Inversão do contencioso;
poder jurisdicional; esgotamento
1. O sumário de RP 7/3/2024 (13518/23.8T8PRT.P1) é o seguinte:
I - A decisão que decreta a inversão do contencioso é incindível da correspondente decisão que deferiu a providência cautelar.
II - Com a prolação da decisão que decreta a providência ocorre a extinção do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, pelo que a pronúncia sobre a inversão do contencioso não pode ocorrer em decisão subsequente à decisão de mérito, nomeadamente na decisão que julgue a oposição ao procedimento cautelar.
III - Após a prolação de tal decisão e não tendo sido arguida atempadamente a nulidade por omissão de pronúncia, ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada no presente recurso:
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia no que toca ao pedido de inversão do contencioso formulado nos autos pelo requerente ora apelante.
Vejamos, pois da pertinência (ou não) de tal pretensão.
Segundo dispõe o art.º 615º, nº1 alínea d), do CPC, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”. (sublinhado nosso)
Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão pode advir de uma omissão (1ª parte da norma) ou de um excesso de pronúncia (2ª parte da norma).
É consabido que tal preceito deve ser articulado com o nº 2 no art.º 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” (sublinhado nosso)
Nestes termos, impõe-se ao julgador um duplo ónus, o primeiro (o que está aqui em causa) que se traduz no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que aqui não está em causa) que se traduz no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).
É aceite por todos que o conceito de “questões”, a que se refere o legislador, deve somente ser aferido em função directa do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes. Pode ainda decorrer da matéria de excepção que formulada leve à improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial.
Ou seja, para este efeito estão apenas em causa as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as excepções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, como já acima deixámos referido, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica aduzidos pelas partes (neste sentido cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737 e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª. Ed. Actualizada, Almedina, pág.136.).
Perante o acabado de expor, no caso resulta evidente o seguinte:
No artigo 369º, nº 1, do CPC está previsto que, mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, possa dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
A este propósito, resulta evidente que tal norma define de modo expresso e no que respeita ao momento em que deve ser decretada a inversão do contencioso, o seguinte: que tal decisão “tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julgue o procedimento cautelar, mesmo nos casos em que não haja contraditório prévio” (neste sentido cf. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág.433).
Estamos, pois, perante uma exigência legal de natureza imperativa e preclusiva, da qual depende a possibilidade de impugnação da decisão que tenha invertido o contencioso.
É aliás o que decorre do confronto entre o disposto no nº 1 do artigo 372.º do CPC e o disposto no nº 2 do mesmo dispositivo, dos quais resulta que, nos casos em que a providência tenha sido decretada sem audiência prévia do requerido, este deve cumular a impugnação da decisão que tenha invertido o contencioso com os meios de defesa previstos para a decisão proferida sobre a providência, no caso, o recurso ou a oposição, a deduzir na sequência da notificação prevista no nº 6 do artigo 366.º do CPC.
A este propósito referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa (ob. cit., notas 9 e 10 ao art.º 369, a pág.433), o seguinte: “Nos casos em que a providência (com inversão do contencioso) tenha sido decretada sem audiência prévia, o requerido, uma vez notificado (art.º 366º, nº6) para o exercício do contraditório quanto à providência, seja por via de recurso, seja por via de oposição (art.º 372º, nº1), deve cumular aí os argumentos contra a inversão do contencioso (art.º 372º, nº2).
(…) A decisão que indefira a inversão do contencioso é irrecorrível. A que defira é impugnável com o recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão sobre a providência, verificados os pressupostos gerais”.
Nestes termos, resulta pois claro que não se mostra legalmente admissível a prolação de decisão de inversão do contencioso após o trânsito em julgado da decisão que decretou a providência, já que o requerido ficaria impedido de a impugnar nesse momento nos termos e para os efeitos previstos no supra citado artigo 372.º do CPC.
Nos autos o que se verifica é o seguinte:
Na parte final da decisão que decretou a providência, proferida em 24.08.2023, foi, além do mais, ordenada a notificação da requerida para, querendo, recorrer ou deduzir oposição, nos termos do artigo 372º, nº 1, alíneas a) e b), do CPC.
É certo que, não tendo sido proferida qualquer decisão referente ao pedido de inversão do contencioso, a mesma requerida não foi também notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 369º, nº 2 do CPC.
Ora já vimos todos que a lei manda expressamente estender à decisão que tenha invertido o contencioso os meios de impugnação previstos para o decretamento da providência, pelo que, tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, a oposição prevista no artigo 369º, nº 2, do CPC não se destina ao contraditório do requerido sobre o pedido de inversão do contencioso, antes pressupondo que já tenha sido proferida uma decisão que aprecie o pedido de inversão do contencioso.
Ou seja e como se refere, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.04.2016, no processo 436/15.2T8EPS-A.G1, relatado pela Desembargador Francisca Mendes, em www.dgsi.pt: “Se tivesse sido decretada a inversão do contencioso, os requeridos poderiam ter impugnado tal decisão que poderia ser revogada ou mantida (art.º 372º, nº3 do CPC).
Após a prolação da sentença e não tendo sido arguida a nulidade por omissão de pronúncia, ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz (art.º 613º, nº1 do CPC)”.
Face ao exposto, no caso dos autos, não podia o Tribunal “a quo” na decisão que julgou a oposição à providência e que foi proferida em 23.10.2023, pronunciar-se sobre o pedido de inversão do contencioso formulado pelo requerente.
Por isso, resulta evidente que a mesma decisão não padece do vício da omissão de pronúncia que agora foi invocado pelo requerente/apelante neste seu recurso ao qual deve pois ser negado provimento."
[MTS]
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