"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
19/12/2025
Jurisprudência 2025 (58)
1. - Destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, a qual se traduz no reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece a parte confitente e beneficia a contraparte, só podem ser objeto de tal prova factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.2. - O depoente de parte, prestando juramento, fica sujeito ao dever de verdade, depondo com precisão e clareza, perante o tribunal, com redução a escrito do conteúdo confessório, incumbindo a respetiva redação ao juiz, razão pela qual não deverá haver margem para dúvidas quanto ao sentido e âmbito/alcance da confissão, a qual, devendo ser inequívoca, assume força probatória plena contra o confitente.3. - Por isso, na ordem de produção das provas em audiência final, deve começar-se pela prestação dos depoimentos de parte, só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.4. - Obtida tal confissão, ficando o facto provado em plenitude, não há lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo, desde logo, a proibição de prova testemunhal.5. - Já a prova por declarações de parte, em que é a própria parte a requerer que seja admitida a prestar declarações, comummente sobre factos que ela mesma alegou, que a favorecem e, bem assim, para os afirmar/confirmar, deve, à míngua de semelhante força probatória, ser apreciada livremente pelo tribunal – salvo a situação incomum de constituir confissão –, carecendo, normalmente, de outros meios de prova corroborantes idóneos.6. - Assim, a prova por depoimento de parte, enquanto prova prioritária, não pode ser subalternizada à prova por declarações de parte, não sendo aceitável a ideia de “consunção” de provas, de molde a ficar prejudicado o conhecimento do requerimento de prestação de depoimento de parte.7. - Requerendo a parte a obtenção pelo tribunal de documentos – referentes a pedidos de inscrição matricial e de retificação de área de prédio –, mediante requisição a um serviço de finanças, não lhe basta invocar que os documentos lhe seriam recusados se os pedisse, antes devendo mostrar uma concreta/efetiva recusa para os específicos fins judiciais pretendidos.8. - Se o tribunal, indeferindo o requerido, deixou, todavia, em aberto a possibilidade de ulterior apreciação em caso de invocação de dificuldades sérias e concretas na obtenção desses documentos, cabia à parte interessada, em vez de recurso imediato, procurar obter, a expensas suas, os documentos, posto que, em caso de recusa, certamente o tribunal não deixaria de os requisitar.
Já se viu qual a natureza dos pedidos formulados, na ação e na reconvenção, tudo girando à volta do pretendido reconhecimento dominial, em termos de propriedade imobiliária, sendo a ação/reconvenção assimilável a uma comum ação de reivindicação [reconhecimento do direito de propriedade e restituição, com demolição de elementos edificados e/ou abstenção – cfr. o pedido reconvencional – da prática de atos que ofendam o peticionado direito de propriedade].
Quanto à prova por depoimento de parte da A./Reconvinda, requerida pelos RR./Reconvintes, o Tribunal recorrido entendeu que a mesma não seria de acolher, por prejudicada: admitindo – como admitiu – a prova por declarações de parte da A., por esta requerida, considerou que, em consequência (“perante a latitude das declarações de parte”), ficava prejudicado/comprometido “o conhecimento do depoimento de parte requerido pelos réus”.
Desenvolvendo este raciocínio, a 1.ª instância ainda expressou que «(…) as declarações de parte têm uma maior latitude do que o depoimento de parte (o qual apenas visa a confissão – cfr. 454.º do Código de Processo Civil e 352.º do Código Civil –), consumindo-o», razão pela qual entendeu também «convola[r] o depoimento de parte requerido pela autora a respeito do réu, o qual incidirá sobre os factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo.».
Ora, quem não se conforma com tal entendimento são os RR., não aceitando essa “consunção” de provas, antes vendo na perspetiva do tribunal uma violação do direito à prova que assiste às partes.
Apreciando, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que assiste razão aos RR./Recorrentes.
