Com a sua propositura, o Autor pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, invocando a violação dos seus direitos de personalidade ao nome e à imagem.
Para tanto, invoca que a Ré, que tem sede no Estado da Califórnia, dos Estados Unidos da América, utiliza, sem a sua autorização, o seu nome e a sua imagem, que inclui as suas características pessoais e profissionais, nos videojogos de que é produtora, denominados FIFA, nas edições 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2014, 2015, 2016, 2017, FIFA MANAGER, nas edições de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, nas edições de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, os quais são produzidos pela Ré nos Estados Unidos e comercializados em todo o mundo por empresas “subsidiárias” da Ré (destacando-se na Europa a EZ Swiss Sarl que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão), resultando dessa atuação a ofensa do direito ao nome e à imagem do Autor.
O dano invocado pelo Autor é unicamente a exposição do seu nome e da sua imagem sem a sua autorização.
A causa de pedir invocada pelo Autor é plurilocalizada, uma vez que tem contactos com diferentes ordenamentos jurídicos.
Na versão do Autor, este tem nacionalidade portuguesa e tem residência em Portugal, a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América (no Estado da Califórnia), a produção dos jogos ocorreu precisamente nesse local, a difusão comercializada do nome e da imagem do Autor, sem consentimento deste, verificou-se por todo o mundo, incluindo Portugal, e este foi futebolista profissional nos seguintes clubes: [...]
O acórdão recorrido seguiu a linha de raciocínio do Supremo Tribunal de Justiça que em vários acórdãos, em casos idênticos, sustentou a competência dos tribunais portugueses para decidir sobre o mérito deste tipo de ações [---] e que segue o seguinte raciocínio, conforme se explicitou no acórdão proferido em 13.10.2022, cuja fundamentação, por comodidade, se vai passar a transcrever.
Repetindo a fundamentação que consta do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 24-05-2020, no processo n.º 3853/20, da autoria dos subscritores do presente acórdão:
“O artigo 37.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, incumbe a lei de processo de fixar os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, dispondo o artigo 59.º do Código de Processo Civil que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º do mesmo diploma.
O Regulamento Europeu que rege a competência judiciária em matéria cível e comercial é o denominado Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012). Com exceção das ações previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º deste Regulamento, onde não se inclui a presente ação, é condição de aplicabilidade das regras nele contidas que o demandado tenha domicílio num Estado Membro. Se este requisito não se verificar, como sucede na presente ação, dado que a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América, o referido Regulamento determina que a competência dos tribunais dos Estados Membros seja a definida pelas leis internas destes (artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis).
Como não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente ação, é, portanto, à luz do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I, bis, que deve ser determinada a competência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação.
No artigo 62.º do Código de Processo Civil são enunciados os três critérios autónomos de atribuição da competência internacional, com origem legal, aos tribunais portugueses – o da coincidência (alínea a), o da causalidade (alínea b) e o da necessidade (alínea c). A escolha destes critérios visou corresponder à exigência de uma tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, conferindo competência aos tribunais portugueses quando, pela sua proximidade com as partes e com as provas, se encontrem em condições de melhor dirimirem os litígios que necessitam de uma intervenção jurisdicional.
Segundo o critério da coincidência, que recorre a uma técnica legislativa de remissão intrasistemática [---], os tribunais portugueses são competentes sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras específicas da competência territorial, estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.º e seguintes do Código de Processo Civil), atribuindo-se, assim, a estas regras a funcionalidade suplementar de determinarem a competência internacional dos tribunais portugueses, para além de definirem a competência territorial interna. A ideia que inspira a adoção deste critério é a de que os elementos de conexão utilizados para estabelecer a competência territorial interna traduzem um elo suficientemente forte entre a causa e o Estado português para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais.
No presente caso, estamos perante uma ação em que se pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual, pela violação, por ato ilícito, de direitos de personalidade, dispondo o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.
ALBERTO DOS REIS [---] justificou a opção por este critério instrumental, no Código de Processo Civil de 1939, por ser no lugar onde o facto foi praticado que devem encontrar-se as melhores provas da ocorrência e dos danos por ele produzidos. É a proximidade do tribunal com as provas dos factos que integram os diferentes elementos da causa de pedir de uma ação de responsabilidade extracontratual que é determinante da escolha do forum delicti comissi.
