"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/11/2014

Bibliografia (47)


-- Sousa Santos, B. de, Para uma Revolução Democrática da Justiça (Almedina: Coimbra 2014)

27/11/2014

Cronograma do novo Código de Processo Civil brasileiro



O Projeto de Novo Código de Processo Civil, aprovado na Câmara dos Deputados em 26 de março de 2014, teve sua tramitação inaugural, quando da apresentação ao Congresso Nacional de um Anteprojeto preparado por uma Comissão de Juristas, instaurada em 30/09/2009 e composta por Adroaldo Furtado Fabricio, Bruno Dantas, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Elpídio Donizetti, Teresa Arruda Alvim Wambier, Humberto Theodoro Júnior, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Luiz Fux, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho. O Anteprojeto foi apresentado em 08 de junho de 2010 ao Senado Federal sob o número 166/2010 (convertido no Projeto de Lei do Senado de nº 166/2010 – PLS nº 166/2010).

Segundo a Exposição de Motivos do projeto, sua elaboração se orientou precipuamente “por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão”.

O presidente da comissão de juristas, Luiz Fux, Ministro do Supremo Tribunal Federal, informa que o projeto manteve os mesmos fundamentos técnicos do movimento reformista gestado a partir da década de 1990, com busca de adequação ao movimento de acesso à justiça.

Tal projeto teve seu relatório final apresentado ao Senado, em 24 de novembro, e aprovado em 1º de dezembro de 2010, com poucas alterações.

Com a aprovação do relatório, o PLS nº 166/2010 foi aprovado pelo Senado Federal em 15 de dezembro de 2010, com envio para a tramitação na Câmara dos deputados (Projeto de Lei nº 8.046/10).

De 12 de abril de 2011 a 15 de maio de 2011, ficou submetido à consulta pública no site do Ministério da Justiça.

Em 16/06/2011 foi instituída uma comissão especial na câmara, tendo como presidente e relator, respectivamente, os Deputados Fábio Trad e Sérgio Barradas Carneiro.

Em 05/09/2011 foi instituída uma comissão de (juristas) notáveis (entre eles os Profs. Fredie Didier Jr e Luiz Henrique Volpe Camargo, como coordenadores deste trabalho, além de Leonardo Carneiro da Cunha, Alexandre Freitas Câmara, Daniel Mitidiero, Paulo Lucon, José Manuel Arruda Alvim, Rinaldo Mouzalas e Marcos Destefenni) com a finalidade de auxiliar na adequação do susbtitutivo.

Após a saída da relatoria do Dep. Barradas Carneiro houve uma interrupção dos trabalhos que retornaram com o ingresso no múnus do Dep. Paulo Teixeira, a partir de maio de 2012.

Quando assumiu a relatoria, o Dep. Teixeira ampliou o grupo de juristas para os Profs. Ada Pelegrini Grinover, Alexandre Freire, Antonio Carlos Marcato, Antonio Claudio da Costa Machado, Athos Gusmão Carneiro, Candido Rangel Dinamarco, Carlos Alberto Sales, Cassio Scarpinela Bueno, Dierle Nunes, José Augusto Garcia, Kazuo Watanabe, Lenio Streck, Luiz Guilherme Costa Wagner, Luiz Guilherme Marinoni, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, Regina Beatriz Tavares e Teresa Arruda Alvim Wambier.

Após a aprovação na Comissão Especial em 16 de julho de 2013, o grupo de juristas que auxiliou diretamente os Deputados Trad e Teixeira, contou continuamente com a participação dos Profs. Fredie Didier Jr, Luis Henrique Volpe Camargo, Leonardo José Carneiro da Cunha e Dierle Nunes, até aprovação do texto em 26 de março de 2014 (clicar aqui), com sua remessa para tramitação final na Casa de ingresso.

