II – O que significa – correspondendo a reconvenção à introdução num processo pendente dum novo objeto constituído por uma causa de pedir própria e por uma pretensão autónoma – que nem todas as pretensões formuladas por um R. na contestação revestem natureza reconvencional, pois que, para que tal ocorra, tem a pretensão do R. de gozar de autonomia relativamente à pretensão do A..
III – É relativamente comum vermos contestações em que o R. termina/conclui a pedir a sua absolvição do pedido ou a pedir que sejam julgadas procedentes as exceções alegadas/invocadas, mas tais “pedidos” não constituem “pedidos reconvencionais”, uma vez que só há um verdadeiro “pedido” quando o mesmo corresponde a uma pretensão autónoma.
IV – E um pedido reconvencional é desprovido da indispensável autonomia – e, por isso, não deve ser admitido por força do art. 266.º/1 do CPC – se o efeito desejado pelo R. for a consequência da improcedência da ação: um pedido reconvencional destina-se a obter a declaração positiva de um direito, tem que acrescentar um benefício à simples improcedência da ação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O Acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª Instância que não admitiu o pedido reconvencional, sendo pois a solução dada a tal questão – respeitante à admissibilidade ou não da reconvenção – que suscita a presente revista e que preenche todo o seu objeto.
Segundo o Acórdão recorrido, o pedido reconvencional é uma mera decorrência da defesa, sem autonomia em relação à pretensão da A., razão pela qual é inadmissível enquanto pedido reconvencional.
Com o que, desde já se antecipa, se concorda totalmente.
Vejamos porquê:
Estamos, fora de qualquer dúvida, perante uma ação fundada em responsabilidade civil contratual: segundo a A., o R., no exercício da sua atividade profissional de advogado e no âmbito de um contrato de prestação de serviço (de mandato) celebrado com a A., cometeu um erro/falta – não procedeu ao oportuno registo de hipotecas que visavam garantir o crédito da A. sobre o seu ex-marido (crédito esse emergente da partilha entre ambos) – que, ainda segundo a A., não lhe permitiu/te receber a totalidade do crédito que tinha sobre o seu ex-marido (terão ficado por receber as 4 últimas prestações anuais, no montante global de € 275.200,00).
Significa isto, muito claramente, que a A., na presente ação, peticiona uma indemnização civil pelos danos decorrentes do erro/falta (no cumprimento dos seus deveres profissionais) do R., o que também significa que são requisitos constitutivos de tal indemnização (e da responsabilidade civil do R.) o facto ilícito por parte deste, a sua culpa, a existência de dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano1.
E dá-se o caso de o R. admitir o seu referido erro/falta, com o que, abreviando, ficam demonstrados os requisitos do facto ilícito e da culpa, centrando-se a controvérsia/discussão, quanto à constituição do direito indemnizatório da A., no âmbito dos requisitos do dano e do nexo causal.
Sendo justamente aqui, na qualificação jurídico-processual do que o R. alegou/invocou no perímetro de tal controvérsia/discussão, que começa todo o equívoco do R..
O R., como havia feito na apelação, insiste que o que alegou/invocou na contestação visa impedir/modificar/extinguir o direito indemnizatório da A. e que configura defesa por exceção perentória.
Mas, claramente, o que alegou/invocou na contestação configura defesa por impugnação.
A defesa por impugnação, como resulta do art. 571.º/2/1.ª parte do CPC, compreende duas modalidades: a defesa direta, em que o demandado nega de frente os factos alegados pelo autor, em que ataca direta e frontalmente a realidade dos factos constitutivos alegados pelo autor; e a chamada negação “indireta ou motivada” dos factos, em que o demandado reconhece a realidade dos factos (ou de parte deles) alegados pelo autor, mas contradiz o efeito jurídico que o autor pretende extrair deles, ou seja, dá-lhes uma versão diferente (diz que as coisas se passaram de modo parcialmente diferente), contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor.
Ao invés, na defesa por exceção perentória, como resulta do art 571.º/2/2.ª parte e 576.º do CPC, o demandado – sem negar propriamente a realidade dos factos alegados pelo autor, nem atacar o efeito jurídico que deles se pretende extrair – procede à alegação de factos novos (contra-factos) tendentes a repelir a pretensão do autor, ou seja, é uma defesa indireta, que assenta num ataque de flanco/lateral contra a pretensão formulada pelo autor (o demandado aceita a alegação apresentada pelo autor, mas alega novos factos capazes de gerar a sua absolvição).
Há, reconhece-se, alguma proximidade entre a defesa por impugnação e a defesa por exceção perentória, na estrita medida em que em ambos os casos o propósito do demandado é ser absolvido do pedido, porém, a defesa por impugnação assenta no entendimento de que não assiste razão ao autor, seja de facto, seja de direito, enquanto na defesa por exceção perentória o demandado opõe contra-factos que têm por efeito impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pelo autor, o qual, não fora a eficácia da exceção perentória, seria reconhecido.
