Restituição provisória da posse;
execução; auto de investidura
I. O sumário do acórdão da RG 5/12/2024 (591/23.8T8PTL-A.G2) é o seguinte:
1 – Decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse de um “caminho de servidão” e executado o decidido, do qual foi lavrado, no local, um auto, onde consta que os requerentes foram investidos «na posse do caminho de servidão de passagem» e que declararam-se «como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra», sem arguir no ato a deficiente ou incompleta execução da decisão cautelar ou qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade tanto da restituição da posse como do respetivo auto, o objeto do processo esgotou-se.
2 – Como os requerentes consentiram na manutenção de duas redes amovíveis, uma no início e outra no fim do caminho, não tomaram qualquer iniciativa relativamente à existência de 8 tubos de rega no caminho, assim como de duas árvores/arbustos que estreitam o caminho de 4 metros para 3,53/3,54 metros, e, estando acompanhados do seu mandatário, não suscitaram então qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade quanto aos termos da restituição e investidura ou do próprio auto, o qual assinaram depois de lhes ter sido lido, ficou precludida a possibilidade de o fazerem posteriormente.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"[...] o que os Recorrentes pretendem, e foi indeferido na decisão recorrida, é a concessão de permissão para:
a) o abate «de pelo menos dois arbustos/árvores»;b) a retirada de oito tubos de rega;c) a remoção de duas redes existentes no início e no fim do caminho de servidão.
Liminarmente, a mero título de enquadramento, sobre o procedimento cautelar de restituição provisória da posse rege o artigo 377º do CPC: «No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência».
Decretada a providência cautelar, o esbulhado é restituído à posse que o facto do esbulho lhe fez perder. Por conseguinte, a providência destina-se a reconstituir, de imediato, um status quo ante e nada mais do que isso. É uma providência com uma finalidade puramente conservatória.~
Ainda com relevo para o caso dos autos, importa enfatizar que à fase declarativa do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, que culmina na decisão que decreta a providência cautelar, sucede uma fase de cariz executivo, em que o tribunal impõe coercivamente ao requerido a decisão e restabelece o status quo ante, mediante a entrega material da coisa esbulhada ou da reposição da possibilidade de gozo das utilidades que integram o direito e de que o requerente foi privado. Refere a esse propósito Miguel Teixeira de Sousa [CPC Online (v. 4/2024), in Blog do IPPC, em anotação ao artigo [378.º] do CPC]: «Após o decretamento da providência, o tribunal ordena, por mandado, a execução por f.j. do decidido (art. 172.º, n.º 2, e 185.º). Aquele f.j. deve lavrar, no local, um auto de entrega.» Por conseguinte, decretada a restituição, a secretaria deverá proceder à execução da decisão, emitindo mandado, para ser prontamente executado (art. 157º do CPC), procedendo-se coercivamente à entrega do objeto do direito que tiver sido esbulhado, do qual se lavrará auto (art. 159º, nº 1, do CPC).
Posto isto, no plano substancial, quanto à permissão para o abate «de pelo menos dois arbustos/árvores» de forma a que o leito do caminho tenha 4 metros de largura em toda a sua extensão, secundamos inteiramente o afirmado pelo Tribunal a quo: o abate de árvores ou arbustos, designadamente das duas referidas pelos Requerentes, não está contemplado no dispositivo da decisão que ordenou a restituição provisória da posse do caminho de servidão, nem em qualquer outra parte daquela decisão. Também nenhuma menção a tais árvores ou arbustos consta do anterior acórdão desta Relação.
Mais, nenhum facto provado alude a tais árvores/arbustos. Aliás, nem sequer está alegado que essas árvores/arbustos consubstanciam a execução de um esbulho, no sentido de se destinarem a impedir o exercício do direito real de servidão.
E a restituição provisória da posse é apenas isso: restituição da posse do caminho de servidão tal como ele estava antes do esbulho, tivesse ou não árvores ou arbustos. Tudo o que exorbita dos atos materiais de esbulho, não pode ser aqui considerado.
Trata-se, por isso, de matéria que exorbita do âmbito da providência.
