), que a ortopantomografia não consegue exibir, poderia ajudar a perceber se a cortical do osso que circunda o nervo alveolar inferior, está ou não intacta e dessa forma, poder-se estabelecer a ausência ou eventual afectação do nervo, respectivamente”, daí que, não lhes tendo sido facultadas as imagens da TAC de 2010, realizada pouco depois da intervenção executada pelo Apelante/Réu, tenham concluído existir dúvida razoável sobre se a lesão que hoje a autora apresenta (aquando do relatório pericial haviam decorrido cerca de 9 anos) tenha sido causada pelo acto médico por aquele praticado.

Ora, se a inexistência das imagens invocada pela clínica que realizou tal exame não suscita à partida grandes reservas dado o hiato de tempo entretanto decorrido, o mesmo não podemos afirmar relativamente à autora, que delas foi portadora, que inclusivamente as terá mostrado aos Réus e ao médico DD e que alegou no decurso do processo, quando foi instada a juntá-las para apresentação aos Srs peritos, que não as tinha, não sendo curial que as não tenha guardado se efectivamente evidenciavam a alegada lesão do nervo alveolar como sustentava, até porque terá sido submetida à referida TAC em 2010 precisamente para averiguar se teria havido alguma lesão na intervenção de implantologia em questão, o que reforça as nossas dúvidas que tal lesão tenha sido causada pelo ato médico em questão.

Para sermos rigorosos vertemos aqui a parte das conclusões do relatório pericial que importa para esta questão de facto:

“6. Admite-se como facto clínico uma proximidade do implante ao canal onde está, normalmente, localizado o nervo mandibular.

(…) 8. Processos inflamatórios ou traumáticos que afectem este nervo podem desencadear o quadro clínico descrito no foro neuromuscular reportado pela autora com carácter que pode ser temporário ou permanente.

(…) 10. Os peritos consensualizaram para o presente caso, que face aos dados existentes e constantes do processo ou verificáveis aquando da perícia médico-legal, pode ser adequada uma razoável dúvida acerca do nexo de causalidade entre o procedimento conjunto de exodontia do dente 36 e de colocação de implante imediato, com os efeitos relatados do quadro neurológico consequente.”

E é aqui que entra a regra do ónus probatório, regra determinante em sede de julgamento da matéria de facto, porquanto se da articulação e apreciação crítica de toda a prova produzida o juiz se deparar com a dúvida sobre a realidade de determinado facto deverá observar a regra consagrada no art.414º do CPC.

E sendo assim, como se impunha à Autora a prova da violação das leges artis e do nexo de causalidade entre o acto médico praticado pelo Apelante/Réu e a lesão e sequelas de que se queixa, confrontados com a dúvida sobre a realidade desse facto a mesma resolve-se contra a autora, a quem o facto aproveita, pelo que nada mais nos resta que dar tal ponto de facto como não provado.

Em suma, pelas razões exaustivamente expostas determinamos a eliminação do ponto 22 dos factos provados e sua transição para o elenco dos factos não provados".

[MTS]