Procedimento de injunção;
título executivo; oposição
I – A fundamentação de facto do despacho de indeferimento liminar deve ter-se por realizada com a menção das razões que justificam o indeferimento.
II – Após as alterações da Lei n.º 117/2019, de 13/9 ao artigo 857.º, n.º 1, do CPC e ao regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, com aplicação aos procedimentos de injunção iniciados após 1/1/2020, a impugnação dos factos constitutivos da causa de pedir do requerimento de injunção, ao qual não foi deduzida oposição e se verifica a regular notificação do requerido / executado, não constitui fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção dotado de fórmula executória.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"2.2. Se o título dado à execução – requerimento de injunção dotado de fórmula executória – permite à executada impugnar, nos embargos à execução, a existência da dívida cujo pagamento lhe é coercivamente exigido
"2.2. Se o título dado à execução – requerimento de injunção dotado de fórmula executória – permite à executada impugnar, nos embargos à execução, a existência da dívida cujo pagamento lhe é coercivamente exigido
O regime da oposição à execução baseada em requerimento de injunção tem assento no 857.º do CPC, cujo n.º 1, na versão originária aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, previa:
“Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
Esta norma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015 [---], “quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
Por efeito desta declaração, a doutrina [Rui Pinto, CPC anotado, vol. II, pág. 746 (cit. por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, CPC anotado, 2ª ed. Vol. II, pág. 295).] e a jurisprudência [V.g. Acórdão da Relação de Lisboa de 1/6/2017 (proc. 17633/13.8YYLSB-A.L2-2), em www.dgsi.pt], passou a considerar que, para além dos fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º do CPC, a oposição à execução baseada em requerimento de injunção poderia fundar-se em quaisquer outros meios de defesa que o executado pudesse invocar no processo de declaração, de acordo com o artigo 731.º do CPC.
Este paradigma foi alterado por intervenção legislativa.
A Lei n.º 117/2019, de 13/9, procedeu à oitava alteração do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, designadamente, em matéria de processo executivo e alterou também o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, relativo ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior (actualmente) a € 15.000,00.
No regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 foi designadamente alterado o conteúdo da notificação, passando a alínea b) do artigo 13.º a prever que a notificação deve conter a indicação do prazo para a oposição e a respetiva forma de contagem, bem como da preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no artigo 14.º-A e aditado o artigo 14.º-A, com a epígrafe efeito cominatório da falta de dedução da oposição, no qual se prevê:
“1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”.
No Código de Processo Civil foi alterado, designadamente, o n.º 1 do artigo 857.º, o qual passou a vigorar com a seguinte redacção:
“1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual”.
Os nºs 2 e 3 do artigo 857.º do CPC, inalterados, dispõem respetivamente:
“2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso”.
Superada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 857.º do CPC, com as alterações legislativas efectuadas pela Lei n.º 117/19 no Código de Processo Civil e no DL n.º 269/98 [---], os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, aplicáveis a procedimentos de injunção iniciados após 1/1/2020 (artigos 11.º e 15.º da Lei n.º 117/19, de 13/9) podem enumerar-se assim:
i) os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença (artigo 729.º do CPC), aplicados com as devidas adaptações, como já sucedia na redação originária;ii) o uso indevido do procedimento de injunção [artigo 14.º-A, n.º 2, alínea a), do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98];iii) a ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso [artigo 14.º-A, n.º 2, alínea a), do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98];iv) a existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas [artigo 14.º-A, n.º 2, alínea c), do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98];v) qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente [artigo 14.º-A, n.º 2, alínea d), do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98];vi) quaisquer outros fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração, em caso de justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º (n.º 2 do artigo 857.º do CPC).
Os fundamentos previstos no n.º 3 do artigo 857.º do CPC estão em concurso aparente com os fundamentos de oposição invocáveis ao abrigo das alíneas a), segunda parte, e d) do n.º 2 do supra indicado artigo 14.º-A, constituindo repetição deles [Neste sentido, Lurdes Varregoso Mesquita, Algumas notas à Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro – alterações aos embargos de executado e outras conexas, Julgar Online, Abril de 2020.]