Com efeito, mais do que uma questão de “latitude”/amplitude – a maior ou menor amplitude de objeto depende, logicamente, do que for requerido e/ou determinado pelo juiz (cfr. art.º 452.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv., quanto ao depoimento de parte) e do que for impetrado pela parte que pretende prestar declarações de parte (art.º 466.º do mesmo Cód.), tendo em contra a matéria factual concretamente decidenda –, o que realmente releva, neste âmbito, é a natureza e, bem assim, os efeitos de cada uma destas modalidades de prova, mormente a especificidade (e especialidade) da prova por depoimento de parte.
Vejamos.
Tendo isso em conta, já se defendeu nesta Relação:
«1. - Destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, a qual se traduz no reconhecimento da realidade de um facto que desfavorece a parte confitente e beneficia a contraparte, só podem ser objeto de tal prova factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.
2. - O depoente de parte, prestando juramento, fica sujeito ao dever de verdade, depondo com precisão e clareza, perante o tribunal, com redução a escrito do conteúdo confessório, incumbindo a respetiva redação ao juiz, razão pela qual não deverá haver margem para dúvidas quanto ao sentido e âmbito/alcance da confissão, a qual, devendo ser inequívoca, assume força probatória plena contra o confitente.
3. - Por isso, na ordem de produção das provas em audiência final, deve começar-se pela prestação dos depoimentos de parte, só depois, por regra, se passando à produção de outras provas.
4. - Obtida tal confissão, ficando o facto provado em plenitude, não há lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo a proibição de prova testemunhal.
(…).» [...]
Citámos o sumário do Ac. TRC de 24/09/2024 (Proc. 1436/19.9T8VIS.C1 (relatado pelo aqui relator e em que foi adjunto o aqui 2.º Adj.), disponível em www.dgsi.pt.), aresto onde se explicita – na respetiva fundamentação – que, «obtida essa prova qualificada – com força probatória cabal –, o facto fica, obviamente, provado em plenitude, não havendo lugar a outras provas a respeito, assim se compreendendo, desde logo, a proibição de prova testemunhal (como referido no art.º 393.º, n.º 2, do CCiv., não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado, seja por documento, seja por outro meio com força probatória plena).».
Bem diversa é a prova por declarações de parte, em que é a própria parte a requerer que seja admitida a prestar declarações, comummente sobre factos que ela mesma alegou, que a favorecem e, outrossim, para os afirmar/confirmar (como no caso, em que a A. requereu a sua admissão a prestar tais declarações quanto aos factos “dos artigos 1 a 9 da petição inicial”).
Bem se compreende, pois, que esta prova, longe de um “meio com força probatória plena” (como a confissão judicial, obtida em depoimento de parte), deva ser apreciada livremente pelo Tribunal – salvo a situação incomum de constituir confissão –, nos termos do disposto no art.º 466.º, n.º 3, do NCPCiv., e careça, normalmente, como vem entendendo a jurisprudência maioritária, de outros meios de prova corroborantes (idóneos/confirmadores).
Assim sendo, claro se torna que a prova por depoimento de parte, enquanto prova prioritária, não poderá ser subalternizada à prova por declarações de parte, não sendo, na verdade, aceitável, a dita ideia de “consunção” de provas, a que se reportava a decisão recorrida e com que os Apelantes se não conformaram.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, deve proceder a apelação nesta parte, com revogação da recorrida decisão de rejeição do depoimento de parte, admitindo-se, ao invés, a prova por depoimento de parte (da A.), tal como requerida pelos RR., destinada à obtenção de confissão (nos termos dos art.ºs 352.º e segs. do CCiv.)."
[MTS]
18/12/2025
Jurisprudência 2025 (57)
São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato; que este seja praticado logo que cesse o impedimento, com imediata alegação e indicação da prova. O critério fundamental deixou de ser a imprevisibilidade do evento para se centrar na (não) imputabilidade ou censurabilidade na falta de prática do ato, juízo este que se afere pelo critério do uso de diligência normal, a qual pressupõe que a parte ou o mandatário se encontre com a sua capacidade normal para a prática do mesmo.Estando a mandatária do A., na data em que é elaborada a notificação do despacho para apresentação da resposta às exceções, impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho, devido a gravidez de alto risco, por ameaça de parto pré termo, o qual veio a ocorrer três dias depois da data em que se presumiria a efetivação da notificação, mantendo-se aquela impossibilidade, em virtude de recuperação do parto até à data em que alegou o justo impedimento, arrolou prova e se apresentou a praticar o ato omitido, mostram-se verificados os requisitos do justo impedimento quer para a receção da referida notificação (e, portanto, ilidida a presunção estabelecida no art.º 248º, nº 1 do CPC, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal) quer para a prática do ato.
