Falecimento do autor;
mandato forense; caducidade
1. O sumário de RP 11/12/2024 (288/20.0T8ILH.P1) é o seguinte:
I - À luz do disposto no art. 351º, nº 3, do CPC, numa acção proposta depois de falecido o autor e pretendendo sustentar-se que o processo se não extinga numa das hipóteses previstas no art. 1175º do C. Civil, haverá o advogado que exerceu o mandato depois do falecimento do mandante alegar que o fez sem que soubesse desse falecimento, ou as razões pelas quais, sabendo-o, propôs a acção, em ordem a prevenir prejuízos para os respectivos herdeiros. E de tudo o que alegar deve oferecer a respectiva prova, assim se processando o incidente.
II - O incumprimento do ónus de formulação de requerimento probatório não é susceptível de ser ignorado e superado por via de um convite a aperfeiçoamento.
III - Perante um requerimento instrutório, num incidente de habilitação de herdeiros, em que apenas é oferecida prova sobre a qualidade dos sucessores da parte falecida, mas nada é requerido quanto à verificação de uma excepção apta a permitir a continuidade de uma acção proposta depois do falecimento da autora, excepção esta impugnada pela parte contrária, não cabe ao tribunal convidar o respectivo Il. Mandatário a vir indicar a prova dessa excepção (o seu conhecimento tardio daquele falecimento). Isso constituiria puro atropelo do regime estabelecido no art. 293º do CPC, não legitimado, nem pelo princípio da cooperação (art. 7º), nem pelo princípio do inquisitório (art. 411º).
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Dispõe o art. 1175º, do C. Civil, no respectivo nº 2, para o que aqui interessa, que a morte do mandante só faz caducar o mandato a partir do momento em que seja conhecida do mandatário, ou quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros.
É também pertinente, designadamente face aos argumentos dos apelantes, considerar o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 351º do CPC, de onde resulta que se o autor falecer depois de ter conferido mandato para a proposição da ação e antes de esta ter sido instaurada, pode promover-se a habilitação dos seus sucessores quando se verifique algum dos casos excecionais em que o mandato é suscetível de ser exercido depois da morte do constituinte.
Trata-se, neste caso, de uma “habilitação preliminar” no âmbito de um incidente de habilitação, (Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anot, Vol. I, pg. 406, notas 5 e 6 ao art. 351º), na qual os requerentes devem alegar desde logo os factos demonstrativos da legitimidade dos sucessores da parte falecida.
Constata-se, assim, algum paralelismo entre a situação prevista nesse nº 3 e a do falecimento do réu que apenas se vem a conhecer em consequência das diligências tendentes à sua citação, prevista no nº 2 da mesma norma. Aí o legislador pretende assegurar o aproveitamento da instância já iniciada (Geraldes, ob e loc cit., nota 3).
Todavia, na hipótese do falecimento do autor, a instância iniciar-se-á também, mas o seu aproveitamento apenas é tido por justificado caso se verifiquem as circunstâncias que motivam que o mandato mantenha a sua eficácia mesmo depois da morte do mandante, previstas no art. 1175º do C. Civil: quando o mandato não deva ter-se por caducado por a morte do mandante não ser conhecida pelo mandatário, ao tempo do acto praticado no exercício do mandato, ou quando da caducidade possam resultar prejuízos para os herdeiros.
Como refere Alberto dos Reis (CPC Anotado, vol. I, pg. 879), se inexistir risco de tal prejuízo ou se o mandatário propuser a acção sabendo que o mandante já havia falecido, “o processo tem, em tal caso, de ficar sem efeito”. Prossegue este professor: “Verificado algum dos casos excepcionais, é ao mandatário do autor que incumbe fazer a prova de que podia fazer uso do mandato, isto é, da urgência da acção ou da ignorância da morte. (…) incumbe ao mandatário alegar e provar que à data da proposição estava na ignorância da morte do seu constituinte”. A esta mesma solução, que citam, aderem Isabel Alexandre e Lebre de Freitas, CPC Anot, vol. I, pg. 693).
Esta solução é perfeitamente consentânea com a estrutura procedimental do incidente, a que se aplicam as regras do processo comum, atento o disposto no art. 549º. Assim, tal como dispõe a al. d) do nº 1 do art. 552º do CPC, deve o requerimento em que se dá notícia do falecimento do autor, quando apresentado pelo respectivo mandatário, conter os factos essenciais que justificam que tenha exercido o mandato para além do falecimento do mandante e, em ordem ao prosseguimento da acção, sendo essa a vontade, a promoção da habilitação dos respectivos sucessores. E, bem assim, o oferecimento da prova dos factos alegados, em observância do disposto no art. 293º do próprio processo.
Como antes se referiu, havendo de sustentar-se uma pretensão contrária à extinção do processo numa das hipóteses previstas no art. 1175º do C. Civil, haverá o advogado que exerceu o mandato depois do falecimento do mandante alegar que o fez sem que soubesse desse falecimento, ou as razões pelas quais, sabendo-o, propôs a acção, em ordem a prevenir prejuízos para os respectivos herdeiros. E de tudo o que alegar deve oferecer a respectiva prova, assim se processando o incidente.
Trata-se, cumpre ter presente, de justificar uma solução excepcional, tolerada pelo legislador por razões de ordem pragmática, pois que o resultado normal da situação, isto é, da propositura de uma acção depois de falecido o autor, com a natural caducidade do mandato que era pressupostos dessa propositura, seria a da extinção da instância.
No caso em apreço, do requerimento apresentado em 26/1/2024, em que a Il. Mandatária dá conta do falecimento da autora, extrai-se não apenas a informação sobre o falecimento, mas também a afirmação de que a signatária só após ser notificada do despacho saneador é que tentou contactar a autora e que então é que tomou conhecimento, por isso lhe ter sido relatado através da sobrinha, que a mesma havia falecido. Sucessivamente, logo a 29/1, foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros, no qual apenas foi oferecida prova relativamente á sucessão.
