"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/12/2024

Jurisprudência 2024 (67)


Processo de inventário;
direito a tornas; venda executiva*


1. O sumário de RG 4/4/2024 (897/20.8T8VNF.G1) é o seguinte:

I - O regime do art. 222º-E do C.I.R.E. não tem aplicação quando se trata de procedimento destinado exclusivamente à venda de bem adjudicado em partilha e para pagamento de tornas, nos termos do art. 1122º do C.P.C.

II - Analisando o procedimento de venda, em termos da sua configuração processual, verifica-se que: não há lugar a penhora, nem designação de fiel depositário; não há oposição pelo devedor de tornas, nem embargos de terceiro. Tanto significa que o procedimento tem uma eficácia meramente “interna”, adstrita à venda dos bens adjudicados ao devedor e até onde seja necessário para o pagamento das tornas.

III – Esta venda é uma forma simplificada de execução com o único objetivo de fazer entrar no património do credor das tornas a importância destas.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O despacho recorrido determinou a suspensão da instância, dos termos do inventário, na fase em que havia sido requerida a venda de imóvel adjudicado à cabeça de casal e devedora de tornas, na sequência da apresentação por esta de um Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), considerando-se que, ao caso, era aplicável o disposto no art. 222ºE do C.I.R.E.

A questão posta em recurso reconduz-se a saber se a suspensão das ações executivas decorrentes da apresentação de um PEAP é aplicável ao procedimento de venda no âmbito do processo de inventário.

A resposta só pode ser negativa.

Vejamos as razões.

Estabelece o artigo 1122º, nº 2, do Código de Processo Civil que depois do trânsito em julgado da sentença homologatória e se houver direito a tornas, os requerentes podem pedir que se proceda, no processo, à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o seu pagamento.

O procedimento destinado à venda dos bens tem, ao abrigo deste normativo, natureza executiva.

Tendo natureza executiva, reveste, no entanto, especificidades e limites que afastam a aplicação do regime de suspensão dos processos executivos em função do PEAP.

Analisando o procedimento de venda, em termos da sua configuração processual, verifica-se que: não há lugar a penhora, nem designação de fiel depositário; não há oposição pelo devedor de tornas, nem embargos de terceiro.

Tanto significa que o procedimento tem uma eficácia meramente “interna”, adstrita à venda dos bens adjudicados ao devedor e até onde seja necessário para o pagamento das tornas ao credor.

Encontramo-nos, nas palavras de FF, perante um novo, privativo e prático, processo executivo, embora especial.

Essa especialidade é explicada pelo autor, nos seguintes termos:

«Regra geral, o direito definido executa-se com base em título idóneo a esse fim (…), mediante formalismo próprio.

No caso considerado tudo é diferente, pois o credor das tornas limita-se a pedir, em simples requerimento, o que no nº 3 do art. 1378.º se lhe consente. Então, formulado tal pedido e transitada que seja a sentença homologatória das partilhas, procede-se à venda, no próprio processo de inventário dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo, de o citar para o efeito de nomear bens à penhora - Partilhas Judiciais, Vol. II, 4ª ed., 1990, Almedina, p. 452-453».

Atenta a especificidade desta execução não existe a possibilidade de ser deduzida oposição à mesma mediante embargos de executado uma vez que este incidente declarativo implica uma discussão incompatível com esta forma especial de processo – acórdão da Relação de Guimarães, processo nº 202/08.1TBBGC-A.G1, Relatora Margarida Almeida Fernandes, disponível em www.dgsi.pt.

Do mesmo modo que não há lugar à suspensão da instância em consequência da apresentação de um processo especial para acordo de pagamento. É que esta venda é uma forma simplificada de execução com o único objetivo de fazer entrar no património do credor das tornas a importância destas – acórdão da Relação de Lisboa de 07/06/1968, citado na obra de Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais.

Face ao regime adjetivo e finalidade a que está adstrito, no procedimento de venda em inventário o devedor de tornas não pode invocar situação económica difícil, que será sempre alheia e externa às questões da partilha e ao objetivo único de entregar ao credor o valor das tornas.

Em face do exposto, o regime do art. 222.º-E do C.I.R.E. não tem aplicação quando se trata de procedimento destinado exclusivamente à venda do imóvel adjudicado em partilha e para pagamento de tornas, nos termos do art. 1122.º do C.P.C."


*3. [Comentário] Ao processo executivo especial regulado no art. 1122.º CPC aplica-se o disposto no art. 549.º, n.º 2, CPC:

"2 - Quando haja lugar a venda de bens, esta é feita pelas formas estabelecidas para o processo de execução e precedida das citações ordenadas no artigo 786.º, observando-se quanto à reclamação e verificação dos créditos as disposições dos artigos 788.º e seguintes, com as necessárias adaptações, incumbindo ao oficial de justiça a prática dos atos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução."

Nesta óptica, é discutível que se possa afirmar que "o procedimento tem uma eficácia meramente “interna”, adstrita à venda dos bens adjudicados ao devedor e até onde seja necessário para o pagamento das tornas ao credor".

MTS