“1 - Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”
“IV - O efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso de prazo peremptório nem o de interromper tal prazo quando em curso, no momento em que ocorre o facto que se deva considerar justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido, mas tão somente o de suspender o termo de um prazo peremptório, deferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o último de duração do impedimento.V – Ou seja, através do justo impedimento não se pode pretender que novo prazo para a prática do acto seja concedido, apenas se concedendo ao requerente a possibilidade de praticar o acto no momento (dia) imediatamente posterior ao fim da cessação do impedimento.”
“Sem olvidar que o efeito do impedimento é apenas o de deferir o termo de um prazo para o dia imediato ao que tenha sido o último de duração do impedimento, face ao atestado e à data do requerimento, julgamos que o impedimento prolonga-se até ao dia 17/01, data em que a ilustre mandatária revela conhecimento do processado e se apresenta a invocar o justo impedimento e (mesmo que na sua óptica perfunctoriamente) a praticar o acto de resposta às excepções, que no limite poderia ser apresentado até ao dia seguinte apenas (pela própria ou outro advogado mandatado). Apesar de a ilustre mandatária informar que se encontra melhor desde o Natal, não deixa de referir o facto de se encontrar cansada e prostrada após o parto, o que convenhamos, na sequência de um parto ocorrido no culminar de uma gravidez de alto risco por ameaça de parto pré-termo, constitui facto notório, sendo consabidas as exigências físicas e mentais que um recém nascido sempre coloca à mãe. Embora depois do parto a impossibilidade já não se deva propriamente à gravidez, ela deve-se ao parto e inerente recuperação como decorre do atestado, que se deve ter por verificada até ao dia 17/01 atento o atestado e considerando que pelo menos nesta data a ilustre mandatária intervém no processo revelando o seu pleno conhecimento e nesta data podia entregar o acompanhamento do processo a outro colega subscritor da p.i..”
“com a reforma de 1995 (2) a ratio deste instituto, em lugar de assentar na imprevisibilidade e na impossibilidade da prática do acto, centrou-se “na ideia de culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários, aqui se incluindo também as pessoas que desempenham funções acessórias (cf. RC 30-6-15, 39/14).Assim, não se verifica justo impedimento quando, apesar de um acontecimento imprevisto, o acto pode ser praticado pela parte ou pelo mandatário usando a diligência normal.Ora a diligência normal pressupõe que quem haja de praticar o acto se encontre com a sua capacidade normal para a prática do mesmo. (…)… não se pode levar este grau de exigência a um nível tal que só se o advogado se encontrar em coma ou tetraplégico e mudo é que o impedimento releve.Efectivamente, a doença que justificaria a ausência ao serviço de qualquer trabalhador, funcionário público ou magistrado judicial, também pode constituir justo impedimento para a prática tempestiva do acto, quando as circunstâncias concretas do caso não se compadecerem com o substabelecimento noutro advogado.Ora, um quadro de lombalgia incapacitante com irradiação ciática e rigidez da coluna, que impossibilitava a locomoção, a necessitar de repouso, isto é, de imobilização e sob medicação analgésica, não se coaduna com a elaboração de um articulado de contestação e reconvenção, mormente a que foi apresentada nos autos, com mais de 100 artigos.Nem lhe era exigível que “no leito, elaborasse e remetesse a peça em causa”. (…)Exigir que em circunstâncias semelhantes, com o prazo a terminar, o mandatário incapacitado substabelecesse – o que sempre estaria dependente de que outrem aceitasse tal substabelecimento – conduziria, em tese geral, a que apenas se considerasse justo impedimento os casos extremos acima referidos, o que não cremos tenha sido a intenção do legislador, até porque, com a mudança de paradigma a que acima nos referimos, pretendeu-se uma maior flexibilização deste instituto e não o seu cerceamento.Uma pessoa que está com dores, incapacitada de se locomover e a tomar analgésicos não se encontra no pleno uso das suas capacidades mentais. Não se lhe pode assim exigir que tome as medidas mais acertadas e adequadas ao cumprimento dos seus deveres profissionais, mesmo que no caso concreto elas fossem possíveis, o que não se nos afigura certo.Concluímos assim que no caso em apreço não era exigível ao mandatário que adoptasse a conduta que se sugere na decisão recorrida.O evento (doença) não é imputável ao mandatário e era de molde a impedir a prática do acto (art.º 140º nº 1 do CPC).” [...]
