1. A necessidade da formação pela Relação de uma convicção própria sobre as provas produzidas em 1.ª instância foi confirmada em STJ 14/5/2014. Afirma o STJ:
"É entendimento reiterado e unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que o Tribunal da Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer uma das situações previstas no n.º 1 do art. 712.º do CPC, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (n.º 4 do mesmo preceito legal) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que entenda não estar devidamente fundamentado (n.º 5 do mesmo preceito legal).
Tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (n.º 2 do art. 712.º CPC).
Por outro lado, a determinação dos factos pela Relação, após a reapreciação da prova, decorre da análise crítica dos elementos probatórios para o efeito apreciados, de acordo com a própria convicção que a Relação sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material. Ou seja, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 1 do art. 655.º do CPC, com as limitações decorrentes do n.º 2 do mesmo preceito legal, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação quando é chamada a reapreciar a matéria de facto.
Como se consignou no acórdão da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal, de 14.02.2012, proferido no Proc. 6823/09.3TBBR.G1.S1, «[n]o uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712º do CPC, a Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova».
Aí se explicitou, ainda: que «…é fácil verificar que foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do DL. 39/95 e reafirmada no preâmbulo do DL 329-A/95, criar um verdadeiro duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto … desiderato (que) só pode ser completamente conseguido se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção (coincidente ou não com a formada pelo julgador da 1ª instância), no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar, de modo algum, limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida. (…) O que a Relação não deve é limitar-se a procurar determinar se a convicção (alheia) formada pelo julgador da 1ª instância tem suporte na gravação, ou limitar-se a apreciar, genericamente, a fundamentação da decisão de facto, para concluir, sem base suficiente, não existir erro grosseiro ou evidente, na apreciação da prova, tudo em homenagem ao princípio da imediação das provas, erigido em princípio absoluto (…). Uma tal prática impede o real controlo da prova pela 2ª instância, transformando a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto numa garantia puramente virtual, praticamente inútil».
De igual modo, como recentemente se reafirmou no sumário do aresto desta Secção, de 29.10.2013, proferido no âmbito da Revista n.º 298/07, disponível in www.dgsi.pt, «no uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712.º do Código de Processo Civil, a Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1.ª instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova».
Ao Tribunal da Relação compete, assim, reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos materiais que julga provados, coincidam, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância pois só assim atuando está, efetivamente, a exercer os poderes/deveres que, nesse âmbito, lhe são legalmente conferidos. E, nos termos do disposto no art. 712.º do CPC, pode, e deve, fazê-lo não só em relação aos factos que concretamente sejam impugnados pelo recorrente como, ainda, ex officio, a outros que, após a sua reapreciação, conclua não estarem em conformidade com os elementos probatórios produzidos e, ainda, em relação àqueles que precisem de ser reponderados em função das alterações que tenham sido introduzidas nos factos concretamente impugnados pelas partes de modo a que não se verifiquem contradições entre eles."
2. Pelas razões aduzidas em anteriores mensagens, esta orientação é a única admissível.
MTS
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