No entanto, a aplicação deste critério para aferir a competência territorial interna revela algumas dificuldades e divergências quando a ação ofensiva decorre em local diferente onde se produzem os danos, uma vez que, nesse caso, as provas dos factos que integram a causa de pedir se encontrarão espacialmente dispersas, registando-se opiniões no sentido de que, em caso de dissociação entre o lugar do facto causal e o lugar onde o dano se produziu, o lesado pode propor a ação respetiva em qualquer um destes lugares [---], à semelhança do que ocorre quando a ação se desenvolve plurilocalizadamente, em contraponto com posições menos flexíveis que sustentam que, nessas situações, releva apenas o local onde ocorreu o comportamento do agente violador de direitos do lesado [---].
Cremos, no entanto, que essas dificuldades não se colocam quando o artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, funciona como norma ad quam, das regras definidoras da competência internacional, uma vez que, segundo o critério da causalidade (artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil), os tribunais portugueses têm competência para decidir os litígios em que algum dos factos que integram a sua causa de pedir ocorra em território português [---]. Sendo o dano um dos elementos essenciais da causa de pedir nas ações de responsabilidade extracontratual, não se pode deixar de admitir que o local onde este se verificou possa conferir competência aos tribunais portugueses para decidirem as ações em que o dano aconteceu em Portugal, uma vez que as provas desse importante elemento da causa de pedir se localizarão em território português, sem prejuízo dessa competência também poder ser determinada pela localização de outros elementos relevantes da causa de pedir [---].
No entanto, nestas situações, deve exigir-se, de modo a evitar que a competência determinada por este critério possa ser considerada exorbitante, que esses elementos da causa de pedir traduzam uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, designadamente que um significativo acervo das provas a produzir presumivelmente se situe em Portugal, numa aplicação da teoria do forum non conveniens [---].
É essa, aliás, a leitura que também tem sido feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia das normas gémeas do artigo 7.º, 2), do Regulamento Bruxelas I bis, e dos artigos 5.º, n.º 3, dos anteriores instrumentos legais europeus que tiveram por objeto o estabelecimento de regras comuns de competência judiciária em matéria cível e comercial, a Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, a Convenção de Lugano de 16.09.1988, a Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, tendo, nesses casos, o Tribunal aplicado, com temperança, a regra da ubiquidade [---].
Mas, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem também uma importante jurisprudência precisamente em matéria de competência internacional, relativa a ações de responsabilidade civil extracontratual por violações de direitos de personalidade, como os direitos ao nome, à imagem e à honra, através de meios de exposição globais, aplicando o artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I bis e as normas que lhe antecederem contidas nos artigos 5.º, n.º 3, da Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, da Convenção de Lugano de 16.09.1988, da Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e do Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000 [---]
O artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis, nas situações em que o demandado não tenha domicílio num Estado-Membro, como ocorre no presente caso, ao determinar uma remissão para as regras do direito processual civil do Estado Membro cujo tribunal é chamado a pronunciar-se, em matéria de competência internacional, sendo estas as normas aplicáveis nessas situações, denuncia que essas regras internas também fazem parte de um mesmo sistema de regras de conflito de competências instituído pelo Regulamento, que se pretende global e coerente [---]. Não deixamos, pois, de estar também aqui perante uma remissão intrasistemática, apesar da sua aparência extrasistemática [---]. Este convívio, por efeito desta remissão, no nosso ordenamento jurídico das regras de direito europeu sobre a competência internacional dos tribunais dos Estados Membros da União Europeia, incluindo os tribunais portugueses (neste caso, o Regulamento Bruxelas I bis), e as regras do direito processual civil português sobre a mesma matéria, embora com um âmbito de aplicação distinto, exige a preservação da coerência sistémica do nosso ordenamento jurídico. Não só o conteúdo das normas internas sobre competência internacional não deve conduzir a soluções díspares com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria, o que tem sido objeto de preocupação do legislador nacional, como a sua interpretação deve ter em consideração a leitura que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem efetuado das normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno. A harmonia do ordenamento jurídico pede que critérios idênticos na definição da competência internacional dos tribunais, apesar de provirem de fontes distintas, tenham uma aplicação coincidente, sendo certo que a jurisprudência do TJUE tem um papel fundamental na interpretação do direito europeu”.