“Embora a advocacia seja maioritariamente exercida como profissão liberal, alguns dos mais importantes actos profissionais são actos judiciais - julgamentos e outros actos processuais -, cuja marcação não depende dos próprios e a que não podem faltar, salvo nos termos previstos na lei.Por esse motivo, os advogados não gozam de certos direitos e regalias que a generalidade dos cidadãos tem, nomeadamente da dispensa de actividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo.Importa, por isso, estender aos advogados esses direitos, de forma a compatibilizar o exercício da profissão com a vida familiar, em termos equilibrados, sem afectar excessivamente a necessária celeridade da justiça.”“O Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de junho, estendeu aos advogados o gozo do direito, reconhecido à generalidade dos cidadãos, de dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso de maternidade ou paternidade, ou de falecimento de familiar próximo. (…)A consagração deste direito visou permitir uma desejável harmonização entre a vida profissional e a vida familiar do advogado, sem impacto relevante na almejada celeridade processual. Na mesma perspetiva, não se coartou a possibilidade de, ponderada a situação em concreto, o advogado continuar a poder lançar mão do direito de substabelecimento dos poderes que lhe foram confiados.”
17/12/2025
Bibliografia (1235)
Jurisprudência 2025 (56)
1. A sentença é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615/1-d) do CPC quando, apesar da referência à questão no relatório da sentença e a matéria elencar os factos não provados, o juiz a quo não aprecia a questão em termos jurídicos, ou seja, não subsume aqueles factos ao direito, para depois concluir pela procedência ou improcedência do pedido. Só assim se aprecia a questão jurídica inerente ao pedido formulado. O que não foi feito.2. No incidente de liquidação sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411, ordenando designadamente a produção de novos meios de prova (mormente, pericial), nos termos do artigo 380/4 do CPC de 1961. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566/3 do Código Civil.
"- O dever de investigação oficiosa do juiz no incidente de liquidação
Em sede de impugnação da matéria de facto, alega ainda a recorrente exequente que o Tribunal a quo, a ter considerado insuficiente a prova produzida deveria ter complementado tal prova por indagação oficiosa, ordenando designadamente a produção de prova pericial nos termos do artigo 380/4 do CPC.
Apreciemos.
Dispõe este artigo 380/4 do antigo CPC (que corresponde ao atual artigo 360/4 do CPC) que:
“4. Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la por indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.
Tal como escrevem Abrantes Geraldes e Outros, in CPC Anotado, I, Almedina, 2018, p. 416 e 417, «(…) o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação. Seria, de resto, um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo».
Ainda o STJ, no acórdão de 16.12.2021, in www.dgsi.pt, entendeu que «II. A liquidação da sentença destina-se, tão somente, a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas respeitando sempre (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, a liquidação tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença, não podendo contrariar esse julgado, nomeadamente, corrigindo-o. III. O incidente de liquidação não pode culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Sendo que, neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo. IV. Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida em tal incidente for insuficiente para fixar a quantia devida, deverá o juiz, como última ratio, recorrer à equidade a fim de se lograr fixar aquele quantitativo».
“Daí que, de acordo com o disposto no atual artigo 360/4 do CPC, o juiz deva completar oficiosamente a prova produzida pelos litigantes, quando esta se revelar insuficiente, determinando, nomeadamente, a realização de prova pericial, se esta for viável (cfr., ainda, art.º 411.º do CPC).
