I. O sumário de RC 5/3/2024 (2941/20.0T8VIS.C1) é o seguinte:
«Tudo ponderado, e muito resumidamente, um empreiteiro reclama ser pago por uma obra que realizou, mas nem documentalmente – contrato, contrato mais aditamento, alterações, contas correntes? – nem por testemunhos se pode saber qual o preço efectivamente contratado e ou devido.
Por seu turno, o dono da obra invoca os costumeiros atrasos e defeitos, que efectivamente ocorreram, mas que se não pode saber quem deve, por eles, ser responsabilizado.
Nesta base, e efectivamente, como estatui o art.º 342º do código civil, nos seus nºs 1 e 3, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, sendo que “em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”. Assim, competia à aqui autora e à ré reconvinte a prova dos factos em que basearam os seus pedidos. Não o tendo logrado, mais não resta do que proferir decisão em desconformidade com ambas as pretensões, por falta de provas.».
«Resulta do n.º 1 do artigo 662.º do CPC combinado com a parte final da alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito que o dever de a Relação reapreciar a prova produzida, formar a sua convicção e julgar provados ou não provados os pontos de facto indicados pelo recorrente só existe em relação aos factos sobre os quais se tenha pronunciado o tribunal a quo.
Na verdade, só em relação a esta pronúncia é que tem sentido dizer, como faz o n.º 1 do artigo 662.º, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Depõe a favor desta interpretação o artigo 640.º do CPC, relativos aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, ao impor ao recorrente o ónus de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
Se o tribunal de 1.ª instância omitir a pronúncia sobre uma determinada questão de facto e se a resposta a ela for indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão será a anulação da decisão proferida em 1.ª instância, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão. É a solução que resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, na parte em que dispõe que a Relação deve mesmo oficiosamente anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando considere indispensável a matéria de facto, combinada com a alínea c) do n.º 3 do mesmo diploma.
Só assim não será se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada por documentos ou por confissão reduzida a escrito. Nestas hipóteses, cabe ao tribunal da Relação tomar em consideração tais factos, sem necessidade de anulação do julgamento. É o que resulta da 2.ª parte do n.º 4 do artigo 607.º do CPC – aplicável ao acórdão da Relação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do CPC. Precise-se que quando o n.º 4 do artigo 607.º fala em factos provados por documentos quer dizer factos provados plenamente por documentos.».
- anular a decisão proferida pela 1.ª instância quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, sem que constem do processo todos os elementos necessários à alteração da decisão, e/ou considere indispensável a ampliação da matéria de facto [al.ª c) aludida];
- determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados [al.ª d)].
«Ligado ao poder de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto está o dever de fundamentação (…).
A exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva aquisição crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão (…) deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais em que se apoiam, nos termos do art. 607.º, n.º 4.
Se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada a Relação deve determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas ou através de repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto».
O mencionado deficit/insuficiência/obscuridade de fundamentação, verificado in casu, sempre obrigaria à baixa do processo, com anulação da decisão, para sanação do vício e, outrossim, fundamentação adequada, concreta e coerente pela 1.ª instância, quanto a esta específica factualidade, que, objeto de impugnação recursiva, se reveste de essencialidade para a decisão da causa em vista dos pedidos formulados, âmbito em que vem impugnada, nesta senda, a decisão absolutória da ação (e da reconvenção).
Mas importa proceder também, desde logo, à dita ampliação da matéria de facto, o que obriga à anulação da sentença recorrida e repetição parcial do julgamento, de acordo com a norma do n.º 3, al.ª c), do mesmo art.º 662.º, deixando prejudicada, logicamente, a apreciação das demais questões recursivas enunciadas, seja quanto ao recurso principal, seja quanto ao recurso subordinado."
[MTS]