Nas conclusões do recurso de apelação os RR. apelantes não fizeram qualquer alusão aos pontos de facto que pretenderiam colocar em crise, não os identificando minimamente.
Ao invés, limitaram-se a realizar uma referência genérica ao enquadramento jurídico que, a seu ver, deveria ter sido observado (e não foi), aludindo, nesse contexto e de forma difusa, à narrativa geral dos acontecimentos que entenderam terem ficado demonstrados na sequência do julgamento, acrescentando a este propósito a alegação de que houve incorrecta valoração da matéria de facto.
Contudo, não indicaram, como se disse, um único dos pontos de factos concretos cuja modificação pretendessem ver operada pelo Tribunal da Relação.
(Note-se a este propósito que a factualidade dada como prova e não provada encontra-se descrita no elenco dos trinta e três factos dados como provados e vinte e um considerados não provados, competindo nestes termos aos impugnantes delimitarem, perante tal complexo acervo factual, os pontos de facto que pretendiam verdadeiramente colocar em crise, cumprindo relativamente a eles o ónus de síntese conclusiva – definido nos artigos 639º, nº 1, e 640º do Código de Processo Civil - que a lei especificamente lhes impõe).
É assim manifesto o incumprimento pelos impugnantes da obrigação processual prevista no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, segundo a qual: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (…) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.
Não constando das conclusões do recurso a indicação de qualquer ponto da matéria de facto que houvesse sido impugnado pelos Réus recorrentes, resta concluir que estes descuraram inteiramente o cumprimento da obrigação processual constante do artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil e que sobre eles impendia.
O que é por si suficiente para determinar a imediata rejeição dessa mesma impugnação da matéria de facto, assim deficientemente apresentada.
Constitui aliás entendimento firme e consolidado, tanto na jurisprudência como na doutrina, que a impugnação da matéria de facto pressupõe, para ser admissível, a inclusão nas conclusões de recurso (e não apenas no corpo das alegações) dos pontos de facto impugnados.
(Neste sentido, vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página197; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Artigos 627º a 877º”, Almedina 2022, 3ª edição, a pagina 95; Rui Pinto in “Manual do Recurso Civil”, AAFDL, Editora, 2020, a página 301; na jurisprudência, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2022 (relator Pedro Branquinho Dias), proferido no processo nº 330/14.4TTCLD.C1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2021 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 10300/18.8SNT.L1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2023 (relator Cura Mariano), proferido no processo nº 4696/15.0T8BRG.G1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2023 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 203/18.1T8GDL.E1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2024 (relator Lino Ribeiro), proferido no processo nº 7146/20.7T8PRT.P1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2023 (relator Ferreira Lopes), proferido no processo nº 7146/20.7T8PRT.P1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2023 (relator Moreira Alves), proferido no processo nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1), todos publicados in www.dgsi.pt.
Pelo que o acórdão do Tribunal da Relação agiu com absoluto acerto, inteira correcção e plena conformidade com a lei ao rejeitar, como se impunha, a impugnação da matéria de facto por incumprimento do disposto no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o que neste caso é claro, ostensivo e incontornável.
Mas se refira que não podem ser aqui avocados, com pertinência e sucesso, os princípios moderadores da proporcionalidade, razoabilidade e adequação, na medida em que estes, enquanto filtro do sistema para obviar ao exacerbado formalismo da análise na análise dos citados requisitos legais, pressupõem que o impugnante tenha cumprido minimamente os ónus processuais que sobre si impendiam, o que, como se viu, não sucedeu na situação sub judice.
3 – Inadmissibilidade da prolação de despacho de aperfeiçoamento perante o incumprimento dos deveres processuais consignados no artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil.
O artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, é claro, inequívoco e peremptório ao estabelecer a imediata rejeição da impugnação de facto no caso de incumprimento pelo impugnante dos ónus previstos nessa disposição legal.
O que significa que inexiste cabimento para a prévia prolação pelo juiz desembargador de qualquer convite ao aperfeiçoando das conclusões de recurso de revista nestas circunstâncias.
Nesse mesmo sentido, constitui entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina que a rejeição da impugnação de facto por incumprimento das exigências previstas no nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil não tem de ser antecedida de um prévio despacho de aperfeiçoamento.
Neste sentido, vide, na doutrina, José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º. Artigos 627º a 877º”, Almedina 2022, 3ª edição, a página 95; António Abrantes Geraldes in obra citada supra, a página 199; Rui Pinto in “Manual do Recurso Civil”, AAFDL, Editora, 2020, a página 304; na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2021 (relator José Rainho), proferido no processo nº 5404/11.0TBVFX.L1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2022 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 556/19.4T8PNF.P1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2024 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 18321/21.7T8PRT.P1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2024 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 2605/20.4T8LRS.L1.S1; todos publicados in www.dgsi.pt.
A revista é, por conseguinte, negada."
[MTS]