E, se mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida for insuficiente para fixar a quantia devida, o juiz deverá proceder à sua fixação recorrendo, em última ratio, à equidade (art.º 566.º, n.º 3 do CC)” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de dezembro de 2023, relator Rui Oliveira).
Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, I, Almedina, 2021, p. 711, «sendo a prova produzida pelas partes insuficiente para a fixação da quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente, nos termos gerais do artigo 411º, ordenando designadamente a produção de prova pericial, nos termos do artigo 477º. Como último recurso, o juiz fixa equitativamente o montante da indemnização, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil».
O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que no incidente de liquidação, o requerente não está onerado com qualquer ónus de prova (embora lhe incumba levar ao processo todos os elementos relevantes na quantificação dos danos), incumbindo ao juiz, oficiosamente, completar as provas oferecidas pelos litigantes (artigo 360.º, n.º 4, do CPC) (cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 09.01.2019, in www.dgsi.pt).
Tem razão a recorrente exequente.
No caso em apreço, e perante os diversos valores referidos pelas testemunhas, as dúvidas suscitadas ao juiz a quo relativamente ao valor probatório do documento (estimativa) cujos resultados assentam em elementos fornecidos pela exequente - e que se desconhece quais são em concreto -, cabia ao juiz de 1.ª instância, ao abrigo do princípio do inquisitório e do disposto no artigo 360/4 do CPC providenciar pela realização de diligências de prova que lhe permitissem o dissipar das dúvidas relativamente à factualidade que optou por dar como não provada. Não está ainda esgotada a possibilidade de determinar, com a maior precisão possível, os valores em causa, através da produção de novos meios de prova (mormente, pericial). E produzida a prova caberá ao tribunal a quo prolatar nova sentença (que, no limite, decida, com base na equidade).
O que não pode suceder é o juiz julgar improcedente, sem mais, o incidente de liquidação.
Procede, nesta parte, o recurso interposto, devendo a sentença recorrida ser anulada e os autos prosseguir na 1.ª instância com a produção de novos meios (mormente, pericial) sobre os factos dos pontos I, II e III que a sentença considerou não provados, culminando com a prolação de nova sentença que, no limite, decida com base na equidade."
16/12/2025
Da inadmissibilidade de recurso de revista de decisão da Relação que admite recurso de apelação
Jurisprudência 2025 (55)
I - O julgador, em matéria de natureza médica, de aferição da violação das leges artis, não deve afastar-se das conclusões do relatório pericial unânime se não estiver na posse de um meio probatório no mínimo de valor igual, senão superior, sob pena de reduzir a absoluta inutilidade a perícia colegial especializada e desconsiderar o meio probatório por excelência neste tipo de responsabilidade.II - Ao doente caberá demonstrar que houve da parte do médico, prestador de serviços de saúde, uma desconformidade entre os actos praticados e as leges artis, bem como o nexo de causalidade entre essa desconformidade e o dano que apresenta.
“Nestes relatório e esclarecimentos os Senhores Peritos tomam posição concreta sobre a existência de uma lesão no nervo alveolar inferior (p. 16 do relatório inicial e resposta 7 aos “quesitos constantes da página 184” dos esclarecimentos) e embora não sejam tão assertivos quanto à causalidade dessa lesão com a colocação do implante, dizendo que os indícios são sugestivos, mas pode existir uma dúvida razoável (p. 16 do relatório inicial e resposta ao quesito 8) nos esclarecimentos), o relatório da TAC afasta essa dúvida.Nesse documento 7 junto com a petição inicial diz-se concretamente que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior, ou seja, o implante intercetou, cortou o nervo alveolar.É verdade que este relatório do TAC contém dois lapsos, pois que refere o implante dentário no 2.º quadrante e na topografia de 2.6, quando discutimos o 3.º quadrante e o dente 3.6, se bem que estas incongruências foram admitidas pela testemunha JJ, médica que fez o TAC e escreveu o relatório, tendo em julgamento admitido que a referência ao segundo quadrante e ao dente 2. 6 e não ao 3.º quadrante e ao dente 3.6 se tenham tratado de lapsos de escrita.E disso certamente se tratou, não havendo noticia que a autora tenha feito outro implante, concretamente naquele dente 2.6 (e que, por coincidência incrível, tivesse cortado o nervo alveolar – se bem que teria de ser o superior e não o inferior, dado o 2.º quadrante se situar nos dentes de cima da boca), não tendo o demais exposto no relatório do TAC efetuado pela Dr. JJ sido posto em causa, concretamente que o implante tenha ultrapassado o canal dentário inferior, sendo esta a questão essencial.O próprio réu BB, insurgindo-se contra o papel com que a autora se apresentou numa consulta em que aparentava a interceção do implante com o nervo alveolar (a ré CC aludiu igualmente a esta situação dizendo que a autora tinha consigo um desenho, não sabendo o tribunal se esse tal papel/desenho poderá ser o documento 4 junto com a petição inicial), referia que se trata de uma imagem a duas dimensões que não permitia concluir desse corte, apenas uma TAC o permitia avaliar.