Na jurisprudência desse Tribunal [---], tal como se refere no mais recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em ação idêntica [---], nesta matéria “as questões inerentes à especificidade do evento danoso resultante da violação dos direitos de personalidade através de meios de divulgação global têm encontrado resposta normativa no sentido de uma configuração desse tipo de dano e da determinação da sua localização ajustadas aos novos meios tecnológicos através dos quais se propagam os efeitos lesivos potenciados pelos comportamentos ilícitos e veiculados em dimensões virtuais até se materializarem onde podem ser concretamente verificados e mais facilmente provados.
Assim, a opção preferencial pelo centro de interesses do lesado como local da materialização do dano resultante da violação dos direitos de personalidade através de meios de divulgação global, nomeadamente por meios audiovisuais, é a que se afigura mais consentânea com a viabilidade prática da prova desse dano, por parte do lesado, posto que é aí que este, em regra, disporá dos meios de prova tendentes a demonstrar os efeitos danosos na sua personalidade e para a sua condição de vida.
Daí decorre uma relevante conexão entre o centro de interesses do lesado e o órgão jurisdicional mais vocacionado para dirimir o litígio, como fator de atribuição de competência internacional, seja manifestamente em sede do critério da causalidade constante da alínea b) do artigo 62.º do CPC, seja ainda, de certo modo, em sede do critério da coincidência estabelecido na alínea a) daquele artigo com referência ao n.º 2 do artigo 71.º do mesmo diploma. Uma tal conexão não ficará desmerecida pela eventual competência concorrente de jurisdições estrangeiras situadas em territórios por onde o facto ilícito se tenha dispersado ou distendido”.
Tal como já se havia referido no nosso anterior acórdão proferido em 24.05.2022:
« (…) Sendo o dano um dos elementos essenciais da causa de pedir nas ações de responsabilidade extracontratual, não se pode deixar de admitir que o local onde este se verificou possa conferir competência aos tribunais portugueses para decidirem as ações em que o dano aconteceu em Portugal, uma vez que as provas desse importante elemento da causa de pedir se localizarão em território português, sem prejuízo dessa competência também poder ser determinada pela localização de outros elementos relevantes da causa de pedir [---].
No entanto, nestas situações, deve exigir-se, de modo a evitar que a competência determinada por este critério possa ser considerada exorbitante, que esses elementos da causa de pedir traduzam uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português justificativa da intervenção dos seus tribunais, designadamente que um significativo acervo das provas a produzir presumivelmente se situe em Portugal, numa aplicação da teoria do forum non conveniens [---]»
E ainda:
“ (…) a valorização do local onde se situa o centro de interesses do lesado, como um dos elementos de conexão que poderá determinar a competência internacional dos tribunais desse país, não significa que se despreze o denominado centro de gravidade do conflito, uma vez que a aplicação daquele critério poderá ser afastada sempre que se verifique que a maioria dos danos alegados não ocorreram nesse local, não sendo aí que se encontram as provas dos factos que fundamentam a pretendida responsabilização”.
Note-se, sossegando as preocupações reveladas pela Ré na sua resposta às alegações de recurso, que não estamos a aplicar (mesmo por interpretação extensiva ou integração analógica) à resolução da questão objeto do presente recurso o direito da União Europeia nem a sua jurisprudência. Fomos apenas lê-la e, por concordarmos com o seu iter argumentativo, adotámos igual critério na interpretação do nosso direito interno, com a vantagem de obtermos soluções coerentes com aquelas que seguimos em Portugal quando aplicamos o Regulamento Bruxelas I bis. Isto é, a jurisprudência do TJUE não é a fonte do direito aplicado na resolução deste caso, mas apenas uma inspiração do modo como interpretámos e aplicámos o nosso direito interno para resolver a questão da competência internacional dos tribunais portugueses aqui colocada, tendo sido seguido igual critério normativo.
