Estatui o artº 819º do Código Civil (adiante CC):
«Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.»
Esta redação resulta da reforma de 2003, acrescentando-se aos anteriores atos de «disposição» e «oneração» já no artigo consagrados, o contrato de «arrendamento».
Efetivamente, o arrendamento, se celebrado até ao prazo de seis anos, não constitui um ato de disposição, mas antes ato de mera administração ordinária – artº 1024º nº 1 do CC .
Pelo que, e numa interpretação a contrario sensu do artº 819º, era comummente entendido que este arrendamento podia ser contratado pelo executado, mesmo após o decretamento da penhora.
A consagração expressa do contrato de arrendamento no preceito significou assim que o legislador o quis integrar no lote dos atos jurídicos e contratos realizados/outorgados pelo executado, após a penhora, os quais fulmina de inoponiveis na execução.
O que bem se compreende, pois que este negócio tem virtualidade para frustrar ou, ao menos, prejudicar os efeitos que se pretendem para o ato da penhora.
Na verdade, nos termos do artigo 822.º do CC:
«1. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.»
Por conseguinte, a penhora assume-se como «o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação, consistindo na apreensão do bem – conservação da garantia geral relativamente a um ou mais bens, na medida do necessário à satisfação daquele crédito – para, através dele (venda ou adjudicação), os Tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da respectiva obrigação pecuniária.» - AC. da RG de 10.07.2028, p. 3128/17.4T8VNF-G.G1 in dgsi.pt. (sublinhado nosso)
Alcança-se assim que o artº 822º do CC atribui à penhora uma função de garantia: beneficiar o credor que promoveu a execução perante outros credores, aqueles que não tenham garantia real anterior.
Esta função garantística apenas pode ser conseguida através da presença prévia da outra função da penhora, a saber: a função conservatória.
Esta visa assegurar a viabilidade da venda executiva dos bens ou direitos sujeitos a penhora.
E desdobra-se numa dupla perspetiva:
• Conservação material (Indisponibilidade material absoluta) – pretendendo-se que o bem, objeto do direito penhorado, não seja desencaminhado ou diminuído no seu valor.
Nesta perspetiva há que ter presente que com a penhora cessa a posse do executado e inicia-se uma nova posse pelo tribunal: o depositário passa, em nome deste, a ter a posse do bem penhorado; ou, no mínimo, a penhora impõe ao executado um desdobramento da posse sobre os seus bens – ele permanece possuidor em nome próprio nos termos do seu direito, de que ainda é titular, mas vê constituir-se sobre eles uma posse que é exercida pelo depositário e que tem o conteúdo que resulta dos poderes que são concedidos a este último.
• Conservação jurídica (Indisponibilidade jurídica relativa) – pretende-se que a faculdade de disposição do direito penhorado que incide sobre o bem apreendido, e que o executado mantém na sua esfera jurídica, não possa ser exercida de modo a privar a venda do seu objeto.
Por conseguinte, se, após a penhora, o executado dispuser, onerar, ou der de arrendamento, o bem penhorado, o negócio jurídico é meramente inoponível no âmbito da execução.
E diz-se «meramente» porque o negócio mantém a sua validade e eficácia extra execução.
Mas não pode ser oposto na execução, ao menos se e na medida em que contenda com direitos e interesses de partes ou intervenientes no processo.
Esta mera inoponibilidade, resulta do facto de, mesmo dentro da execução, se a penhora vier a ser levantada, os efeitos “suspensos” terão lugar retroativamente à data do ato.
E se a penhora se extinguir por venda, adjudicação ou remição, o ato de oneração ou alienação ou arrendamento caducará por impossibilidade superveniente - Cfr. PENHORA-Mafalda-Maló, AAFDLhttps://aafdl.pt ›
O caso sub judice.
Resulta que já após a penhora o imóvel em causa foi dado de arrendamento.
É assim evidente que tal contrato está abrangido na previsão do artº 819º do CC, sendo, pois, inoponível na execução, vg. contra o interessado que efetuou a melhor oferta na venda eletrónica.
A argumentação vertida no despacho não colhe.
O direito de preferência concedido pelo artº1091.º do Código Civil é um direito genérico/geral, que releva apenas em tese e por princípio; mas podendo e devendo estar sujeito às condições/condicionantes previstas e impostas por legislação especifica/especial.
É o caso que nos ocupa.
A lei é clara em retirar da esfera jurídica do executado o direito de, após a penhora, dar de arrendamento o bem penhorado, de tal sorte que mesmo que o seja, o contrato não é oponível na execução.
Logo, ex vi desta indisponibilidade e inoponibilidade, o contrato de arrendamento em causa não releva na execução e tem, pura e simplesmente, de nela ser ignorado/irrelevado.
O que clama a conclusão óbvia que, assim, vedado está o chamamento do, e alcandoramento no, artº 1091º do CC.
Procede o recurso."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, talvez se estranhe que a RC não tenha sentido a necessidade de se confrontar com a aplicação ao caso concreto da doutrina que foi fixada no (aliás infeliz) Ac. STJ 2/2021, de 5/8 (DecRet 34/2021, de 25/10) sobre a subsistência do arrendamento que foi constituído após a constituição da hipoteca.
MTS