Processo de divórcio;
pedidos cruzados; dever de pronúncia
Se o Tribunal decreta o divórcio com o fundamento invocado pelo autor não tem que discutir e apreciar o fundamento invocado pela Ré, que assim fica prejudicado, inexistindo, por isso, omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 608.º, n.º 2, ambos do CPC.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"4. Apreciação do recurso:
4.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
"Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC que “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Defende a recorrente/Ré que o Tribunal violou este preceito por não ter apreciado o fundamento do divórcio que invocou: rutura da vida em comum com base na violação dos deveres conjugais pelo autor, limitando-se a apreciar o fundamento invocado pelo autor.
Vejamos.
O Tribunal deu como provados os factos invocados pelo autor, considerou preenchido o requisito da separação de facto há mais de um ano, e, por conseguinte, decretou o divórcio entre as partes e dissolvido o casamento.
A Ré não contesta a verificação deste fundamento, entende, porém, que o Tribunal devia ter decretado o divórcio com base na violação dos deveres conjugais – fundamento que invocou, em sede de contestação – e não como foi, com base na separação de facto das partes, pois diz “Tendo já aqueles factos sido objeto de prova e sido apreciados, e considerando o disposto na lei processual civil quanto ao alcance das decisões transitadas em julgado, e por razões de economia processual, para além do desejo da Apelante de justiça material/substantiva, tem esta todo o interesse em que o divórcio seja decretado com base nos factos por si alegados e, a seu ver, provados”.
Ora, conforme se refere no Acórdão do STJ de 12-12-2023 (Proc. 2800/20.6T8FAR.E1.S1, o referido artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC está intimamente ligado ao disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”. Por conseguinte, estando já provado um fundamento do divórcio, ficou prejudicado o conhecimento de outros fundamentos do divórcio, designadamente do invocado pela Ré: rutura da vida em comum com base na violação dos deveres conjugais. E isto, independentemente de o pedido da autora consubstanciar ou não uma reconvenção e dever ser ou não admitido como tal, pois conforme ensina Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com/2024/10/jurisprudencia-2024-28.html “quando a reconvenção pretende obter o mesmo efeito jurídico que o autor pretende conseguir (artigo 266.º, n.º 2, alínea d), do CPC), a reconvenção só é apreciada no caso de o pedido do autor não ser considerado procedente. A bem dizer, essa reconvenção é sempre, pela sua natureza, uma reconvenção subsidiária. P. ex.: se, numa acção de reivindicação, o réu deduz um pedido reconvencional em que pede o reconhecimento da sua propriedade sobre o mesmo bem e a restituição deste bem, este pedido reconvencional só vai ser apreciado se o pedido de reivindicação formulado pelo autor for julgado improcedente.
Isto é: o tribunal não coloca em comparação (ou em "competição") o pedido do autor e o pedido reconvencional e não aprecia em simultâneos ambos os pedidos antes de considerar procedente apenas um deles. O que o tribunal vai fazer é, primeiro, apreciar o pedido (de reivindicação) do autor e, para o caso de este ser considerado improcedente, então apreciar o pedido (de reivindicação) do réu. O mesmo vale para a hipótese de, numa ação de divórcio, ser formulado um pedido reconvencional de divórcio”.
Note-se que com a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, o divórcio sem consentimento do outro cônjuge “deixou de se pautar pela exigência de prova de culpa de um dos cônjuges (para quem consequências patrimoniais negativas eram decretadas), passando a admitir-se como fundamento de divórcio a cláusula geral qualquer facto que mostre a ruptura definitiva do casamento (constante do actual artigo 1781.º, alínea d), Código Civil)”. - Beatriz Macedo Vitorino – Processos Especiais, Vol. I, pág. 191. Ou como refere Guilherme de Oliveira in A Nova Lei do Divórcio https://www.guilhermedeoliveira.pt/resources/A-nova-Lei-do-Divo%CC%81rcio.pdf “A Lei n.º 61/2008 abandonou a relevância da culpa – tanto para fundamentar o divórcio, como para regular as consequências patrimoniais da dissolução.
Por conseguinte, não existe qualquer interesse relevante em apurar se para além dos motivos invocados pelo autor, que foram dados como provados e que conduziram a que fosse decretado o divórcio, também se demonstrou o fundamento invocado pela Ré.
Neste sentido pronunciou-se o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2016 (proferido no processo n.º 1917/15.3T8CSC.L1-8) citado na sentença, com que se concorda e onde se decidiu que “O que o recorrente pretende é que o tribunal a quo tivesse conhecido da factualidade por si invocada, descrevendo os vários episódios da vida em comum com a Autora e das condutas que levaram à rutura do casamento. Todavia, para efeito do presente processo, esses factos são irrelevantes na medida em que são desnecessários para demonstrar que nem Autora nem Réu têm o propósito de reatar a vida em comum.
Nos termos gerais de direito, nada obsta a que o Réu venha a propor acção peticionando indemnização da Autora por violação dos deveres conjugais no decurso do matrimónio, o mesmo se podendo dizer, de resto, em relação à Autora. E em tal acção serão, aí sim, discutidos e sujeitos a prova e a apreciação jurídica os factos tendentes a fundamentar eventual indemnização que venha a ser peticionada, quer pelo ora Réu quer pela ora Autora.
Mas não na presente acção, na qual, insiste-se, os fundamentos para o divórcio são os previstos nas alíneas a) a d) do art. 1781º do Código Civil."
[MTS]
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