concretização do pedido*
1. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
I – É admissível a ampliação do pedido, em acções de responsabilidade civil, quando estão reunidos os pressupostos do art. 265º, nº2, do C.P.C., ou do art. 569º do Código Civil.
II – Não é possível a ampliação quando a mesma comporta simultaneamente uma alteração da causa de pedir, atentas as limitações impostas pelo nº1 do mesmo art. 265º do C.P.C.
A..., S.A., pessoa colectiva nº ...70, com sede sem ..., Edifício ..., ..., ..., instaurou no Juízo Central Cível de Coimbra [---] acção comum contra MUNICÍPIO ..., com sede na Praça ..., ... ..., pedindo que:
a) Seja declarado que o prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial é propriedade da autora;
b) O réu seja condenado a restituir à autora o referido prédio;
c) Caso a restituição não seja possível, o réu seja condenado a pagar à autora compensação pecuniária em valor nunca inferior 1.333.000,00 €. [...]
A autora apresentou réplica, contestando a reconvenção deduzida pelo réu e requerendo a ampliação do pedido formulado na petição inicial, nos seguintes moldes: “(…)
2) Subsidiariamente, e para o caso de não ser possível a restituição do prédio propriedade da Autora, deve ser o Réu condenado a pagar à Autora, para além do valor integral do prédio, identificado no documento n.º 1 da petição inicial, conforme pedido naquele articulado, uma indemnização que compreende todos os danos sofridos pela Autora em consequência da actuação ilícita do MUNICÍPIO ..., nomeadamente os decorrentes da ocupação e edificação ilegal em terreno propriedade da Autora, privação do direito de propriedade da Autora, demora na fixação e no pagamento da indemnização devida por aquela privação e culpa na negociação do protocolo, o que se computa, nesta data em €1.636.968,32, sendo o remanescente a liquidar em execução de sentença, tudo com as legais consequências.”
Para fundamentar a requerida ampliação, alegou o seguinte:
85.º
Em consequência das acções ilícitas do Réu, a Autora sofreu, em síntese, os seguintes danos:
- Dano negativo, ou de confiança, resultante da lesão do interesse contratual negativo, ou seja, o dano que não teria sido sofrido se não se tivesse entrado em negociações para a celebração do “protocolo”, e que consiste no rendimento que a Autora poderia ter auferido com a exploração de um posto de abastecimento em local alternativo, o qual, em virtude das negociações em curso perdeu a oportunidade de procurar de forma activa e diligente, e que corresponde ao lucro previsto, para o período de 20 anos, de um posto de abastecimento em localização idêntica, com semelhante capacidade de armazenamento, com os seguintes volumes de vendas anuais (com referência ao ano de 2013): o 2.281m3 de combustíveis;
- €15.000,00 de lavagens automóvel;
- €400.000,00 de loja,
Valores que perfazem um lucro anual previsto de €42.000,00, ou seja, um lucro previsto para um período de 20 anos correspondente a €840.000,00.
- Violação do direito de propriedade da Autora, pela ocupação de um prédio, ao qual a Autora atribui o valor de €1.133.000,00 (como resulta do pedido da petição inicial), mas que o Réu, em 2007, já valorou, ele próprio, em €973.297,00;
- Demora na fixação e no pagamento da indemnização pela ocupação e utilização do prédio propriedade da Autora, que corresponde aos juros corridos sobre o valor do prédio, desde a data da sua ocupação (1/11/2006) até à data em que for efectivamente paga e recebida a indemnização, e que se ascendem, nesta data, a €796.968,32 (cfr. documento n.º 3 que ora se junta e se dá por reproduzido).”. [...]
“Admito a ampliação do pedido. Atento o que dispõe o artº 265/2 do CPC, afigura-se que a indemnização por danos decorrentes da ocupação e indemnização por danos em virtude da demora na fixação e no pagamento da indemnização constituem desenvolvimento do pedido primitivo.”. [...]
Tendo sido referido pela 1ª instância que a indemnização por danos decorrentes da ocupação e indemnização por danos em virtude da demora na fixação e no pagamento da indemnização constituem desenvolvimento do pedido primitivo, importa verificar, atento o que foi alegado nas correspondentes peças processuais, se a ampliação do pedido pode ser admitida.
O quadro normativo que rege esta matéria, como sabemos, resulta do disposto no art. 265º, nº 2, do C.P.C., norma que apresenta a seguinte redacção: “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.” [---]
A nossa jurisprudência, pronunciando-se sobre o regime que o legislador consagrou – entendimento que também sufragamos –, tem defendido que ampliação é admissível quando a nova pretensão se possa integrar no pedido primitivo e não exista alteração da causa de pedir, ou seja, quando não sejam alegados factos que não se integram nos fundamentos que sustentam a pretensão formulada inicialmente (neste sentido, cf., entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 4/4/2024, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c4a23b9d9ee926c980258afc0045203d?OpenDocument, o Acórdão da Relação de Évora de 12/10/2023, disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/4ce81ebdc844733d80258a7d00347ae4?OpenDocument), o Acórdão da Relação de Guimarães de 10/7/2023, disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/791f24cef40b8740802589f900301d3a?OpenDocument, e o Acórdão da Relação do Porto de 27/10/2022, disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7ac448831b9c72d88025890500533f00?OpenDocument).
No caso vertente, tratando-se de uma situação que tem reflexos no domínio da responsabilidade civil – o pedido formulado a título subsidiário, na petição inicial e na réplica, situa-se nesse âmbito – é ainda necessário levar em consideração o disposto no art. 569º do Código Civil, o qual prescreve que “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.”.
Compulsada a réplica, verificamos, salvo melhor opinião, que a autora formula um pedido que, embora se enquadre nos parâmetros da responsabilidade civil, se funda num acervo factual que não tem correspondência com o que havia sido alegado na petição inicial, tratando-se, por isso, de uma pretensão inteiramente nova, com base em pressupostos fácticos que ultrapassam os limites fixados pela causa de pedir que integra o articulado que introduziu o feito em juízo.
É invocada, entre outra matéria, factualidade que nos remete para o campo do denominado interesse contratual negativo [Sobre a matéria, cf. o Acórdão desta Relação (Coimbra) de 9/11/2022, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b8fdaa3539e168698025891f003d4e7b?OpenDocument, e o Acórdão da Relação do Porto de 19/12/2023, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/5dd81f7863ed174880258ab5003f27b1?OpenDocument.], sendo alegados prejuízos que decorrem da circunstância de o posto de abastecimento referido nos autos ter sido encerrado, factualidade, como referimos, que não constava na petição inicial.
Uma vez que não existe acordo das partes, caso em que seria admissível a ampliação (art. 264º do C.P.C. [...]), teriam de estar verificados os pressupostos do nº1 do art. 265º do C.P.C., preceito este que estabelece que “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.”
Em resumo, não estando reunidos os requisitos dos arts. 264º e 265º, nºs1 e 2, do C.P.C., bem como os que se encontram previstos no art. 569º do Código Civil, não é admissível a ampliação do pedido, pelo que o recurso merece provimento, devendo decidir-se em conformidade, com as consequências legais."
No entanto, o que parece que verdadeiramente se verificou foi uma concretização do pedido subsidiário, que inicialmente era apenas o de, "caso a restituição não seja possível, o réu seja condenado a pagar à autora compensação pecuniária em valor nunca inferior 1.333.000,00 €". Ora, é precisamente esta concretização que não é admitida pelo disposto no art. 265.º, n.º 2, CPC.