O projeto apresenta uma redivisão topográfica dos livros do CPC. Ao invés de trabalhar com os cinco livros atualmente existentes no Código de Processo Civil de 1973 reformado — vigente — (Livro I – do Processo de conhecimento, arts. 1º a 565, Livro II – Do Processo de Execução, arts. 566 a 795; Livro III – do Processo Cautelar, arts. 796 a 889; Livro IV – Dos Procedimentos Especiais, arts. 890 a 1210; Livro V – das Disposições Finais e Transitórias, arts. 1211 a 1220), o Novo CPC apresenta uma PARTE GERAL dividida em VI Livros ( LIVRO I - DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS; LIVRO II -DA FUNÇÃO JURISDICIONAL; LIVRO III - DOS SUJEITOS DO PROCESSO;  LIVRO IV - DOS ATOS PROCESSUAIS; LIVRO V - DA TUTELA ANTECIPADA;  LIVRO VI - FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO) e UMA PARTE ESPECIAL, dividida em III Livros (LIVRO I - DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA; LIVRO II - DO PROCESSO DE EXECUÇÃO;  LIVRO III - DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS), e finalmente um LIVRO COMPLEMENTAR (DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS).

No Senado nesta etapa final, foi designada Comissão Especial para analisar o projeto e apresentação de um parecer final. Integram o bloco da maioria os peemedebistas Eunício Oliveira (CE), Vital do Rêgo (PB), Romero Jucá (RR) e Eduardo Braga (AM). No grupo governista estão os petistas José Pimentel (CE) e Jorge Viana (AC), além de Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP) e Wilder Morais (DEM-GO) representarão a oposição. Também fazem parte da comissão Cidinho Santos (PR-MT) e Eduardo Amorim (PSC-SE). Foi nomeada Comissão de Juristas constituída pelo Ministro Luiz Fux e os Professores Teresa Wambier, José Santos Bedaque, Paulo C. Pinheiro Carneiro e Bruno Dantas.

No dia 27 de novembro, os Senadores Vital do Rego e José Pimentel apresentaram publicamente o relatório final da comissão que será submetido a análise no dia 04 de Dezembro (clicar aqui). Uma vez aprovado, espera-se que o projeto seja aprovado ainda no ano de 2014.

Dierle Nunes 
Advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia).  Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.


Nota de actualização: a versão aprovada na Comissão especial no Senado Federal em 4.12.2014 encontra-se disponível aqui.


 

Bibliografia (46)


-- Boon, A., The Ethics and Conduct of Lawyers in England and Wales (Hart Publishing: Oxford 2014)
 
-- Lund, N., Der Gerichtsstand der Streitgenossenschaft im europäischen Zivilprozessrecht (Mohr: Tübingen 2014)

Jurisprudência constitucional (15)


Remuneração de perito

-- TC 656/2014 (14/10/2014) decidiu o seguinte:

"Julga inconstitucional a norma do artigo 17.º, n.os 1 a 4, do Regulamento das Custas Processuais (conjugado com a tabela iv do mesmo Regulamento) interpretada no sentido de que «o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior»".

Jurisprudência constitucional (14)


Apoio judiciário

-- TC 582/2014 (17/9/2014) decidiu o seguinte:

"Não julga inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na interpretação segundo a qual o auferimento de uma indemnização por danos não patrimoniais deve ser tomada em consideração para efeitos de cancelamento do apoio judiciário concedido no âmbito do próprio processo em que aquela foi decretada".

Jurisprudência constitucional (13)


Recurso de revista; duplo grau de jurisdição em matéria de facto

-- TC 561/2014 (15/7/2014) decidiu o seguinte:


"Não julga inconstitucional a norma constante dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na interpretação de que é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a recorrente não pôde produzir prova; não julga inconstitucional a norma constante do no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, na interpretação de que o alargamento do prazo de recurso encontra-se excluído do campo de aplicação do recurso de revista".

Da fundamentação do acórdão consta a seguinte passagem:

"O artigo 80.º do Código de Processo de Trabalho dispõe o seguinte:

“1 — O prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias.
2 — Nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 79.º -A e nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 721.º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso reduz -se para 10 dias.
3 — Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, aos prazos referidos na parte final dos números anteriores acrescem 10 dias.”