À luz destes considerandos, vejamos o caso dos autos.
O requerimento de injunção ao qual foi aposto fórmula executória deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 10/03/2023 e, assim, iniciado o procedimento após 1/1/2020 tem aplicação a norma do artigo 857.º do CPC, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 117/19, de 13/9 como, aliás, se afirma no recurso [ccls 19ª a 21ª].
Resta verificar se os fundamentos de oposição expressos na petição de embargos se ajustam a algum dos fundamentos enunciados.
Adiantando, a resposta é negativa, se bem vemos.
A Executada defendeu-se nos embargos impugnando a existência da dívida causal do pedido formulado no requerimento de injunção; a Requerente no procedimento de injunção – exequente e ora recorrida – havia alegado a falta de pagamento de uma factura emitida em 4/9/2016, ao abrigo de um acordo de parceria comercial celebrado com a Executada em 1/1/2019 e esta argumenta que a sua constituição teve lugar em 10/1/2019 daqui retirando que não celebrou, não podia ter celebrado, o alegado acordo em data anterior à sua constituição e que o pagamento da factura, emitida ao abrigo dum acordo que não celebrou e em data anterior à sua constituição, não lhe é exigível.
Defesa dirigida, toda ela como decorre do enunciado, a destruir a causa da dívida, por via da impugnação dos factos que a constituem, tal como alegados pela Exequente enquanto requerente no processo de injunção e, assim, reportada ao processo de formação do título e não à inexistência do título ou à inexigibilidade da obrigação exequenda, como se alega e adjetiva na petição de embargos.
Entre parêntesis cabe reafirmar que o requerimento executivo se mostra instruído com um requerimento de injunção dotado de fórmula executória, o que revela bem que o título existe, aliás, a defesa configurada nos embargos – impugnação dos factos constitutivos do requerimento de injunção – tem como pressuposto a existência do título, se este não existisse desnecessária seria a impugnação dos factos que originaram a sua formação e cumpre caraterizar a obrigação exequenda como exigível, qualificação que resulta de não se configurar quanto a ela qualquer causa de inexigibilidade, nem a Executada o alega, isto é, não se trata de obrigação com prazo certo que ainda não decorreu [artigo 799.º do Código Civil (CC)], de obrigação de prazo incerto a fixar pelo tribunal (artigo 772.º, n.º 2, do CC), de obrigação sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou (artigos 270.º do CC e 715.º, n.º 1, do CPC) ou de obrigação sinalagmática a que falta a contraprestação do credor (artigo 428.º do CC) [Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 7ª ed., pág. 101.], de tudo resultando a demonstração, a nosso ver e ao invés do sustentado pela Executada, que a execução está provida de título e a obrigação exequenda é exigível.
Prosseguindo, a impugnação dos factos constitutivos da causa de pedir do requerimento de injunção, por excluída dos fundamentos de oposição à execução, constitui matéria de defesa precludida com a falta de oposição do requerido na injunção, desde que regularmente notificado no procedimento, como prevêem e exigem os artigos 13.º e 14.º-A do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98.
A tese da Executada segundo a qual na oposição à execução baseada em requerimento de injunção é admissível invocar, para além dos fundamentos de oposição previstos para a execução baseada em sentença, quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração [ccls 12ª a 18ª], repristina um regime transposto pelas alterações introduzidas a pela Lei n.º 117/2019, de 13/9 ao artigo 857.º, n.º 1, do CPC e ao regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, sem aplicação aos procedimentos de injunção iniciados após 1/1/2020, como no caso se verifica.
A impugnação dos factos constitutivos da causa de pedir do requerimento de injunção não se ajusta aos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção dotado de fórmula executória e sendo esta a natureza da defesa configurada pela executada os embargos não merecem ser admitidos (artigo 732.º, n.º 1, alínea b), ex vi do disposto no artigo 551.º, n.º 3, do CPC)."
[MTS]