1. A
Comissão que, em 2010 e 2011, foi chamada a colaborar na reforma do processo
civil tinha apenas por missão propor algumas medidas mais urgentes em áreas nas
quais a prática mostrava que havia disfuncionalidades e bloqueios. Nunca teve
mandato para proceder a uma reformulação geral do CPC e nunca isso esteve no
seu espírito. Pelo contrário: a Comissão sempre trabalhou na pressuposição de
que o que propunha era a última revisão do CPC antes da construção, de raiz, de
um novo CPC.
Uma das
áreas em que havia que fazer um trabalho cuidadoso na preparação de um novo CPC
é aquela que respeita às relações entre o direito interno e o já vasto processo
civil europeu. Haveria que determinar que adaptações é que se imporiam ao
direito interno em função do direito europeu e que desarmonias entre o direito
interno e o direito europeu deveriam ser evitadas.
2. O
estabelecido no art. 18.º Reg. 861/2007 (relativo ao processo europeu para
acções de pequeno montante) mostra uma das desarmonias que teria sido necessário
colmatar. Esse preceito estabelece a possibilidade da revisão de uma decisão
proferida numa acção de pequeno montante em que se verificou a revelia do demandado quando:
– A notificação
do formulário de requerimento ou a citação para comparecer numa audiência
tenham sido efectuadas segundo um método que não fornece prova da recepção pelo
próprio requerido (art. 18.º, n.º 1, al. a) i), Reg. 861/2007);
– A citação ou notificação não
tenha sido transmitida ao requerido com a antecedência suficiente para lhe
permitir preparar a sua defesa, sem que tal facto lhe possa ser imputado (art.
18.º, n.º 1, al. a) ii), Reg. 861/2007);
– O requerido tenha sido
impedido de contestar o pedido por motivo de força maior ou devido a circunstâncias
excepcionais, sem que tal facto lhe possa ser imputado (art. 18.º, n.º 1, al. b), Reg. 861/2007).
Este
regime contrasta profundamente com o regime interno em matéria de revelia do
réu: a única hipótese que o réu revel tem de impugnar a decisão proferida à
revelia é a demonstração da falta ou da nulidade da sua citação (art. 696.º,
al. e), nCPC). Assim, por exemplo, se a citação edital tiver sido devidamente
utilizada pelo tribunal da acção, não há qualquer forma de o demandado impugnar
a decisão proferida à sua revelia.
3. Para
além de o direito português ser muito mais restritivo do que outros direitos em
matéria de expurgação da revelia, sucede que a convivência do regime europeu em
matéria de acções de pequeno montante com o regime interno português mostra uma
desarmonia dificilmente aceitável:
– Se a
acção – cujo valor não pode exceder € 2.000 (art. 2.º, n.º 1, Reg. 861/2007) – seguir
o regime do processo europeu para acções de pequeno montante, é possível a
revisão da decisão proferida nos termos do art. 18.º, n.º 1, Reg. 861/2007;
– Se a
acção – que pode referir-se a interesses patrimoniais significativos ou que
pode incidir sobre interesses não patrimoniais – seguir a forma do processo
comum, só é possível atacar a decisão proferida nos termos muito restritos do
art. 696.º, al. e), nCPC.
MTS