[...] a decisão recorrida, para verificar se era aplicável em recurso de revista interposto em processo laboral o alargamento do prazo de recurso previsto no transcrito artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, debruçou-se previamente sobre a questão de saber se era possível a reapreciação da prova gravada nesse tipo de recurso, tendo concluído que não pode fazer parte do seu objeto esse modo de controlo das decisões impugnadas.

Para chegar a esta conclusão constatou que o artigo 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo laboral, por força do disposto no artigo 81.º, n.º 5, do Código de Processo de Trabalho, dispunha relativamente aos termos em que julga o tribunal de revista, que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3, do artigo 674.º”.

E, analisando este último preceito, entendeu que “os casos excecionais aludidos no n.º 3, do artigo 674.º do Código de Processo Civil reportam-se à ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova e não à apreciação se se mostra provado determinado facto, se foram tidos em conta factos novos e estranhos ao processo sem a respetiva produção de prova ou se o tribunal recorrido violou a lei processual que estatui os pressupostos e os fundamentos em que deve mover -se a reapreciação da prova”.

Não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar a correção infraconstitucional deste raciocínio, mas apenas verificar se o critério adotado viola algum imperativo constitucional, designadamente o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. 

É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema judiciário, decorrente da chegada de todas ou de uma larga maioria das ações aos diversos “patamares” de recurso.
"


26/11/2014

Jurisprudência europeia (TJ) (28)


Diretiva 85/374/CEE – Proteção dos consumidores – Responsabilidade decorrente de produtos defeituosos – Regimes especiais de responsabilidade existentes na data da notificação da diretiva

-- TJ 20/11/2014 (C‑310/13, Novo Nordisk Pharma/S.) decidiu o seguinte:

"A Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, conforme alterada pela Diretiva 1999/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 1999, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que estabelece um regime especial de responsabilidade na aceção do artigo 13.° da referida diretiva, o qual, na sequência de uma alteração dessa legislação que ocorreu posteriormente à data da notificação desta diretiva ao Estado‑Membro em causa, prevê que o consumidor tem o direito de exigir ao fabricante do produto farmacêutico informações sobre os efeitos secundários desse produto."

Bibliografia (45)


-- Vieira Cura, A., Curso de Organização Judiciária, 2.ª ed. (Coimbra Editora: Coimbra 2014)

Revelia da parte assistida e poderes do assistente




1. Uma Colega do IPPC colocou-me uma questão sobre a interpretação do disposto no art. 329.º CPC, assim redigido: “Se o assistido for revel, o assistente é considerado como seu substituto processual, mas sem lhe ser permitida a realização de atos que aquele tenha perdido o direito de praticar”. A questão colocada foi a seguinte: dado que a revelia do assistido só se verifica quando tenha decorrido todo o prazo de contestação e dado que é apenas nesse momento que o assistente adquire a qualidade de substituto processual daquele assistido, ainda assim é permitido a esse assistente, actuando como substituto processual daquela parte, apresentar uma contestação?

Um argumento para uma resposta negativa a esta questão poder-se-ia extrair do próprio art. 329.º CPC, dado que neste preceito se estabelece expressamente que ao assistente não é permitida a realização de actos processuais que o assistido tenha perdido o direito de praticar. Nesta interpretação, o momento da verificação da revelia do assistido coincide com aquele em que esta parte perde o direito de contestar e em que, portanto, o assistente deixa de se poder substituir ao assistido revel na apresentação de qualquer contestação. Quer dizer: no exacto momento em que se verifica a revelia, o assistente torna-se substituto processual do réu revel e, simultaneamente, fica impossibilitado de se substituir a este réu na apresentação da contestação.