Assim, os exemplos típicos de exceções perentórias são os factos que, em face da lei substantiva, configuram causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor (como o pagamento, a remissão, a novação, a prescrição, a caducidade, o erro, a coação, a simulação, ou quaisquer outros factos que determinam a invalidade do negócio jurídico).
Pelo que, perante isto, o alinhado no relatório inicial – ou seja, o que o R. alegou/invocou na contestação – tem que ser qualificado, repete-se, como impugnação, na modalidade da negação “indireta ou motivada”.
Tudo o que o R. alegou/invocou tem em vista diminuir o dano indemnizável, não por ter um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do direito indemnizatório da A., mas sim por, face ao alegado/invocado pelo R., o dano indemnizável se ter que considerar constituído em montante inferior ao pretendido pela A..
Efetivamente:
quando o R. alega que, além das prestações anuais confessadamente recebidas, a A. recebeu ainda em dinheiro, do seu ex-marido, € 19.000, está a impugnar/negar o montante ainda não recebido pela A. e, em consequência, o montante do dano;
quando o R. alega que havia outro património do ex-marido da A. que, por opção desta, não foi penhorado, está a dizer que houve montante não recebido pela A. (através de tal outro património) que não decorre – que não foi causado – pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano;
quando o R. alega que, antes da constituição das hipotecas a favor da A., já quatro dos imóveis tinham sido hipotecados pela A. e pelo seu ex-marido, em 1996, está também a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tais imóveis) não foi causado pela sua falta/erro e a impugnar/negar, em consequência, o montante do dano;
quando o R. alega que uma das hipotecas posteriormente constituída e inscrita sobre um dos imóveis que também foi hipotecado em garantia do crédito da A. visava garantir um mútuo contraído pelo seu ex-marido para pagamento de outra dívida comum do casal, está ainda a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tal imóvel) não foi causado pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano;
quando o R. alega que sobre um outro dos imóveis hipotecados já existia registo de hipoteca anterior à que fora constituída para garantia do crédito da A., está mais uma vez a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tal imóvel) não foi causado pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano.
Enfim, como corretamente se observa no Acórdão recorrido, o R. tão só “visa a fixação do montante da indemnização em valor inferior ao pedido”, para o que alega/invoca factos que – não contrariam os factos alegados pela A., dando-lhes, isso sim, uma “versão parcialmente diferente” – colocam em causa o montante do dano invocado pela A. e o nexo causal entre a sua conduta ilícita/omissiva e o dano invocado pela A..
Sendo a partir daqui, deste equívoco inicial – da configuração da sua impugnação motivada como defesa por exceção perentória – que o R. constrói e sustenta a admissibilidade, com base em tais alegações/invocações, da dedução da sua reconvenção.
O que, claro, sendo assim, não cumpre – de imediato se percebe – a função da reconvenção, que não é um meio de defesa do demandado, mas sim, antes, um meio de ataque (de contra-ataque), visando mais ou coisa diferente da mera improcedência do pedido do A.. [...]
Concorda-se pois com o Acórdão recorrido quando no mesmo se observa que “(…) só pode falar-se de reconvenção quando o réu formula um pedido contra o autor que não consista em mera conclusão da defesa. E tal não pode ser contornado pelo uso da fórmula que o recorrente usou em várias alíneas do pedido: “que seja o reconvindo condenado a reconhecer que…” ou “que seja declarado que”; e quando se acrescenta que, se fosse assim, não haveria “(…) nenhum meio de defesa que não pudesse, afinal, ser transmutado em “pedido”. A título meramente exemplificativo, poderá ser pedido: que seja reconhecido que o réu não teve qualquer responsabilidade pelo acidente; que seja o autor condenado a reconhecer que o réu já lhe pagou a quantia peticionada ou que sejam os reconvindos condenados a admitir que não têm direito de passagem sobre o prédio do réu. Ninguém duvidará que tais pedidos não poderiam ser considerados como reconvencionais, sequer se tratando de verdadeiros pedidos sendo, antes, meras conclusões da defesa. (…)”
Assim como com o que no Acórdão recorrido se observa, no sentido da inadmissibilidade da reconvenção, a propósito de cada uma e de todas as alíneas do pedido reconvencional deduzido pelo R./recorrente.
Insiste-se – e é um ponto decisivo – o R. não invocou qualquer exceção perentória: tudo o que ele alegou/invocou não “passa” de defesa por impugnação.
É verdade, não se contradiz, que todos os “pedidos reconvencionais” deduzidos decorrem de factos que servem de fundamento à defesa, mas isso, como acabámos de expor, não é suficiente para um pedido reconvencional ser admitido."