1. Pelo
seu interesse, divulga-se uma recente decisão proferida numa das Relações, cujo
sumário é o seguinte:
“I - O actual artigo 662.º do CPC
configura uma clara evolução do sentido conferido pela lei à reapreciação da
matéria de facto, tendo claramente consagrado a autonomia decisória dos
Tribunais da Relação, aos quais compete formar e formular a sua própria
convicção e, bem assim, conferindo-lhes a possibilidade de renovação de certos
meios de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida
fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
II - Esta medida não significa a
possibilidade de realização de um novo julgamento, destinando-se antes a servir
para firmar uma convicção mais segura sobre determinado facto controvertido,
devendo a Relação avaliar a prova que foi ou deveria ter sido produzida, mediante
critérios objectivos que, atentas as circunstâncias, revelem a
imprescindibilidade ou não de uma tal diligência complementar, visando sempre a
superação de dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada.
III – Verificando-se a existência de tal
dúvida fundada sobre o alcance da prova produzida, e não tendo sido determinada
oficiosamente em primeira instância diligência reputada absolutamente essencial
à formação da convicção quanto à prova ou não prova daquele facto cuja
reapreciação é pedida pela recorrente, em obediência aos princípios da
celeridade e da economia processual, é função do relator ordenar as diligências
que considere necessárias, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d) [sic;
leia-se b)], do CPC, que concretiza o poder de direcção do processo pelo juiz
genericamente consagrado no artigo 6.º da referida codificação, tornando
desnecessário que o processo baixe à primeira instância para recolha de uma
prova essencial nos termos sobreditos e que o tribunal da Relação pode, por si
mesmo, obter”.
2.
O que estava em causa era saber se, num processo de insolvência, a reclamação
de um crédito tinha sido apresentada dentro do prazo. Estavam juntos ao processo
dois documentos com datas diferentes quanto à expedição da referida reclamação;
fazendo uso do disposto no art. 411.º nCPC, o juiz da 1.ª instância solicitou ao
Administrador de Insolvência que confirmasse o recebimento da reclamação apresentada
numa dessas datas; perante a resposta negativa, o mesmo juiz não solicitou ao
Administrador a confirmação da recepção da reclamação que o reclamante alega
ter enviado na outra data e deu como não provado que a reclamação tivesse sido enviada
em qualquer das referidas datas.
Neste
contexto, a Relação entende que, fazendo uso do disposto no art. 662.º, n.º 2,
al. b), nCPC, pode solicitar ao Administrador da Insolvência o esclarecimento
sobre a correspondência que lhe teria sido remetida na outra data.
3. O caso é particularmente
interessante, porque se prende com o não cumprimento pela 1.ª instância do
dever de cooperação do tribunal. Mais em concreto: o caso mostra que o disposto
no art. 662.º, n.º 2, al. b), nCPC também pode ser utilizado para sancionar o
não cumprimento pelo tribunal de 1.ª instância do dever de cooperação em
matéria probatória, ou seja, para sancionar a falta de uso dos poderes
inquisitórios que lhe são atribuídos pelo art. 411.º nCPC.
Pela minha parte, tenho entendido que o
estabelecido no art. 662.º, n.º 2, al. c), nCPC pode ser utilizado nos casos em
que a violação do dever de cooperação se se traduz na não utilização pela
Relação do dever de convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado (cf. art.
590.º, n.º 2, al. b), e 4). O caso em análise mostra que o art. 662.º, n.º 2,
al. b), nCPC pode ser utilizado nas situações em que a violação do dever de
cooperação se verificou em matéria probatória. Isto significa que vai fazendo o
seu caminho a orientação segundo a qual (i) compete à Relação sancionar o não
cumprimento do dever de cooperação pela 1.ª instância e (ii) a Relação está impedida de apreciar e decidir o recurso como se essa violação não tivesse existido.
MTS