Também a testemunha FF, médico que a determinada altura seguiu em consulta a autora, explicou que a TAC é que permitiria verificar a origem do problema.
E o relatório pericial apresentado pelos Senhores peritos igualmente o menciona, dizendo que “um exame de tomografia computorizada, ao apresentar nos seus cortes paraxiais uma terceira dimensão (vestíbulo-lingual), que a ortopantomografia não consegue exibir, poderia ajudar a perceber se a cortical do osso que circunda o nervo alveolar inferior, estão ou não intacta e dessa formam poder-se estabelecer a ausência ou eventual afetação do nervo” (p. 17 do relatório pericial junto a 1 de março de 2019).
Ora, essa TAC foi feita e muito embora não se tenha a imagem, que não foi junta ao processo, tem-se o relatório, onde a interceção do implante com o nervo alveolar é referida expressamente, não tendo o relatório nesta parte sido objeto de controvérsia ou de emenda aquando do depoimento da médica que o elaborou.
O relatório da TAC é assim decisivo e permite afastar as dúvidas expressas.
Uma nota para referir que o réu BB mencionou que da imagem da TAC que posteriormente ao ato médico a autora fez resultava que o implante e o nervo não estavam sobrepostos, mas mais uma vez se chama a atenção que essa imagem não consta do processo, apenas consta o relatório da TAC elaborado pela médica que o fez, cuja conclusão de sobreposição não foi colocada em causa aquando do seu depoimento.
O mesmo se dirá a propósito do relatório da CESPU, clinica onde DD presta atividade, junto a fls. 222, que se julga que data de dezembro de 2016 (o relatório em si não tem data, tendo esta data o ofício que o envia para tribunal (fls. 221), pois que referindo que da TAC verificava-se que o implante colocado na zona do dente 3.6 estava próximo do nervo alveolar, mas sem interceção, continua sem se fornecer a imagem da TAC, já se sabendo que do relatório do médico que o fez (a testemunha JJ) resulta exatamente o contrário, existe interceção do implante com o nervo alveolar ou, como se diz nesse relatório, a sua extremidade caudal ultrapassa em milímetros o canal do dentário inferior.
Esta menção no relatório da TAC de 2010 à interceção do nervo alveolar com o implante não é considerada no processo de sinistro efetuado pela ré B..., que foi junto com o requerimento de 15/12/216 (fls. 189 e seguintes), não obstante o relatório dessa TAC constar desse processo de sinistros, referindo que o resultado da TAC “foi dado a conhecer ao segurado que concluiu não existir secção do nervo alveolar” (p. 193) e mais à frente que “não existe prova da natureza da lesão que a paciente alegar sofrer; ao invés, existe um relatório de uma TAC mandibular que não identifica qualquer lesão no nervo alveolar inferior”(p. 196), certo que do dito relatório resulta exatamente o contrário, sendo assim este processo de sinistro mais um documento que não merece credibilidade.
