1.
Em acórdão de 25 de Fevereiro do corrente ano, o STJ confirmou as decisões das instâncias que julgaram
improcedente a acção de impugnação da resolução de um contrato-promessa de
compra e venda de um prédio, firmado entre aqueles e a sociedade entretanto declarada
insolvente, levada a cabo por parte do administrador da massa.
Na primeira parte do acórdão, o STJ
ocupou-se da possibilidade de o administrador da massa falida resolver um
contrato a favor da massa, acabando por concluir, face ao estatuído no artigo
120.º do CIRE, pela sua inteira possibilidade, mas com o sério aviso de que,
para que tal aconteça, é necessário que a comunicação resolutiva contenha “os
elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da
resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística.”
Na segunda parte do aresto, o STJ,
considerando que a acção intentada contra o administrador da massa pelos AA.,
na qualidade de promitentes-compradores de um prédio pertencente à firma que
acabou na insolvência, é uma simples acção de apreciação negativa, cujo âmbito
“está confinado à mera declaração da existência ou inexistência do direito”,
confirmou o julgado pelas instâncias, não admitindo o pedido reconvencional
deduzido pelo administrador da massa insolvente, na justa medida em que tal
pedido “não constitui mais-valia perante a eventual procedência da defessa que
vier a ser deduzida.”
2.
Respeitando a decisão proferida, não
podemos deixar de manifestar a nossa total discordância.
Desde logo, não podemos concordar com a
qualificação dada à acção intentada pelos AA. contra o administrador da massa
insolvente, pretendendo obter a revogação da resolução do contrato-promessa
celebrado entre eles e a firma declarada insolvente, levada a cabo por este.
Mas, mesmo que a mesma acção pudesse
ser caracterizada como uma acção de simples apreciação negativa, o certo é que
não vemos razão alguma para, neste tipo de acções, restringir a defesa do R.,
não permitindo que o mesmo se possa defender por reconvenção.
Sinopticamente, tentaremos dizer as
nossas razões.
Antes, porém, a latere, não podemos deixar de sublinhar que o acórdão sub annotationem não respeitou, como
devia, a ordem estabelecida nos artigos 608.º, n.º 1, 663.º, n.º 2, e 679.º,
todos do nCPC (correspondentes aos artigos 660, n.º 1, 713.º, n.º2, e 726.º, do
CPC revogado), na apreciação das questões contidas nas conclusões, apreciando e
decidindo em primeiro lugar a questão do mérito e, só depois, a questão da
forma, em nítida infracção aos dispositivos legais citados.
2.1.
A questão da resolução.
É sabido que a resolução de um contrato
é o meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral. A mesma
encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de vontade
das partes (artigo 432.º do CC).
No artigo 120.º do CIRE estão previstas
as condições que permitem ao administrador da massa falida resolver em
benefício da massa qualquer contrato celebrado antes da declaração de
insolvência.
Naturalmente, podem os contratantes do
entretanto declarado insolvente não estarem de acordo com tal posição e daí
poderem, em juízo, impugnar tal declaração unilateral do administrador. Para
tanto, terão de alegar e provar que não havia razões para a resolução
decretada.
2.2.
Da qualificação da acção em causa.
O que ficou dito de forma mui sumária a
respeito da possibilidade da impugnação da resolução de um qualquer contrato
feita pelo administrador da massa falida é o suficiente para podermos, desde
já, concluir que a acção proposta pelos AA., interessados na referida
impugnação, não é uma simples acção de apreciação negativa, mas sim uma acção
de constituição pura e simples.
Na definição dada pelo artigo 10.º, n.º
2, alínea c), do nCPC, dizem-se constitutivas as acções que têm em vista a alteração
da ordem jurídica existente.
Ao pretenderam pôr em crise a bondade
da resolução do contrato levada a efeito pelo administrador da massa, os AA.
contraentes terão de alegar que os motivos invocados por aquele não se
verificaram no caso concreto, o que equivale a dizer que, com a referida acção,
pretendem eles o estado das coisas antes proclamado por aquela via.
Daí que, como em qualquer outra acção
desta natureza, caiba ao A. a prova dos factos constitutivos do direito alegado
e ao R. a prova dos factos extintivos, modificativos e extintivos por ele
invocados, tudo em perfeita consonância com o preceituado no artigo 342.º, n.ºs
1 e 2, do CC. E, do ponto de vista processual, nada se enxerga que impeça o R.,
nestes casos de se defender também por via reconvencional.
Competia, pois, ao STJ apreciar e
decidir da possibilidade de admissão do pedido reconvencional do ponto de vista
formal e, em face de um eventual juízo positivo, ordenar a baixa do processo às
instâncias com vista à apreciação do mérito do alegado pelo R./Reconvinte, uma
vez que, como dito, as instâncias rejeitaram a sua admissibilidade.
Mas também lhe competia, desde logo,
apreciar a factualidade apurada pelas instâncias era de molde a poder decidir de meritis, atenta a prova e a contraprova
das partes, tendo em conta as exigências contidas no já citado artigo 120.º do
CIRE.
3.
Mas mesmo que assim não seja e a
referida acção intentada pelos AA. contra o administrador da massa insolvente
se deva classificar como de mera apreciação negativa –facto que só se admite
por raciocínio académico –, sempre teremos de dizer que nada impede que, nas
acções de simples apreciação negativa, o R. se possa defender por via da
reconvenção.
Se bem vemos, o n.º 1 do artigo 343.º
do CC é absolutamente desnecessário. Com efeito, do n.º 2 do artigo anterior já
resultava isso mesmo – compete ao R., neste tipo de acções, a prova dos factos
constitutivos do direito por ele invocado.