Repare-se que a situação factual que esteve na base do decretamento, em 08.05.2023, da providência foi o facto de os Requeridos, no decurso do mês de janeiro de 2023, terem cortado toda a vegetação do seu prédio, utilizando para o efeito máquinas que «rasparam o solo e retiraram-lhe a dureza, tornando o terreno outrora compactado em movediço, inapto à passagem até de um tractor agrícola» (ponto 11) e, perante a colocação pelos Requerentes de «gravilha para que retomasse as características de dureza aptas à passagem habitual» (12), os Requeridos «vedar[am] o terreno em toda a sua extensão, tendo recentemente, no mês de Março, colocado uma vedação em ferro, segura por esteios, tanto a nascente como a poente do caminho» (13).
Portanto, os atos materiais do esbulho consistiram na raspagem do solo do caminho (ação que o tornou movediço) e na obstrução da passagem através da colocação de uma vedação a nascente e poente do caminho.
Foi este circunstancialismo factual, e não a existência de arbustos ou árvores no caminho à data da produção de prova e prolação da decisão (08.05.2023), que motivou o decretamento da providência cautelar.
Aliás, é de notar que os Requerentes, por requerimento de 31.07.2024, afirmaram nos autos que «no local do leito do caminho de servidão, não há qualquer árvore plantada (como falsamente se invoca) como se demonstra pela foto recentemente obtida (onde se vê “a olho nu” as marcas e os limites do caminho, em direcção e em linha recta à vedação com esteios, ao fundo), mas ainda que houvesse, o caminho é facilmente desimpedido.»
Daí que não se possa agora introduzir, posteriormente ao decretamento da providência cautelar, uma questão que nada tem a ver com o circunscrito objeto do procedimento cautelar, designadamente a autorização para os Requerentes realizarem atos conservatórios ou de limpeza do caminho, para que a circulação se faça sem dificuldades. Tais atos de conservação e de manutenção nem sequer precisam de autorização judicial, pois está reconhecida por decisão transitada em julgado (as decisões proferidas nos procedimentos cautelares adquirem valor de caso julgado quando transitadas em julgado – art. 628º do CPC; aliás, tais decisões são suscetíveis de ser executadas nos termos gerais) a existência da servidão (sabe-se qual o seu conteúdo, extensão e modo de exercício e, nos termos do artigo 1565º, nº 1, do CCiv, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação) e os Requerentes já foram investidos judicialmente na sua posse.
No que concerne à remoção de oito tubos de rega, sem prejuízo do que mais à frente se referirá quanto à investidura da posse e suas consequências, constata-se desde logo que, segundo o que resulta do auto de restituição, não impedem a passagem, seja a pé ou de veículo motorizado, designadamente um trator agrícola. O próprio Requerente circulou com o seu trator pelo caminho no dia em que foi realizada a restituição, «verificando-se que o mesmo ficou apto à passagem do seu trator agrícola.»
Mais, visualizadas as fotografias que acompanham o auto de restituição, verifica-se que os tubos são de pequeno diâmetro, estão espaçados ao longo do caminho e apenas parte deles está à superfície (por exemplo, a parte do tubo 7 que está à superfície é tão diminuta que é preciso porfiar no sentido de o encontrar na fotografia). Também nas fotografias é possível ver que as partes visíveis dos tubos estão calcadas. Por todo o exposto, não impedem a passagem ou o exercício do direito indiciariamente reconhecido aos Requerentes, sem prejuízo de os Requeridos terem assumido a obrigação de os enterrar.
Quanto à remoção das duas redes existentes no início e no fim do caminho de servidão, de harmonia com o que se exarou no auto, verifica-se que as mesmas são amovíveis e permitem abrir e fechar a passagem por qualquer pessoa. Segundo o auto de restituição, a da entrada do lado nascente tem um ferro (fotografia nº 35 do auto) e a do lado poente não tem sequer ferro. Segundo se observa nas fotografias, são redes de malha larga, de um fio de reduzido diâmetro (ignora-se o concreto material, mas aparentam ser metálicas) e de fácil movimentação.
A colocação de redes de vedação, por então obstruírem a passagem pelo caminho, foram o elemento factual essencial em que assentou a demonstração tanto do esbulho como da sua natureza violenta.