Tal como se afirmou no nosso anterior acórdão de 24.05.2022:
“Na resolução da questão que é colocada neste recurso, designadamente na aplicação do critério da causalidade constante do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, iremos seguir de perto a linha definida por esta jurisprudência, não só porque a isso aconselha a preservação da coerência e harmonia do nosso ordenamento jurídico, mas também porque reconhecemos nessa linha um equilíbrio ponderado da valorização dos critérios a adotar na determinação do(s) tribunal(ais) que se encontra(m) em melhores condições para administrar a justiça, numa situação de violação de direitos de personalidade através de meios de divulgação global. Note-se que a valorização do local onde se situa o centro de interesses do lesado, como um dos elementos de conexão que poderá determinar a competência internacional dos tribunais desse país, não significa que se despreze o denominado centro de gravidade do conflito, uma vez que a aplicação daquele critério poderá ser afastada sempre que se verifique que a dimensão dos danos localizados no país do foro é diminuta, não sendo aí que previsivelmente se encontra um número significativo das provas dos factos que fundamentam a pretendida responsabilização.
O facto daquela jurisprudência se debruçar, na maioria das situações, sobre violações de direitos de personalidade, através da Internet, não desaconselha a sua transposição para o presente caso, em que o instrumento da ofensa a esses direitos são videojogos mundialmente comercializados, em larga escala, uma vez que também a exposição dos seus conteúdos se carateriza pela ubiquidade, não tendo uma divulgação circunscrita a um território. Eles são visionados e operados por um número indefinido de jogadores, espalhados por todo o mundo, fora de qualquer controle do seu produtor, pelo que as ponderações efetuadas pelo TJUE, tendo em consideração a divulgação mundial de conteúdos ofensivos dos direitos de personalidade pela Internet, são aplicáveis a este caso”.
Antes de iniciarmos a aplicação deste critério normativo ao caso concreto, convém frisar que, consoante já afirmava Manuel de Andrade [---], citando o processualista italiano Enrico Redenti, a competência internacional afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos como o autor configura a relação jurídica controvertida, e não, pelo que, mais tarde, será o quid decisum.
Voltando a reproduzir o que anteriormente afirmámos no acórdão proferido em 24.05.222, que analisou uma pretensão semelhante à deduzida nos presentes autos “dado estarmos perante uma ação com uma causa de pedir complexa, do ponto de vista da competência jurisdicional, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, podem constituir critérios de vinculação quer o lugar do evento causal, quer o lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil, do ponto de vista da prova e da organização do processo, para se determinar qual é o tribunal ou tribunais que se encontram em melhores condições para proferir uma decisão de mérito informada.
Relativamente ao lugar onde ocorreu a ação causal do dano, há que ter em consideração, que a ação violadora do direito ao nome e à imagem, através de um conteúdo divulgado de forma difusa por todo o mundo, compreende não só a produção dos videojogos em causa, processo em que se inclui o nome e se representa a imagem num determinado suporte físico ou digital, mas também a sua exposição pública através da comercialização mundial generalizada desses suportes [---]. Apesar de na petição inicial se dizer que essa comercialização era efetuada por empresas “subsidiárias” da Ré, designadamente por EZ Swiss Sarl, que assumia a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, não deixa o Autor de imputar a divulgação pública apenas à Ré, responsabilizando-a por todos os danos resultantes desses atos. Não devendo, neste momento, efetuar-se qualquer juízo sobre a imputabilidade da ação ilícita alegada pelo Autor para dele retirar a competência do tribunal, há que apenas relevar a perspetiva do Autor, apresentada na petição inicial, de que a Ré é a responsável pela produção, lançamento no mercado e divulgação por todo o mundo dos videojogos FIFA e FIFA Manager.
Assim, a ação causal imputada à Ré, pelo Autor, nesta ação, ocorre inicialmente nos Estados Unidos da América (a produção dos videojogos) e desenvolve-se, posteriormente, em todo o mundo (a comercialização dos videojogos), uma vez que a lesão deste tipo de bens de personalidade ocorre com a divulgação pública não autorizada do nome e da imagem do lesado [---](...).
Os danos causados pela ofensa aos direitos de personalidade ao nome e à imagem são realidades distintas do ato lesivo, claramente diferenciados na parte que se traduz na atividade criadora do suporte que contém o conteúdo lesivo, mas coincidente com a atividade de divulgação púbica generalizada do nome e da imagem do Autor sem o seu consentimento.