2. Antes de avançar na tentativa de interpretação do estabelecido no art. 329.º CPC, convém recordar a história do preceito. O art. 342.º, § único, CPC/1939 estabelecia o seguinte: “Se o assistido for revel, o assistente será considerado como seu gestor de negócios”. No CPC/1961, o preceito passou a ser o art. 338.º, mas manteve quase integralmente a redacção (em vez de “será considerado” passou a estar “é considerado”). O art. 1.º DL 329-A/95, de 12/12, forneceu ao então art. 338.º a sua actual redacção, devendo salientar-se o novo enquadramento da posição do assistente de uma parte revel: antes era considerado um gestor de negócios, agora é qualificado como um substituto processual da parte assistida. 

Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado I, 3.ª ed. (1948), 474) retirava da qualidade de gestor de negócios do réu revel não apenas a qualificação do assistente como parte principal, mas também a faculdade de esta parte “recorrer de todas as decisões desfavoráveis ao assistido”. A conclusão era evidentemente correcta, mas nada acrescentava à atribuição de legitimidade para recorrer à parte acessória que constava do art. 680.º 2.ª parte CPC/1939.

3. Para a interpretação do disposto no art. 329.º CPC importa considerar dois aspectos preliminares.

O primeiro é o seguinte: a revelia do assistido não o impede de praticar nenhum acto em juízo (com excepção, como é evidente, da contestação), pelo que não se justifica nenhuma substituição desse assistido com o argumento de que ela é necessária para possibilitar a prática de certos actos em processo. Por exemplo: o assistido, apesar de ser revel, pode impugnar qualquer decisão que lhe seja desfavorável, nos termos gerais do art. 631.º, n.º 1, CPC. Isto significa que a transformação do assistente em parte principal não é necessária para suprir nenhuma falta de poderes do assistido revel. 

O segundo aspecto é relativo às consequências da transformação, na sequência da revelia do assistido, do assistente em parte principal e em substituto processual daquele assistido. Tendo presente que, numa situação de substituição processual, o normal é que o substituto processual esteja sozinho em juízo (ou seja, não esteja acompanhado da parte substituída), aquela transformação só pode encontrar justificação nas hipóteses em que o assistido se mantém afastado do processo ou neste não pratica actos que tem a faculdade de realizar. O sentido daquela transformação não pode ser o de, após a revelia do assistido, duplicar quer as partes principais demandadas (constituindo uma situação de litisconsórcio passivo?), quer as possibilidades do uso das faculdades processuais, mas antes (e apenas) o de permitir que o assistente (agora parte principal e substituto processual) possa substituir-se ao assistido nos actos que este não venha a realizar.

Procurando esclarecer de outro modo: a transformação do assistente em substituto processual do assistido revel atribui a este assistente todos os poderes de uma parte principal, mas não pode ser considerada nem global, nem excludente. Não é global, porque o assistente não se torna substituto processual para todo o processo e para todos os respectivos actos, mas apenas para os actos que o assistido não venha a praticar. Também não é excludente, porque a qualidade de substituto processual do assistente não impede que o assistido continue a praticar em juízo todos os actos que lhe são permitidos.

4. Adquirido que o assistente pode praticar, enquanto substituto processual, todos os actos que cabem ao assistido e, ao mesmo tempo, que este não perde a possibilidade de praticar esses mesmos actos, o problema que a seguir se coloca é o de saber em que momento é que o assistente pode praticar os seus actos. A solução seria fácil se a lei dispusesse que o assistente poderia praticar os actos depois de o assistido ter perdido a possibilidade de os realizar: a contagem sucessiva de prazos para o assistido e para o substituto processual evitaria qualquer eventual duplicação da realização do mesmo acto por duas partes distintas.

A lei dispõe, contudo, em sentido diametralmente oposto a este: o assistente, ainda que substituto processual, não pode praticar actos que o assistido tenha perdido a oportunidade de praticar (art. 328.º, n.º 2, CPC). Sendo assim, só é possível uma solução: o assistente (e substituto processual) pode praticar o acto no mesmo prazo que é concedido ao assistido. Depois da prática do acto pelo assistente, acontece uma das seguintes situações: se o assistido também praticar o acto, este acto prevalece sobre o do assistente (art. 328.º, n.º 2 in fine, CPC); se o assistido não praticar o acto, mantém-se o acto praticado pelo assistente (que, neste caso, actua como verdadeiro substituto processual do assistido).