Por isso, a remoção das vedações estava necessariamente incluída no âmbito do ato de restituição da posse, tanto que na decisão que ordenou a providência, repristinada pelo anterior acórdão desta Relação, determinou-se «a imediata remoção das vedações no prédio referido em B instaladas que impeçam a livre e desimpedida passagem dos autores para o prédio referido em A dos factos provados». Cumpre salientar que no primitivo auto de restituição provisória da posse, elaborado em 25.05.2023, consta que foi «necessário proceder à remoção das vedações que impediam a passagem», o que significa que as vedações referidas na decisão que decretou a providência cautelar foram então removidas, pelo que as redes que no dia 02.05.2023 se encontravam no início e fim do caminho são outras redes, as quais os Requeridos, em violação da garantia penal da providência, colocaram.
Sucede que em 02.09.2024, dia em que foi levada a cabo a diligência judicial destinada a efetivar a restituição da posse do caminho, «pelos requerentes foi dito que não se opõe[m] a que as entradas do lado nascente e poente fiquem fechadas, desde que seja[m] de fácil abertura». Consequentemente, «compromete[u]-se a mandatária dos requeridos a colocar as redes de fácil abertura/ acesso.» Nesta parte, haverá alguma espécie de lapso, pois as redes existentes já são de «fácil abertura/ acesso». Porventura, estaria a referir-se à manutenção de um sistema de fácil abertura, ou seja, a não inserir nas redes ou nos postes onde aquelas são presas/amarradas aquando do seu fecho qualquer mecanismo que dificultasse a abertura.
Portanto, os Requerentes aceitaram a manutenção das redes cuja remoção tinha sido ordenada e agora apenas está em causa a dificuldade no manuseamento dos arames (e não a impossibilidade de abrirem as redes para passarem), matéria de ordem subjetiva e da qual não é apresentada qualquer prova.
Também não está alegado qualquer superveniente ato dos Requeridos no sentido de impedir a passagem dos Requerentes pelo caminho de servidão, ato que sempre estaria a coberto da garantia penal da providência, nos termos do artigo 375º do CPC.
Todavia, sem prejuízo do que se acaba de expor relativamente tanto à largura do caminho de servidão como à remoção de tubos e redes, a questão fundamental emerge do facto de os Requerentes, sabedores das circunstâncias que agora invocam (que existem dois arbustos ou árvores que em determinado local estreitam o caminho de «cerca de quatro metros» para «3,53 metros» ou «3,54 metros», que estão oito tubos de rega no leito do caminho e que existem duas redes no início e no fim do caminho de servidão), foram investidos «na posse do caminho de servidão de passagem» e «declaram-se como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra».
Sendo assim, em primeiro lugar, se existia alguma objeção, seja quanto às árvores/arbustos, aos 8 tubos de rega ou à manutenção das redes, os Requerentes não podiam declarar-se investidos na posse do caminho. Se discordavam da manutenção das duas redes, das duas árvores/arbustos ou dos 8 tubos de rega, não podiam aceitar, como aceitaram, que os mesmos permanecessem no local onde se encontram.
Em segundo lugar, aquando da realização da diligência de restituição da posse, os Requerentes, estando presentes e acompanhados do seu Exmo. Mandatário, não suscitaram qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade quanto aos termos da restituição e investidura ou do próprio auto. [...]
Ora, caso existisse algum vício ou desconformidade a apontar ao ato de restituição e de investidura dos Requerentes na posse do caminho de servidão, cabia-lhes argui-lo de imediato no ato, assinalando o que, no seu entender, não traduzia a execução integral da decisão que decretou a providência cautelar.
Com efeito, dispõe o artigo 199º, nº 1, do CPC: «Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar».
Nesta conformidade, terminada a elaboração do auto de restituição e assinado o mesmo pelos presentes, incluindo pelos Requerentes e o seu Exmo. Mandatário, por se ter esgotado o prazo para arguir qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade da restituição da posse e da respetiva investidura, ficou precludida a possibilidade de o fazerem posteriormente."
[MTS]
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