Neste processo, o Autor limita-se a alegar como prejuízo a divulgação da sua imagem e nome para fins lucrativos pela Ré sem o seu consentimento, o que coincide com essa dimensão do ato lesivo, ou seja a divulgação do seu nome e imagem com finalidades lucrativas, sem o consentimento do Autor.
Apesar deste localizar o prejuízo invocado em todo mundo, uma vez que que a divulgação do seu nome e imagem é relativa à sua vida profissional de futebolista, ele ganha maior expressão no local onde o Autor, no momento, exerce essa profissão.
Tem-se entendido que, nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a ação em que se reclame o pagamento de uma indemnização pela lesão do direito à imagem e nome do lesado poderá ser intentada em qualquer uma das jurisdições desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta exigência, os inconvenientes do denominado “forum shopping." [---]. Não merece acolhimento a tese de que deveria ser proposta uma ação em cada um dos Estados por onde o Autor exerceu a sua profissão, relativamente aos danos que este sofreu em cada um dos países por onde passou (neste caso, Portugal, ..., ..., ... e ...), como aparenta sugerir a respeitável opinião de Miguel Teixeira de Sousa, numa página do Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil), num artigo datado de 6 de fevereiro de 2023, com o título “Futebolistas, videojogos e competência internacional”, e que a Recorrente apresenta como “parecer”, por tal sugestão não atender ao princípio da economia processual, segundo o qual se deve procurar obter o máximo resultado processual, através do mínimo de atividade possível, e se revelar insuportavelmente onerosa para o lesado, ignorando as exigências constitucionais de um processo equitativo.
Ora, relativamente à escolha do foro português pelo Autor, constata-se a alegação na petição inicial de diversos elementos que revelam a existência de um elo de ligação suficientemente forte entre a alegada violação dos direitos de personalidade do Autor e o Estado português que justificam essa escolha:
- o Autor tem domicílio em Portugal (identificação do Autor no cabeçalho da petição inicial);
- o Autor é português (identificação do Autor no cabeçalho da petição inicial);
- o país onde maioritariamente o Autor exerceu a sua profissão foi em Portugal - cerca de metade do tempo da sua actividade futebolística foi desenvolvida em clubes portugueses (artigo 9.º da petição inicial);
-os videojogos são difundidos e vendidos em Portugal (artigo 26.º da petição inicial);
- os jogos são utilizados em torneios realizados em Portugal (artigos 29.º e 30.º da petição inicial).
Perante a alegação destes elementos fácticos, a competência dos tribunais portugueses não constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competência exorbitante, uma vez que releva uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, assim como não fere qualquer interesse legítimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercialização global dos videojogos por si produzidos, é expetável que possam ocorrer litígios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os órgãos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensão, sempre lhe permitirá, sem excessivas dificuldades, produzir as provas que entenda necessárias em Portugal.
Acolhem-se, pois, as razões que o acórdão recorrido convocou para concluir pela competência dos tribunais portugueses, face à factualidade alegada pelo Autor na petição inicial, não se tendo recorrido à utilização da qualquer raciocínio presuntivo factual para relevar factos não alegados pelo Autor e tendo a determinação da competência dos tribunais portugueses resultado unicamente da aplicação do critério da causalidade adotado no artigo 62.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil, pelo que não há que conhecer das questões de constitucionalidade colocadas pela Recorrente nas alegações de recurso, uma vez que as interpretações normativas por ela arguidas de inconstitucionais, quanto à utilização de raciocínios presuntivos, aplicação de regras de direito europeu e consideração de factos não alegados na petição inicial não se verificam, pretendendo-se apreciações de constitucionalidade de interpretações ficcionadas pelo Recorrente que não integram a ratio decidendi do acórdão recorrido e que também não são aqui perfilhadas.
Por estas razões, deve o recurso interposto ser julgado improcedente, confirmando-se o decidido pelo acórdão recorrido.
*3. [Comentário] O acórdão segue uma orientação absolutamente consolidada no STJ. Continua, no entanto, a ter-se as mesmas reservas que se enunciaram aqui.
É muito provável que venha a ocorrer nos Estados Unidos (e, mais em concreto, no Estado da Califórnia) uma verdadeira "batalha jurídica" de elevados custos quanto ao reconhecimento da decisão portuguesa (sobre a matéria clicar aqui).
MTS