Em termos dogmáticos, há que entender que o acto praticado pelo assistente é sempre subsidiário ou eventual: só produz efeitos no caso de o assistido não praticar o mesmo acto (ou, pelo menos, na parte que não for contrariada pelo acto do assistido).

5. Um dos problemas suscitados pelo disposto no art. 329.º CPC é o de saber se a qualidade de substituto processual – que só é adquirida pelo assistente após a revelia do assistido – vale apenas para os actos posteriores a essa revelia. Uma resposta positiva a esta questão implica que o assistente tem de aceitar os efeitos da revelia do assistido e só pode praticar os actos que integrem a tramitação posterior a essa revelia. Voltando a utilizar a terminologia antiga, esta orientação implica transformar o assistente em “gestor de negócios” da revelia do assistido.

A conclusão a que acima se chegou – a de que o assistido e o assistente podem “concorrer” na prática do mesmo acto no mesmo prazo – permite a construção de uma outra orientação. Aquela conclusão torna muito discutível que o art. 329.º CPC deva ser interpretado como implicando que ao assistente só seja concedida a hipótese de se conformar com a revelia do assistido e de “gerir” esta revelia na tramitação subsequente do processo. Afinal, não há nenhuma justificação para se entender que o que preceito permite para qualquer acto subsequente à revelia do assistido não deva valer também para a apresentação da contestação. Assim, há que entender que o assistente pode contestar e que, se o assistido vier a permanecer revel, vale a contestação que o assistente tenha apresentado (então na qualidade de substituto processual daquele assistido).

Esta mesma conclusão foi recentemente reafirmada na doutrina portuguesa (embora apenas para o caso de revelia absoluta do assistido): “como substituto processual, pode […] o novo réu contestar, em vez do réu primitivo” (Lebre de Freitas/I. Alexandre, Código de Processo Civil Anotado I, 3.ª ed. (2014), 643). Apenas importa esclarecer que a contestação do assistente é necessariamente subsidiária (ou eventual): só vale para a hipótese de o assistido não apresentar nenhuma contestação e de, portanto, se verificar a revelia daquela parte.

O argumento para só admitir a contestação do assistente na hipótese de revelia absoluta é o de que, no caso de revelia relativa, o assistido mostrou, através da junção de procuração a mandatário judicial, a sua vontade de não contestar (Lebre de Freitas/I. Alexandre, Código de Processo Civil Anotado I, 3.ª ed., 643). Não se nega que este comportamento do assistido mostra, de forma tácita, a vontade de não contestar, mas é discutível que isso possa ter alguma importância para a solução da situação em análise.

Para além do que se pudesse afirmar quanto à relevância (ou, talvez melhor, irrelevância) da vontade das partes na prática ou na omissão de actos processuais, há um argumento que torna duvidosa aquela orientação. O argumento é o seguinte: se se entende que o assistente não pode apresentar uma contestação numa hipótese de revelia relativa do assistido, então também haveria que concluir que, exactamente com a mesma justificação (junção pelo assistido de procuração a mandatário), o assistente deveria ficar impedido de praticar qualquer outro acto em substituição do assistido revel. No fundo, também quanto a todo e qualquer outro acto, aquela junção, conjugada com a omissão do acto, revela a vontade do assistido de não praticar o acto. 

6. Convém sublinhar que a apresentação da contestação nos ternos acima referidos constitui para o assistente uma faculdade, nunca um ónus. Isto é importante, porque a não apresentação da contestação pelo assistente numa situação de revelia do réu assistido não pode ser utilizada como argumento para retirar ao assistente a possibilidade de, para afastar a vinculação ao caso julgado da decisão proferida na sequência da revelia do assistido, alegar e provar que a atitude de (não contestação) deste assistido o impediu de fazer uso de alegações ou de meios de prova (cf. art. 332.º, al. a), CPC). 