Por outro lado, a TAC entretanto realizada à autora no âmbito deste processo, cujo relatório foi junto a 18/10/20219 (fls. 307), não consegue trazer nova luz a esta questão, porquanto concluiu que o método de imagem não permite excluir ou afirmar a existência de danos no nervo alveolar inferior, permitindo apenas definir a integridade da cortical do canal ósseo em que esse nervo se localiza.
(…) Aqui chegados, cabe recordar que o único elemento objetivo que existe quanto à lesão e causalidade é o relatório da TAC realizada à autora em 2010, junto com a petição inicial como documento 7, constado o original a fls. 253, dele, como se viu, resultando que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior.
Sem prejuízo, existem outros elementos que igualmente apontam para a existência de uma lesão e para a sua causalidade com o ato médico em causa. Tal como referido por FF e por KK, médico que referiu ter observado a autora numa consulta há cerca de 12 anos, tendo-lhe feito um exame clínico e uma radiografia (embora não tivesse sido dito, ficou a pensar-se que poderia ser a imagem que constitui o documento 4 junto com a petição inicial), as queixas que a autora apresentava eram compatíveis com esse tipo de lesão, queixas que estas testemunhas disseram ser adormecimento do lábio, falta de sensibilidade e dor (KK referiu que a autora podia sentir dor, dor neuropática), tendo apenas FF referido que estas sensações deveriam ser na mandíbula e não propriamente no lábio, onde a esta distância temporal julgava que a autora apresentava as ditas queixas.
Independentemente disso, é certo que a autora se queixava de dores e/ou de desconforto, pois que o fez perante os réus CC e BB, que em função da sua repetição mandaram fazer a TAC e reencaminharam a autora para ser assistida pelo Professor DD, fê-lo perante este (que disse que se queixava de ter dores e “picos”), fê-lo perante FF e KK como se viu,, fê-lo perante LL (marido da autora), MM (amiga da autora) e NN (filha da autora), o que leva a ponderar que a situação clínica que exibia era no sentido de ter sofrido uma lesão que pudesse justificar essas dores.
E estas queixas da autora surgem após a intervenção levada a cabo pelo réu BB e repetem-se, pelo que se percebeu, durante anos, variando um pouco conforme as pessoas que as relatavam, fossem dores ou falta de sensibilidade (LL, MM e NN aludiram sobretudo a falta de sensibilidade (o primeiro), sensação de boca paralisada e babar-se (a segunda e terceira), acabando estas queixas por encontrar respaldo ou justificação no relatório da TAC que descreve o corte do nervo alveolar.
A lesão, os sintomas e as queixas de dor são igualmente mencionadas no relatório pericial e esclarecimentos posteriores escritos, tal como dado por provado, aludindo-se a sensação álgica, afasia, disartria (embora se tenha entendido não terem grande significado por o decurso do tempo permitir uma adaptação e reabilitação e a insensibilidade), tendo ainda os Senhores Peritos dissertado nos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento sobre uma parestesia com o corte do nervo alveolar, acabando nos esclarecimentos posteriores escritos por concluir que as lesões sofridas pela autora determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, tendo ainda uma nevralgia unilateral sensitiva de ramo do trigénio de 0,2.
Em função desta prova, as declarações dos réus CC e BB e da testemunha DD de que o procedimento médico efetuado pelo segundo foi correto, na extração do dente e colocação do implante não houve interceção do nervo alveolar e que os testes de sensibilidade efetuados à autora não davam resposta positiva não merecem credibilidade e são dadas por não provadas.”
“6. Admite-se como facto clínico uma proximidade do implante ao canal onde está, normalmente, localizado o nervo mandibular.(…) 8. Processos inflamatórios ou traumáticos que afectem este nervo podem desencadear o quadro clínico descrito no foro neuromuscular reportado pela autora com carácter que pode ser temporário ou permanente.(…) 10. Os peritos consensualizaram para o presente caso, que face aos dados existentes e constantes do processo ou verificáveis aquando da perícia médico-legal, pode ser adequada uma razoável dúvida acerca do nexo de causalidade entre o procedimento conjunto de exodontia do dente 36 e de colocação de implante imediato, com os efeitos relatados do quadro neurológico consequente.”
[MTS]