É sabido que quem alega tem de provar –
regra esta a aplicar tanto à actuação do A., como à do R..
Por norma, cabe ao A. a prova dos
factos alegados em apoio do pedido formulado, e ao R. compete provar as
excepções deduzidas, ou seja, os factos (melhor: os contra-factos) que integram
aquelas, sejam eles impeditivos, modificativos ou extintivos do direito
invocado pela parte contrária.
Ora bem. Colocados perante uma qualquer
acção de apreciação negativa, o A., em regra, limita-se a pedir que, face à
incerteza provocada pelo R., o tribunal proclame que o direito não pertence a
este, mas sim àquele.
Perante a alegação do A. de que o
prédio X não pertence ao R., este pode tomar várias atitudes: ou não contesta
ou contesta.
Caso não conteste e o A. se tenha
limitado a uma pura declaração de intenção do R. de provocar a incerteza do
direito, a A. está, em princípio, condenada ao malogro. É que, litigante
devidamente avisado, bem podia ele ter, desde logo, alegado os factos
constitutivos do direito que diz ser incerto.
Contestando, pode o R. negar pura e
simplesmente a vaguidade de factos geralmente apresentada pelo A. neste tipo de
acções e também pode (atitude mais frequente) contrariar a versão do A. pela
positiva, alegando os factos constitutivos do direito que afirma ser seu.
Ora, se o R. adopta esta segunda
atitude, alegando factos constitutivos, cabe-lhe naturalmente a prova dos
mesmos: “quem alega tem que provar.”
O que o legislador quis dizer naquele n.º
2 do mencionado artigo 342.º foi simplesmente isto: se, neste tipo de acções, o
R. alegar factos (hipótese mais normal) terá de os provar. Naturaliter!
Vistas bem as coisas, não há aqui
qualquer inversão do ónus probatório. Este verifica-se, com efeito, nos
acanhados casos previstos no artigo 344.º do CC (inversão do ónus da prova).
Normativo este que não é para aqui convocado na procura da solução a dar ao
caso decidindo.
3.1.
A referência feita no n.º 1 do artigo
342.º do CC relativamente ao ónus de prova dos factos alegados pelo R. (regra
que, repete-se, traduz uma mera repetição do já proclamado n.º 1 do artigo
anterior) não retira (não pode retirar) ao A. a possibilidade de alegar factos
impeditivos, modificativos ou extintivos.
Se, eventualmente
o fizer, terá em obediência à regra consagrada naquele n.º 1 do artigo 342.º,
de os provar.
E pode fazê-lo ab initio, logo na petição inicial, prevendo a hipótese de o R. não
contestar ou de contestar pela afirmativa, alegando factos constitutivos do
direito que diz ser seu.
Ora, assim sendo, retira-se sem grande
dificuldade a ratio essendi do
preceituado no n.º 2 do artigo 584.º do nCPC: perante a alegação, por parte do
R., de factos constitutivos do direito que diz ser o seu, pode/deve o A.
defender-se por via de impugnação; nada impede, porém, que possa contra-atacar
a posição daquele, invocando factos impeditivos ou extintivos daquele mesmo
direito.
E, em sede de prova, na 1ª hipótese, ao
R. (alegante de factos constitutivos) cabe fazer a sua prova, como o diz
expressamente o n.º 1 do artigo 343.º do CC (desnecessariamente, como já
reafirmado) e ao A. cabe fazer a contraprova, ut artigo 346.º do CC, no caso de se defender por via de
impugnação, ou de fazer a prova dos contra-factos alegados, ut n.º 2 do artigo 342.º do CC.
3.2
Desde que os requisitos sejam
respeitados (cfr. artigo 266.º do
nCPC, correspondente ao artigo 274.º do CPC revogado), não vemos razão alguma
para retirar ao R. a possibilidade de se defender por reconvenção.
O próprio acórdão em causa,
contradizendo-se, acaba por reconhecer que “nesta sede de simples apreciação, o
âmbito da acção está confinado à mera declaração da existência ou inexistência
do direito”.
Perante a pretensão do A. no sentido de
o tribunal reconhecer a inexistência no direito na esfera jurídica do R., não
visualizamos razão válida para negar a este o direito de defesa, por via
reconvencional, ver reconhecido o direito em crise como sendo efectivamente seu,
à imagem e semelhança do que acontece, ao cabo e ao resto, com qualquer outro
tipo de acção em que, sendo admissível a reconvenção, o R. se situa no âmbito de
defesa de contra-ataque.
Perante a pretensão do A., no sentido
de o tribunal reconhecer a inexistência no direito na esfera jurídica do R.,
não há, portanto, razão válida que impeça este de se defender, afirmando, em
via reconvencional, a existência desse mesmo direito: à incerteza inicial do
A., responde, neste caso, o R. procurando a certeza do que entende ser seu
direito.
4.
Aqui chegados, importa concluir,
dizendo que:
- A acção em que é pedida a revogação
da resolução do negócio, levada a cabo por parte do administrador judicial, é
uma acção constitutiva, à luz da definição do artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do
nCPC;
- Mesmo que não fosse – e é – e a acção
respectiva fosse de mera declaração negativa, mesmo assim, nada impedia o R. de
se defender por via reconvencional, caso se verificasse os respectivos
pressupostos;
- Na acção de apreciação negativa,
perante a invocação de factos constitutivos alegados pelo R., nada impede que o
A. contraponha aos mesmos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do
direito invocado por aquele.
URBANO DIAS