Processo de inventário;
divórcio; competência por conexão
1 – Resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 1083.º do C.P.C. que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.
2 – Embora o vigente artigo 1133.º do Código de Processo Civil, não contenha disposição equivalente ao artigo 1404.º, n.º 3, do Código de 1961, segundo a qual o inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento corria por apenso a estes processos, é esta a solução que a lei consagra ao atribuir competência exclusiva aos tribunais judiciais para a tramitação de tais inventários, fundada na sua dependência de outro processo judicial.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Ao Juízo de Família e Menores de Santarém está deferida a competência para preparar e julgar, tanto as acções de separação de pessoas e bens e de divórcio como os processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens e divórcio [artigo 122.º, n.ºs 1, alínea c) e 2 da Lei da n.º 62/2013, de 26/8], com referência aos artigos 1133.º do Código de Processo Civil e 1689.º do Código Civil.
A questão da competência coloca-se aqui por razões de conexão dos processos e não em razão da matéria. E, assim, aquilo que se pergunta é se o inventário para partilha de bens comuns subsequente à acção de divórcio corre por apenso a esta acção ou se deve ser instaurado como processo autónomo?
No domínio do Código de Processo Civil de 1961 a resposta era claramente afirmativa, dado que a lei dispunha que o “inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação” (artigo 1404.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
A Lei n.º 23/2013, de 5/3, veio atribuir competência aos cartórios notariais para o processamento dos actos e termos do processo de inventário (artigo 3.º), sem prejuízo dos interessados serem remetidos para os meios judiciais comuns para a resolução de questões cuja natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, o justificassem (artigo 16.º, n.º 1) e revogou (artigo 6.º), entre outros, o referido artigo 1404.º do Código de Processo Civil.
Posteriormente, diagnosticado o falhanço parcial do processo de desjudicialização do inventário, a Lei n.º 117/2019, de 13/9 veio reintroduzir este processo especial no Código de Processo Civil, revogou o regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5/3 (artigos 5.º e 10.º) e reintroduziu a tramitação da partilha de bens comuns nos casos de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento nos Tribunais Comuns.
A ausência de norma expressa com conteúdo equivalente à do pretérito artigo 1404.º do Código de Processo Civil apenas significa que, por via da aplicação das regras gerais, a estatuição anterior permanece válida e que a partilha de bens comuns subsequente às acções de separação, divórcio, ou declaração de nulidade ou anulação do casamento corre por apenso a estes procedimentos.
Efectivamente, Abrantes Geraldes sustenta a ideia que «não é legítimo inferir que tenha existido qualquer objectivo de modificar a natureza jurídica do processo de inventário. Este mantém-se como um processo de jurisdição contenciosa, ainda que submetido a uma tramitação especial ajustada à especificidade e à variedade de normas de direito material sucessório e á multiplicidade de interessados e de operações que precedem a sentença homologatória de partilha, como, aliás, já ocorria aquando da sua regulação no CPC de 1961».[António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.º edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 553.]
Na supra mencionada obra conjunta os autores pugnam que «agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do artigo 206.º, n.º 2» [António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.º edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 560.]
Com idêntico desenlace, Pedro Pinheiro Torres avança que é «competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC» [Pedro Pinheiro Torres, Cadernos do CEJ, “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pág. 31.]. A defesa da apensação do inventário ao divórcio é assumida assim pela melhor doutrina [Pode ainda ser consultada a obra conjunta de Teixeira de Sousa, Lopes do rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 158.]
Por via do cruzamento entre os artigos 80.º e 122.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário e n.º 2 do artigo 206.º do Código de Processo Civil, está estabilizado o entendimento que o legislador quis estabelecer um regime equivalente àquele que tinha vigorado no domínio do Código de Processo Civil anterior para a tramitação do inventário em tais situações. Efectivamente, o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.
Esta posição já foi sufragada pelo agora relator (então como primeiro adjunto) no acórdão datado de 29/04/2021, onde se decidiu que na vigência da Lei n.º 117/2019, de 13/9, que reintroduziu o processo de inventário no Código de Processo Civil, o inventário para partilha de bens comuns subsequente à acção de divórcio, corria por apenso a esta acção, sendo competente para tramitar o inventário o Tribunal que decretou o divórcio. E este é o sentido estabilizado da jurisprudência dos Tribunais Superiores [---].
Em conclusão, embora o vigente artigo 1133.º do Código de Processo Civil, não contenha disposição equivalente ao artigo 1404.º, n.º 3, do Código de 1961, segundo a qual o inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento corria por apenso a estes processos, é esta a solução que a lei consagra ao atribuir competência exclusiva aos tribunais judiciais para a tramitação de tais inventários, fundada na sua dependência de outro processo judicial.
Deste modo, julga-se procedente o recurso e decide-se revogar a decisão recorrida, determinando-se a tramitação dos presentes autos de inventário por apenso aos autos principais de divórcio."
[MTS]
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