Depois, na sequência da oposição oferecida ao incidente requerido pelos sucessores da falecida, a Il. Mandatária complementou o alegado sobre o seu tardio conhecimento do falecimento da autora, tratando de o justificar, mas continuando sem oferecer qualquer prova do alegado.
É, assim, fácil de constatar que a Il. Advogada não deixou de invocar, logo quando veio informar do falecimento da autora, que apenas teve conhecimento desse facto em momento ulterior à propositura da acção, designadamente após a notificação do saneador que havia sido proferido; mas também o é que não requereu logo o incidente de habilitação, embora o tenha feito no 1º dia útil seguinte (26/1: sexta-feira; 29/1: segunda-feira), bem como que não ofereceu qualquer prova sobre as circunstâncias que pudessem levar o tribunal a dar por verificado aquele pressuposto do art. 1175º,, isto é, o conhecimento do falecimento em momento ulterior à propositura da acção.
Atento o regime anteriormente descrito, só pode concluir-se que o mesmo não foi estritamente cumprido.
Respondidas, nestes termos, as duas primeiras questões em que se desenvolvia o objecto do recurso, a questão que se coloca de seguida é se, nas específicas circunstâncias do caso, o tribunal deveria ter convidado ao suprimento das irregularidades apontadas, não devendo extrair-se da sua verificação – a falta de requerimento imediato da habilitação de herdeiros e a falta de motivação e oferecimento de prova quanto ao conhecimento tardio do falecimento da autora – a consequência que veio a ser decretada.
A questão mostra-se prejudicada quanto ao requerimento de habilitação de herdeiros, pois que o incidente foi deduzido imediatamente e antes de qualquer pronúncia do tribunal sobre o tema.
Por outro lado, no requerimento de 26/1/2024, como já se referiu, a signatária alegou o facto essencial à viabilidade do prosseguimento da acção: o conhecimento do óbito já depois do falecimento da autora, aquando da tentativa de contacto que redundou na informação do óbito prestada pela sobrinha, a referida BB. Perante tal facto, os demais relativos à justificação para esse conhecimento tardio são factos complementares, cuja falta de alegação anterior não é apta a determinar o indeferimento. Não há preclusão em relação ao aproveitamento de tais factos se, em sede de decisão do incidente, o tribunal os vier a ter por úteis.
Por fim, não foi oferecida qualquer prova quanto a tal conhecimento tardio. Deverá esta circunstância determinar a rejeição da análise desse pressuposto da continuidade da acção?
Reconheceu-se já o incumprimento do regime do art. 293º do CPC.
Mas os próprios apelantes vêm pronunciar-se sobre a questão, afirmando: “…caso o tribunal tivesse dúvidas relativamente aos factos alegados pela mandatária da autora, deveria ter promovido a produção de prova que considerasse pertinente.” (art. 92º das alegações).
O regime processual dos incidentes de instância comporta momentos estanques, de que resulta a preclusão para o exercício de direitos processuais que não tenham sido efectivados. A um articulado inicial e a um articulado de oposição, que compreendem a alegação de factos e a formulação de requerimentos probatórios, sucede-se unicamente a produção de prova e subsequente decisão.
O incumprimento do ónus de formulação de requerimento probatório não é susceptível de ser ignorado e superado, por exemplo, por via de um convite a aperfeiçoamento. O princípio do inquisitório, tal como consagrado no art. 411º do CPC, não serve para que o tribunal se substitua às partes, produzindo no processo aquilo que qualquer delas, em momento próprio, deixou por declarar pretender. Isso constituiria uma violação de princípios como o da imparcialidade e do dispositivo.
Acresce que as rés B... e A... impugnaram a alegação da Il. Mandatária da autora quanto ao seu desconhecimento de que, à data da propositura da acção, aquela já tinha falecido, designadamente em face do disposto no art. 1176º,nº 1 do C. Civil e em atenção ao facto de que BB era, ela própria, procuradora da autora falecida.
Por conseguinte, perante um requerimento instrutório, num incidente de habilitação de herdeiros, em que apenas é oferecida prova sobre a qualidade dos sucessores da parte falecida, mas nada é requerido quanto à verificação de uma excepção apta a permitir a continuidade de uma acção proposta depois do falecimento da autora, excepção esta impugnada pela parte contrária, não cabe ao tribunal convidar o respectivo Il. Mandatário a vir indicar a prova dessa excepção (o seu conhecimento tardio daquele falecimento). Isso constituiria puro atropelo do regime estabelecido no art. 293º do CPC, não legitimado nem pelo princípio da cooperação (art. 7º), nem pelo princípio do inquisitório (art. 411º).
Rejeita-se, pois, frontalmente a afirmação supra citada, constante do art. 92º das alegações recursivas, atribuindo ao tribunal a incumbência da produção de prova sobre tal matéria, em face da total omissão dos requerentes a esse propósito.
Pelo exposto, em face do regime acima descrito, cumpre concluir que, tendo ocorrido o falecimento da autora em momento anterior ao da propositura da acção e não se podendo vir a dar por adquirido que a Il. Mandatária subscritora da p.i. só em momento ulterior ao dessa propositura teve conhecimento daquele anterior falecimento, porquanto não se propôs demonstrá-lo através de qualquer meio de prova, não poderá reconhecer-se a verificação da excepção prevista no art. 351º, nº 3 do CPC.
Consequentemente deverá reconhecer-se a caducidade do mandato já à data da propositura da acção, tal como afirmado na decisão recorrida, em razão do disposto no art. 1174º, al. a) do C.Civil."
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