MTS


Bibliografia (44)


-- Köck, M., Die einheitliche Auslegung der Rom I-, Rom II- und Brüssel I-Verordnung im europäischen internationalen Privat- und Verfahrensrecht (Duncker & Humblot: Berlin 2014)

 

Papers (42)


-- Cohen, M., Ex Ante Versus Ex Post Deliberations: Two Models of Judicial Deliberations in Courts of Last Resort (11.2014)

-- Manko, R., European Small Claims Procedure: Legal Analysis of the Commission's Proposal to Remedy Weaknesses in the Current System (PE 542.137 - 11.2014)


24/11/2014

Jurisprudência (49)


Providências cautelares; recurso para o STJ

I. O sumário de STJ 11/11/2014 (542/14.0YLSB.L1.S1) é o seguinte:

"1. Nos procedimentos cautelares, a admissibilidade do recurso de revista está condicionada pela verificação de alguma das excepções previstas no art. 629.º, n.º 2, do NCPC.

2. Ao abrigo da previsão da al. d) do referido normativo, apenas releva a verificação de uma contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação relativamente a uma questão de direito que se tenha revelado verdadeiramente decisiva para os resultados declarados em qualquer dos acórdãos.

3. Não se verifica esse requisito quando no acórdão fundamento se admitiu a providência de restituição provisória da posse com base no pressuposto de que a requerente era possuidora de um estabelecimento comercial instalado numa loja de um centro comercial, ao passo que no acórdão recorrido foi negada à requerente a qualidade de possuidora, por falta do elemento subjectivo da posse."

II. Para a cabal compreensão do sumário do acórdão, importa ter presente o art. 370.º, n.º 2, nCPC: "Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível". O art. 629.º, n.º 2, nCPC enumera os casos em que é sempre admissível recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência.

O art. 629.º, n.º 2, al. d), nCPC admite o recurso para o STJ de um acórdão da Relação que esteja em contradição com outro acórdão de uma Relação, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, quando do mesmo não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se esse acódão for conforme a um acórdão de uniformização. Em abstracto, um acórdão de uma Relação proferido sobre uma providência cautelar é subsumível ao disposto neste preceito, dado que o mesmo não é recorrível pelo disposto no art. 370.º, n.º 2, nCPC e, portanto, por um motivo estranho à alçada.

III. Na fundamentação do acórdão, afirma-se o seguinte quanto ao conflito jurisprudencial:

"[...] no acórdão fundamento considerou-se que, apesar de ter operado a resolução do contrato de utilização de loja em Centro Comercial, a requerente da providência tinha a qualidade de possuidora do estabelecimento comercial que na mesma estava instalado, assim se justificando a concessão da providência cautelar. 

Já no acórdão recorrido se considerou que, uma vez caducado o contrato de utilização da loja em Centro Comercial, a manutenção da exploração da loja enquanto eram trocadas comunicações para a concretização de novo contrato não configurava uma situação possessória, já que lhe faltaria o elemento subjectivo."

MTS

 

21/11/2014

Bibliografia (43)


-- Mikolajczak, C., Die Zwangsvollstreckung in ein Girokonto / Eine Neubetrachtung unter Geltung des novellierten Zahlungsverkehrsrechts der §§ 675c ff. BGB (Duncker & Humblot: Berlin 2014)

Paper (41)


-- Spiro, P. S., Class Actions in Employment Related Disputes (11.2014)

Bibliografia (42)


-- Krans, B., The Dutch Act on Collective Settlement of Mass Damages, Glob. Bus. & Develop. L. J. 27 (2014), 281

18/11/2014

Papers (40)


ELI/UNIDROIT Project on Civil Procedure

1. Os papers apresentados no workshop sobre as European Rules of Civil Procedure foram publicados na Unif. L. Rev.  19 (2014/2) e 19 (2014/3). Em concreto:

-- Unif. L. Rev. 19 (2014/2)
  

-- Unif. L. Rev. 19 (2014/3)

 
2. Para mais informações sobre o projecto clicar aqui.